Em Março de 2016, foi conformado um Grupo de Trabalho (GT), entre o PS e o BE – uma extensão institucional do anterior Manifesto dos 74 – com a finalidade de encontrar uma solução para o problema da dívida pública portuguesa.
A proposta alcançada compromete-se com a redução sustentada da dívida externa portuguesa, dentro das regras, imposições e limites do FMI, UE e BCE.
Uma vez que tal redução, dentro dos limites impostos, sem aplicação de austeridade, é uma contradição em termos, PS e BE viram-se forçados a torcer a realidade. Assim, montaram um cenário com um PIB português a crescer 3,2%, nos próximos 30 anos, e excedentes primários, nos primeiros 5 anos, simplesmente extraordinários (4,1% do PIB), nunca registados em Portugal e raramente alcançados por algum país. Excedentes primários que só poderiam ser alcançados através de duros pacotes de austeridade – o próprio GT admite-o.
Partindo deste cenário, é feito (i) um conjunto de propostas imediatas com o objetivo de otimizar a gestão da despesa pública, que não dependerão de negociação europeia, e (ii) uma reestruturação da dívida pública, com as seguintes características:
Transformação da dívida pública, detida pelo BdP (€23 mil milhões que se prevê que venha a adquirir até Dezembro de 2017, através do programa de injeção de capitais do BCE), em dívida permanente – através da troca sucessiva de títulos de dívida pública, ao longo dos anos; e,
Reestruturação dos empréstimos da UE (FEEF e MEEF), passando estes a ter uma taxa de juro média de 1% e uma maturidade média de mais 45 anos. A restante dívida pública e a dívida ao FMI não seriam afetadas.
O conjunto de todas estas medidas resultaria na transformação da dívida pública de 130,4%, do PIB, em 91,7%, do PIB, com uma queda da despesa com juros perto dos € 1,9 mil milhões, a partir de 2023.
Pondo de lado o facto de o cenário montado não ter qualquer adesão à realidade, o presente relatório pode abrir o debate sobre uma infinidade de caminhos que essa reestruturação pode tomar. No entanto, para além de não ir além disso mesmo, não nos parece que as hipóteses elencadas respondam ao problema de fundo da dívida pública.
Na nossa opinião, o GT não passa o horizonte das necessidades imediatas de alívio orçamental e não dá início a um debate profundo sobre as origens e mecanismos da dívida portuguesa, a nível nacional, que possa desembocar numa solução estrutural para as gigantescas dívidas públicas europeias.
Em nossa opinião, o debate deveria ser o seguinte:
A evolução da dívida pública
Portugal tem a sexta maior dívida pública do mundo, em percentagem do PIB. Em 2016, alcançou os 130,4% do PIB.
Fonte: PORDATA
Na sequência da profunda crise mundial que ainda vivemos, a dívida pública portuguesa sofreu um profundo crescimento, tornando-se insustentável.
A que se deve tamanha dívida pública?
A origem da dívida pública
Os buracos financeiros que se abriram na banca, fruto da especulação, por um lado, e/ou da corrupção, por outro, foram sendo paulatinamente transferidos, pelos vários governos PS, PSD/CDS-PP e PS, apoiado por BE e PCP, para a esfera do Estado. Ou seja, o Estado assume as dívidas dos bancos falidos mas não fica com qualquer ativo que possa vir a rentabilizar.
Os Orçamento do Estado vão sendo negativamente afetados, o que implica um constante financiamento externo, culminando com o aumento da dívida pública. O gráfico seguinte, evidencia exatamente o mecanismo de transformação de dívidas dos bancos em dívida pública:
Fonte: BdP
Em 2009, ao sector do Estado e Banco Central (BdP) pertenciam 37% da dívida externa bruta portuguesa e, em 2016, esse valor alcançou os 61%. Movimento exactamente inverso fez a dívida externa das instituições financeiras e monetárias.
A compreensão deste efeito fica completa se acrescentarmos o facto de a dívida externa bruta ter pouca variação entre 2009 (€396 mil milhões) e 2016 (€399 mil milhões) – mais € 3 mil milhões.
Os detentores da dívida pública
A dívida pública portuguesa é detida em 58,2% por entidades estrangeiras. Esta é uma percentagem mais que suficiente para atribuir aos seus detentores o poder de decidir os destinos do nosso desenvolvimento, da nossa economia e da nossa política.
É daqui que UE, BCE e FMI definem a nossa política orçamental, o nosso investimento económico, que setores devem ser privatizados, os limites do nosso salário mínimo, em suma, o nosso plano de desenvolvimento e o seu grau de independência face ao exterior.
Fonte: Relatório Gruto Trabalho sobre a dívida externa
Os juros da dívida pública
Fonte: IGCP
O valor dos juros da dívida pública, de 2016, esteve muito perto dos €8 mil milhões, um valor gigantesco que arrasa com qualquer Orçamento do Estado.
O actual aumento de impostos indiretos e o gigantesco corte no investimento e serviços públicos são a contrapartida pelo pagamento dos juros da dívida, grande parte deles pagos ao exterior.
Mobilizar como forma de solucionar a dívida pública
Uma dívida pública de tal magnitude funciona como um instrumento de dominação da UE, BCE e FMI sobre o nosso país, pois conduz a uma permanente saída de recursos que nos são fundamentais. De qualquer forma, sob pena de este ser um problema recorrente, a questão da dívida pública não tem uma solução que se resuma à sua simples reestruturação.
BE e PCP, sendo sérios, deviam, pelo menos, abrir a possibilidade a uma profunda auditoria à dívida pública que culminasse com a responsabilização de banqueiros especuladores e corruptos e com a nacionalização da banca.
Isto passaria por uma proposta, concertada entre os vários países da periferia da UE, de imediata suspensão do pagamento da dívida pública e dos seus juros até percebermos qual a parte das dívidas que, efetivamente, pertence aos sectores públicos.
É impossível que as economias vivam só de turismo, sem nada produzirem. A suspensão do pagamento das dívidas deveria ser acompanhada de um profundo plano de investimento económico, no emprego e no salário.