Mario Soares

Mário Soares, o verdadeiro social-democrata

O título não é escolhido ao acaso. Soares dizia-se socialista mas vão-nos desculpar, ele era sim um social-democrata.

A sua base de apoio, de massas, era genuinamente pelo socialismo. Os milhões (!) de trabalhadores, mulheres e jovens, de várias gerações, que votaram e apoiaram o fundador do PS defendiam uma sociedade socialista.

Já quanto aos amigos mais próximos de Soares, no plano internacional, Willy Brandt, Chanceler alemão, Olof Palm, na Suécia, ‘mon ami’ Miterrand, em França, ou Callaghan, na Inglaterra, eram, como todos sabemos, por um capitalismo “moderado”, sob regimes políticos democráticos ou sob algumas reformas parlamentares, através de eleições, mas em que a exploração da classe trabalhadora permanece exactamente como até então – esta é a essência dos social-democratas.

Ou seja, Mário Soares e os seus principais aliados políticos defendiam, acima de tudo, que não existissem alterações sociais qualitativas (revoluções sociais) no sentido da construção efectiva de uma nova sociedade humana – que era e que é aquilo a que o termo socialismo, de forma simples, se refere.

Actualmente, há novos social-democratas no país (já lá iremos). No entanto, social-democratas, no sentido clássico do termo, também não foram Sá Carneiro, e menos ainda, Cavaco Silva ou Passos Coelho. Todos estes são, como bem conhecemos, adeptos do ‘capitalismo selvagem’.

Soares era (e sempre foi) mais astuto que todos aqueles juntos. Mais político. Soares, chamou o FMI a Portugal (1978 e 1983), impôs os primeiros e mais violentos programas de austeridade, mas também foi um crítico da troika no “último resgate” (2011). Soares, apesar de “socialista”, foi o primeiro a fazer um governo constitucional com o partido que roçava a extrema-direita, no país, o CDS- PP (em 1978). Soares, apoiou, sem titubear, o corrupto “socialista” José Sócrates e visitou-o várias vezes na prisão de Évora.

É certo que, enquanto jovem, militou contra a ditadura de Salazar, é certo também que, por pouco tempo, militou no PCP. Esteve preso e exilado. Inúmeras foram, aliás, as figuras, adeptas de um capitalismo ‘cívico’ (como se tal fosse possível), que lutaram igualmente contra a face autoritária e ditatorial do capitalismo, e que se prestigiaram, mas também é certo que não alteraram a sua face da exploração.

Álvaro Cunhal, por seu lado, que com Soares travou várias batalhas, que esteve (ainda mais anos e em piores condições) encarcerado nas prisões da ditadura de Salazar, que igualmente lutou contra a face autoritária e ditatorial do capitalismo, também se prestigiou, mas, ao mesmo tempo, apoiou outras ditaduras (todas!) dos regimes de partido único, desde os PCs do Leste da Europa ao resto do mundo. 

Estas são as duas faces que, com maior relevo e mais prestigio, acabaram por ditar o desfecho da Revolução de 1974. Sem desvalorizar a luta desencadeada contra a ditadura salazarista, que os diferentes sectores políticos desenvolveram, certo é que o capitalismo continuou e continua com a sua face de exploração.

Soares, o “pai da democracia” (referem paladinos interesseiros, até da direita portuguesa) foi o principal responsável pela entrada de Portugal na CEE, hoje UE.

Actualmente, é cada vez mais visível que o Euro e a UE foram os coveiros da economia portuguesa, reduzindo o país mais antigo e independente da Europa (800 anos) a uma nova semi-colónia, sob os interesses da Alemanha. Na verdade, este não é um processo exclusivamente desencadeado pela Alemanha, mas com a profunda participação dos, já supra citados, antigos amigos políticos de Mário Soares. Diz-me com quem andas, dir-te-ei para onde vais.

O triste, no entanto, não é Soares falecer aos 92 anos (uma vida longa portanto, que muitos de nós, queiramos ou não, com tanto desemprego, baixos salários e precariedade, não teremos oportunidade de gozar), o triste, como dizíamos, são os novos aduladores de Soares – os novos sociais-democratas.

Aqui estão compreendidos todos os que apoiam (como o velho Soares) o governo da geringonça. Os novos social-democratas são todos os que antes se opunham aos FMIs, às privatizações, ao Euro e à UE, todos sem excepção, de Francisco Louçã a Jerónimo de Sousa, do BE ao PCP, de Catarina Martins a Daniel Oliveira (do falso “Livre”), todos eles, hoje, a favor de um governo do PS, que continua a obra máxima de Soares – manter Portugal na UE e no Euro (e até na NATO).

O governo que mantém privatizações e que não as reverte, que mantém Portugal no Euro, obrigando o país a 8 mil milhões de euros de austeridade todos os anos, através dos sucessivos Orçamentos do Estado aprovados pelos antigos “inimigos” de Soares.

Este é último triunfo de Soares. Não por acaso, lemos Francisco Louçã (‘Uma vida marcante’, no Público) elogiar Soares por “nunca desistir do seu ponto de vista e proposta” e que esta seria uma qualidade de um “político inteiro”. Ponto de vista e proposta essa que, precisamente por manter a “exploração capitalista”, abre novamente portas, pela Europa fora, aos mais vis regimes ditatoriais. Lamentável portanto.

Gil Garcia

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