Se há uma característica que emerge quando mulheres se organizam com um objetivo comum é a sua essência revolucionária. Uma mulher que toma consciência das suas amarras é imediatamente movida para a frente de combate. É uma força indomável.
Ao longo do último ano vimos mobilizações em massa de mulheres, que fizeram a terra tremer. Com a eleição de Trump, cuja figura e propostas declaradas representam uma preocupante ameaça à nossa liberdade, as mulheres uniram-se em todo o mundo. Esta mobilização internacional deve ser analisada com atenção e essa energia orientada para uma mudança efetiva no concreto. Num mundo capitalista que remete a mulher para o espaço privado, que sustenta uma estrutura que a mantém alienada do seu poder na vida política, estas manifestações não podem evaporar-se com o passar do dia assinalado. É necessário pensarmos bem sobre os motivos que nos movem e elaborarmos um programa de continuidade que consolide toda a força e trabalho que precede tais acontecimentos.
Embora não integre os currículos escolares, historicamente, as mulheres foram motores essenciais do despoletar de profundas mudanças no mundo alterando decisivamente a sua evolução. É importante regressarmos a esses momentos da história porque representam acontecimentos que nos devem dar confiança e servir de exemplo, sabendo a opressão que as mulheres sofriam naquela época, e nos orgulharmos da coragem que elas demonstraram nas ações de reivindicação que tomaram contra o poder instalado. A 5 de Outubro de 1789, uma multidão de mulheres do povo marchou de Paris a Versailles e forçou a saída do Rei Louis XVI e Marie Antoinette, despoletando assim a Revolução Francesa e marcando um momento decisivo na história da democracia (https://www.theguardian.com/world/2017/jan/19/womens-march-washington-occupy-protest). Apesar do importante papel das mulheres nesta altura a figura feminina que brilha nos registos é aquela que estava do lado da realeza, Marie Antoinette. A mulheres foram na realidade protagonistas políticas de uma das revoluções mais faladas da história, sendo a marcha sobre Versailles um marco inédito do ativismo das mulheres do povo na França e na Europa. A 23 de Fevereiro de 1917 (8 de Março no calendário gregoriano) cerca de 50 000 mulheres entraram em greve em Petrogrado contra o racionamento de comida implementado pelo regime czarista, sendo este acontecimento recordado por Trotsky como o desencadeador da Revolução Russa. Nós, que hoje nos organizamos numa alternativa política em relação aos grupos institucionalizados, devemos estudar as lutas das nossas antepassadas e partilhar com o mundo essa informação que foi empurrada para as margens da história. Resgatar aos factos históricos o papel que as mulheres desempenharam na construção da sociedade como a conhecemos hoje deve ser parte fundamental da militância de todo o partido revolucionário.
O ativismo feminista é necessário porque entre os trabalhadores, a submissão das mulheres pela classe dominante é ainda mais severa. De modo geral, as mulheres ganham menos que os homens e em momentos de crise económica esse desfasamento é acentuado (Portugal foi dos países europeus onde essa discrepância mais aumentou com a crise, chegando aos 16%). A vulnerabilidade económica em que muitas vezes se encontra força-a a manter-se em relacionamentos onde é vítima de violência machista. A inferioridade da sua capacidade económica força-a na maioria das vezes a abandonar a sua atividade laboral para servir nos cuidados domésticos da casa, filhos e cuidados de familiares idosos. Quando mantém o seu trabalho encontra-se submetida a uma tripla jornada de trabalho que lhe é socialmente imposta (emprego, tarefas domésticas e cuidado de filhos e terceiros). Não existindo uma estrutura social do estado que se responsabilize pelos cuidados básicos e necessários da vida quotidiana, essas tarefas só são realizadas porque nós mulheres continuamos a aceitar/aceder à pressão que nos é imposta para fazê-lo. Estas dinâmicas estão tão entranhadas em nós que carregamos a culpa caso essas lides fiquem por fazer por decidirmos parar. É nesse sentido que devemos despertar as consciências das mulheres para a luta e dizer basta! É por estes motivos e outros mais que é tão difícil trazermos as mulheres a participar e serem agentes decisoras da vida pública, da política. Por isso, o momento que estamos a testemunhar hoje, esta mobilização de milhões de mulheres em todo o mundo deve ser encarada como algo mais, algo além do 8 de Março. É preciso dar orientação política à energia proveniente deste despertar nas consciências para canalizar essa força para fins concretos.
Face ao ascenso da extrema direita nos EUA e às eleições que se aproximam na Europa com um cenário semelhante, este movimento de massas pode revelar-se fulcral na determinação dos próximos acontecimentos. Estamos a testemunhar um retrocesso concreto das nossas liberdades democráticas que tem que ser travado antes que o cenário nos tire a esperança. A aprovação da descriminalização na lei aplicada aos casos de violência doméstica na Rússia é um exemplo flagrante dos tempos que se poderão estar a aproximar. Hoje, existir um país que descriminaliza o acto de bater numa mulher além de escandaloso é sinal de alerta à comunidade internacional. Como vimos na Polónia, na Argentina ou Irlanda, o poder para fazer frente a estas decisões está no povo, entre as pessoas que sentem na pele o significado de medidas desse tipo. Não serão os grupos institucionalizados a travar essa luta mas sim a classe trabalhadora unida e consciente das implicações que constituem a sua paralisação. Por isso apelamos à mobilização das mulheres no próximo 8 de março, Dia Internacional da Mulher, dia de luta!