Anteriormente, publicamos um artigo sobre as eleições gerais antecipadas que ocorrerão no próximo dia 8 de junho, no Reino Unido. A campanha apenas iniciava e indicava uma larga vantagem do Partido Conservador (Tories) em todas as pesquisas. Parecia que Theresa May teria uma vitória tranquila, que aumentaria consideravelmente sua maioria no parlamento, o que lhe daria mais força para aplicar seu projeto de austeridade no país e pilotar seu modelo de Brexit.
Entretanto, em artigo publicado logo após o anúncio da antecipação das eleições gerais, dizíamos que a tática de antecipá-la poderia ter sido um verdadeiro “tiro no pé” de Theresa. Em um novo artigo, apontávamos que a realidade parecia indicar espaço para um grande crescimento da campanha de Jeremy Corbyn, especialmente após o lançamento do manifesto da campanha[1].
Apesar deste não ser um programa socialista, apontava medidas extremamente progressivas, como a restatização de várias empresas, fim das privatizações, investimentos pesados em saúde, educação e moradias populares (contrastando com os grandes cortes que vêm sendo executados nos últimos anos), fim dos contratos precários de trabalho, mudança na política externa, entre outros fatores. Naquele momento, dizíamos que a polarização trazida para a disputa de projeto poderia, dentro de poucas semanas, criar um “efeito Melenchon” e mudar o quadro eleitoral.
Hoje, o clima nas ruas e as pesquisas eleitorais demonstram que esta possibilidade parece ter se tornado realidade. Embora as pesquisas eleitorais ainda apontem vantagem para o Partido Conservador, a diferença caiu em mais de 20 pontos percentuais para valores de um dígito, muitas delas apontando menos de cinco pontos de diferença. Dentre os mais jovens, a maioria absoluta apoia a campanha de Corbyn.
Em todo o país existe uma forte campanha de rua, com ativistas batendo de porta em porta e comícios massivos. Os movimentos sociais e sindical também estão ativamente inseridos na campanha, mesmo que a quantidade de greves não esteja refletindo a ebulição no terreno político-eleitoral. Há um curso ascendente das greves, mas ainda se encontram em um patamar inferior ao crescimento da campanha de Corbyn.
Gráfico com pontuação de todas as pesquisas. Destaque para o período após o lançamento dos manifestos
Um quadro eleitoral incerto
Vale lembrar que a o regime eleitoral no Reino Unido é parlamentarista, com voto distrital. Ou seja, o eleitor não vota diretamente no candidato a Primeiro Ministro, mas no candidato do partido de seu distrito. Como cada distrito elege um parlamentar por voto majoritátio (em turno único), a representação de cadeiras no parlamento não reflete necessariamente a proporção geral de votos. Além disso, como o voto não é obrigatório, uma variável importantíssima é sobre quem vai de fato se deslocar aos centros eleitorais para votar no dia 08.
Além disso, ainda não é possível saber se o ataque terrorista ocorrido em Londres no último sábado terá algum efeito no processo eleitoral. Enquanto a direita procura insuflar a estratégia do medo e racismo (anti-islâmico), a campanha de Corbyn ressalta que as áreas de inteligência anti-terrorismo também sofreram cortes nas políticas de austeridade dos Conservadores. Afirma também que a política externa britânica tem sua cota de responsabilidade no ataque destas correntes fundamentalistas e arqui-reacionárias à população do país. Assim, mesmo com o crescimento exponencial da candidatura de Corbyn a partir de um perfil cada vez mais à esquerda, é difícil prever o que sairá das urnas neste dia 08 de junho.
“Tiro no pé” dos Conservadores. Agora, mais que nunca, é votar Corbyn (PM)
De toda forma, mesmo que o quadro seja mais favorável aos Conservadores, o mais provável é que terão um número bem menor do que têm atualmente, podendo inclusive não ter a “metade mais um” necessária para formar um governo sem coalizões[2]. Isso seria uma derrota importantíssima de Theresa May e seu partido, que convocaram eleições antecipadas exatamente para ampliar sua força, já que estavam enfrentando dificuldades na governabilidade do país.
Caso os Consevadores não consigam a maioria absoluta, dependeriam dos LibDem (Liberais Democratas), que dificilmente comporiam com Corbyn devido a seu programa. De toda forma obrigariam os Tories a uma total mudança em sua política de hard Brexit, praticamente inviabilizando o nome de Theresa May.
Um setor da burguesia imperialista parece apostar nos LibDems como forma de frear a política de May rumo a um hard brexit, puxando o governo britânico para uma postura mais pró-globalização no estilo Macron. Esse partido não deve ter um grande número de cadeiras, mas pode ser o diferencial no momento da montagem do novo gabinete.
Porém, o aspecto mais importante – e que pode ter mais impacto na conjuntura européia e mundial, é o fenômeno em torno a campanha de Jeremy Corbyn. Assim como Melenchon na França e Sanders nos EUA (dentre outros exemplos), Corbyn apresenta um perfil à esquerda como alternativa às políticas neoliberais de austeridade e às saídas populistas e racistas de extrema-direita ao mesmo. E parece estar indo ainda mais à esquerda, e ganhando mais espaço que os anteriores.
E após as eleições?
