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Ainda a propósito das eleições nos EUA

É, portanto, da generalizada crise sistémica do capitalismo, do desespero das velhas políticas, da consequente degradação das condições sociais e económicas e da falta de uma alternativa anti-sistema à esquerda, que o capitalismo dá origem ao regresso de velhas receitas, as saídas pela extrema-direita.

Após a vitória de Trump, nos EUA, começa a clarificar-se a composição do seu governo e quais serão as políticas que está disposto a pôr em prática.

Sobre o seu governo, terão sido já nomeados os nomes para dois dos principais cargos: Reince Priebus, como chefe de gabinete da Casa Branca, e Steve Bannon, como braço-direito de Trump, que será o homem que irá delinear a estratégia geral da presidência de Trump. Dois dos nomes que estiveram na direcção da sua campanha eleitoral.

Apesar da campanha de Trump ter personificado a opção contra o establishment, contra o “sistema”, uma das primeiras nomeações é a de Reince Priebus, o presidente do Comité Nacional Republicano. Ou seja, uma das figuras de proa do próprio “sistema”.

Steve Bannon, por sua vez, apesar da sua retórica anti-elites, é precisamente um dos elementos dessas elites que nos conduziram à crise em que nos encontramos. Foi, durante anos, um dos sócios-gestores da Goldman Sachs, tendo depois chegado à presidência de uma empresa que tem como ferramenta de propaganda um site de extrema-direita, com forte simpatia por Trump ou Marine LePen e com posições políticas que defendem o racismo, a xenofobia, a “supremacia branca”, a violência sobre mulheres e a discriminação das LGBTs. Tanto assim é que o grupo fascista Ku Klux Klan já veio referir que a escolha de Steve Bannon seria “excelente”.

Estas nomeações e as primeiras declarações de Trump evidenciam a intenção de avançar com boa parte das propostas feitas durante a campanha. Estamos a falar do levantamento de muros nas fronteiras; do endurecimento das leis de emigração; da prisão e expulsão de milhões de imigrantes e refugiados; da nomeação de juízes para o Supremo Tribunal com concepções profundamente reacionárias (anti-aborto e contra o casamento homossexual); da diminuição de impostos para as empresas; da desregulação sobre os mercados financeiros; aumentos dos gastos públicos com o exército e armamento…

Por outras palavras, vê-se aqui uma forte tendência à polarização e desigualdade sociais, à hostilidade racial, ao recuo das conquistas democráticas, a um conjunto de ideias conservadoras, retrógradas e reaccionárias. Vê-se aqui uma tendência ao autoritarismo, ao nacionalismo e até algumas características do fascismo das décadas de 1920 e 1930.

Aqui chegados e como já foi explorado num outro texto do nosso site, devemos ter claro que o Governo Trump é uma consequência directa da crise do sistema económico e político em que vivemos, o capitalismo. É a consequência das políticas seguidas pelos partidos que nos têm governado. É a consequência de um sistema económico que, para defender os interesses das elites, gera gigantescas desigualdades, desemprego, empobrecimento e descontentamento a quem trabalha.

No entanto, deixamos bem claro que esta não é uma consequência inevitável, nem é um horizonte prévia e historicamente determinado, perante o qual devamos prostrar-nos. É necessário construir alternativas políticas, à esquerda, intimamente comprometidas com a modificação profunda do sistema capitalista.

O MAS afirma-se como uma dessas forças políticas. Mas já lá iremos.

 

A resposta dos velhos partidos socialistas e sociais-democratas

A vitória de Trump tem gerado uma onda de indignação, confusão e instabilidade social, económica e política. Ainda estaremos para ver a sua profundidade, mas existem já alguns posicionamentos que pretendemos aqui analisar.

São eles os do ex-Presidente da República, Jorge Sampaio, e os do actual Ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo PS, Augusto Santos Silva.

Jorge Sampaio presenteou-nos com uma extensa e vaga caracterização da situação política internacional onde aponta que as características da crise se mantêm. Que a UE, tendo acumulado uma série de erros, minou a confiança no seu projecto, o qual corre a passos largos para o abismo.

Como propostas, Jorge Sampaio, sob o mote de “quebrar tabus”, propõem nada mais que “solidificar a União entre os 19 da Zona Euro […], através de um compromisso claramente político no sentido de reforçar os mecanismos económicos e financeiros da zona euro”. Ou seja, propõem-nos solidificar o Euro. Mas vai mais longe, e defende que é necessário avançar com a união bancária e com a união orçamental.

Por seu lado, Santos Silva, no decurso daquela análise, vem sublinhar que aquilo que precisamos é a “valorização das alternativas ao centro”.

Resumindo, a análise de Jorge Sampaio e Santos Silva é insuficiente para chegarmos às conclusões necessárias.

As bases e características da UE estão elas próprias na origem da crise em que estamos mergulhados. A livre circulação de capitais, ou por outras palavras, a desregulação dos mercados que desembocaram em gigantescos buracos financeiros; as limitações à produção nos sectores primários e secundários; a união monetária; a união orçamental; a profunda austeridade sobre as economias periféricas da UE; a desastrosa política para os refugiados, que veio pôr em causa a livre circulação de pessoas no espaço europeu… Tudo isto são exemplos das opções políticas conscientes das instituições europeias e dos vários governos nacionais para proteger os banqueiros em detrimento dos povos, para proteger os interesses dos “credores” e dos ”mercados” em detrimento dos orçamentos públicos dos Estados; para proteger as grandes empresas em detrimento dos pequenos produtores; para proteger os interesses da Alemanha em detrimento dos países mais periféricos, para proteger os interesses privados em detrimento do interesse público; para proteger as elites em detrimento de quem trabalha.

Estas são precisamente as opções políticas que os partidos socialistas, incluindo o PS português, do qual Jorge Sampaio e Santos Silva fazem historicamente parte, e os partidos social-democratas têm feito aplicar e que estão na origem do empobrecimento, do desemprego, da polarização social, dos exorbitantes défices públicos e gigantescas dívidas públicas. Estas são as políticas que determinaram a nossa perda de soberania.

Posto isto, a análise de Jorge Sampaio e Santos Silva para além de (i) não trazer qualquer alternativa política nem (ii) de quebrar qualquer tabu, vem (iii) concordar com tudo aquilo que até aqui tem sido feito, e (iv) sugerir que continuemos com todas as políticas europeias que nos fizeram chegar até aqui. Isto é precisamente o que a UE, BCE e o governo alemão têm repetido até à exaustão nos últimos anos: continuemos, pois “não há alternativa”. Opção que tem conduzido a um profundo empobrecimento e descontentamento das classes trabalhadoras.

Até aqui nada de novo. No entanto, Jorge Sampaio e Santos Silva, mesmo sem o desejarem, colocam a nu que não é só o projecto da UE que está falido, estão também politica e ideologicamente falidos os partidos que lhe estão na origem – os partidos socialistas e social-democratas.

Estes partidos transformaram-se, ao longo do último século, em gestores e parte fundamental do sistema, quer seja em benefício próprio ou das elites com as quais foram intensificando relações. Com a entrada do sistema em crise, esta alastrou-se aos seus gestores e às suas velhas receitas, ficando estes “sem alternativas”, pelo que só lhes resta repetir, repetir, repetir que “não há alternativa”.

É, portanto, da generalizada crise sistémica do capitalismo, do desespero das velhas políticas, da consequente degradação das condições sociais e económicas e da falta de uma alternativa anti-sistema à esquerda, que o capitalismo dá origem ao regresso de velhas receitas, as saídas pela extrema-direita.

Trump ou Marine Le Pen são a expressão mais concreta desse fenómeno. Ainda não se colocam abertamente como Mussolini ou Hitler mas se não se construírem alternativas anti-sistémicas à esquerda, capazes de mobilizar as classes mais pobres, o endurecimento dos regimes políticos, no sentido mais ditatorial e autoritário, é muito provável. E o seu alastramento é uma possibilidade real.

 

Uma nova era dos extremos? Uma alternativa anti-sistémica à esquerda precisa-se!

O actual Governo PS, com o apoio de BE e PCP, é uma solução de recurso à crise sistémica. O PS deixou de conseguir governar sozinho e, portanto, acabou por munir-se do BE e do PCP para manter a sua gestão do sistema. Afinal a austeridade mantém-se, embora de forma indirecta, e os nossos problemas estruturais continuam a aprofundar-se: euro, banca, dívida, soberania, alto desemprego, precariedade, etc.

Não trazendo uma solução ao sistema, este Governo PS, com o apoio de BE e PCP, poderá muito bem abrir portas a fenómenos de extrema-direita. Olhemos para o Governo Syriza, na Grécia, que não tem feito mais nada que não seja aplicar austeridade, aprofundando os seus problemas estruturais, e acabar por tornar possível o novo advento da direita e da extrema-direita.

Perante condições económicas e sociais intoleráveis, a História não para e parece voltar a colocar-nos perante um momento com a seguinte dicotomia: ou (i) revolução social e alteração do sistema ou (ii) regresso ao fascismo.

É necessária uma alternativa àquilo que tem sido feito até agora pelos velhos partidos socialistas, social-democratas ou reformistas de esquerda. É preciso alterar a política que nos trouxe até a esta profunda crise.

Uma alternativa política anti-sistémica, composta pelos sectores mais empobrecidos da sociedade, com um programa corajoso para questionar o Euro e a UE; suspender o sufocante pagamento da dívida pública; capaz de estabelecer acordos económicos e políticos com os restantes países periféricos da Europa; responsabilizar e confiscar banqueiros pela especulação e corrupção cometidas; nacionalizar a banca em torno de um plano de investimento que nos permita fortalecer o nosso sistema produtivo, resolver o desemprego e precariedade e retomar a nossa soberania.

Uma alternativa anti-sistémica à esquerda capaz de assegurar os direitos democráticos, com a coragem de combater o bolorento racismo, xenofobia, misoginia, LGBTfobia e todos os tipos de discriminação e opressão.

Esta é a alternativa política a que o MAS se propõe.

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