Por isso, nos dias que antecedem a eleição, a tarefa de todo ativista da esquerda socialista, em todas as partes do mundo é dizer em alto e bom som: “VOTE LABOUR – POR JEREMY CORBYN PRIMEIRO MINISTRO!”. E, desde já, se preparar para os possíveis cenários após a abertura das urnas. Dentre os quais, destacamos:
1 – O Partido Conservador atinge maioria de cadeiras, porém menor que antes das eleições e com Corbyn tendo atingido um resultado acima do esperado (tanto em cadeiras como em percentual geral de votos). Neste caso, a primeira tarefa da esquerda socialista será, muito provavelmente, um combate contra a estrutura do Partido Trabalhista para manter Corbyn na liderança deste Partido e, consequentemente, como Líder da Oposição no Parlamento. Além disso, manter a unidade alcançada no período da campanha eleitoral para impulsionar e unificar as lutas sociais no país, para inviabilizar o governo Conservador (seja com May ou qualquer outro à frente) e seu projeto contra os trabalhadores e os povos no Reino Unido e em todo o planeta.
O mesmo para o caso, bem menos provável, que os Tories ampliem sua maioria (em cadeiras e votação geral) devido a fatores inesperados como uma grande abstenção de jovens, uma guinada da opinião pública à direita após os ataques na London Bridge, ou qualquer outro aspecto. Aqui porém teríamos um governo mais forte, uma esquerda menos fortalecida e uma pressão muito maior por parte dos Blairistas e seus tradicionais aliados (setores da mídia, máquinas partidárias etc).
2 – O Partido Conservador não atinge a maioria, e os LibDems acenam com a possibilidade de coalizão com os Trabalhistas. Este quadro traria enormes pressões, e com elas importantes desafios. Obviamente, uma coalizão com partidos burgueses – especialmente o LibDem – levaria ao abandono de pontos importantes no programa e perfil do governo (talvez a exigência fosse até a renúncia de Corbyn e a escolha de um novo líder para ser o PM, mas dada a força alcançada com a vitória isso não seria possível sem a anuência do mesmo). A pressão do Labour, e não apenas de seus setores mais Blairistas ou de direita, será de fazer os acordos. Seria uma espécia de “Geringonça às avessas”, [4] onde a esquerda encabeçaria a coalizão, mas abrindo mão de pontos centrais, para impedir um novo governo Conservador. Nesse caso, o melhor seria apontar que um governo assim não conseguiria atender às expectativas dos milhões que foram às ruas e às urnas por transformações radicais. Tal governo, ao invés de entregar tal mudança, resultaria em uma grande desilusão, reabrindo o espaço para os Conservadores ou alternativas ainda mais à Direita em um curto espaço de tempo.
3 – O Labour Party, sozinho ou junto a partidos menores como os Verdes, SNP e outros obtenha a maioria das cadeiras. Isto teria impacto mundial como o referendo do Brexit e a eleição de Trump, só que no sentido inverso.
Aqui estarão os maiores desafios para o próximo período. Mesmo que Corbyn consiga uma maioria contando apenas com seu próprio Partido, muitos destes parlamentares não representam a luta dos trabalhadores, ou sequer tem compromisso com o manifesto apresentado. Vale ressaltar que, ao contrário do processo de eleição do Líder do Partido, a definição dos candidatos Trabalhistas não tem qualquer caráter realmente democrático ou de participação das bases (ou dos trabalhadores sindicalizados) e é definida pelas instâncias partidárias. Cada passo de Corbyn foi dado com apoio nas ruas, por fora do parlamento e da estrutura do Partido Trabalhista (na maioria dos casos, contra estes) – e isso não seria diferente agora.
Nesse caso, caberia à esquerda socialista se manter independente do governo, exigindo que nenhum representante burguês (independente de que partido seja) faça parte do secretariado. Além disso, atuar nos movimentos sociais e de trabalhadores para garantir que as políticas presentes no manifesto serão apresentadas – e que se vá além delas. Corbyn deve governar apoiado nos sindicatos e movimento social organizado, caso contrário jamais conseguirá cumprir sequer o programa que defendeu, quanto mais as transformações mais profundas e necessárias que trazem esperança e põem em movimento um número cada vez maior de jovens, trabalhadores e oprimidos em geral.
Aprender com os erros do passado, e andar em frente
Independente do resultado das eleições, um correto posicionamento da esquerda socialista é fundamental para que este processo coloque a classe trabalhadora em um novo patamar na luta de classes britânica e internacional.
Um erro que pode ser facilmente cometido é o de, embalados pelo clima da campanha e os avanços que estamos conseguindo, não enxerguemos as limitações e riscos desse processo. Precisamos considerar a enorme contradição da estrutura do Labour Party (incluindo grande parte dos Parlamentares), que vem tentando derrotar Corbyn e a esquerda desde o surgimento deste fenômeno. É preciso entender que essa energia que moveu a campanha pela base deve permanecer organizada, de forma independente de um eventual governo Corbyn ou das instâncias tradicionais do LP. Outro erro seria, no sentido oposto, de enxergar apenas estas limitações, não enxergando a força e o caráter progressivo do fenômeno Corbyn e o potencial que tem de colocar a luta dos trabalhadores em um potencial bem superior ao atual. Ambos os erros deixariam a esquerda socialista desarmada para intervir neste processo.
Por Vicente Marconi (Brasil / Londres, São Paulo)
[1] Manifesto é o “programa de governo” de cada partido para o processo eleitoral.
[2]http://www.standard.co.uk/news/politics/uk-general-election-polls-two-thirds-of-18-to-24-year-olds-plan-to-back-jeremy-corbyns-labour-poll-a3556181.html
[3]Uma das únicas pesquisas com estimativa de cadeiras prevê esta situação: https://yougov.co.uk/uk-general-election-2017/
[4]Referência ao governo do PS em Portugal, que é apoiado pelo PCP e pelo Bloco de Esquerda, mas não formam parte dele.