citao_silvia_acampa_2016_v2

“Somos uma organização que tem o orgulho de meter o dedo na ferida”

As opressões não existem desde sempre, não são características do ser humano. São construções sociais que servem o propósito de cortarmos todos os laços de afinidade da maioria, que é a classe trabalhadora, em relação à outra parte da humanidade que é a classe exploradora.

Essa é a única verdadeira divisão que existe na Humanidade. Quem é explorado é uma ampla maioria diversificada, composta por homens brancos, homens negros, mulheres negras, gays… É essa maioria para a qual estamos a trabalhar e que queremos que assuma o seu destino nas suas mãos.

A arte é dividir para reinar, é basear-se em pequenas diferenças que existem entre os seres humanos para nos colocarem uns contra os outros e para nos controlarem. Somos todos a mesma massa de trabalhadores. Se somos nós quem tudo produz, a nós tudo pertence, não é à minoria que manda em nós.

As opressões estão ao serviço da exploração. As mulheres ganham em média menos 30% do que os homens. Como é que isto é aceite pelos nossos colegas? É baseado neste tipo de diferenças artificiais que se criam na prática formas de maximizar o lucro das grandes empresas e das instituições.

A opressão sobre a mulher e a comunidade LGBT tem haver com o facto de se ter criado a instituição familiar heterossexual. Esta existe como uma forma de, por um lado, manter a massa trabalhadora com as necessidades de alimentação, tecto e roupa supridas na maior parte dos casos gratuitamente pelas mulheres que ficam no lar, e por outro lado, assegurar as gerações futuras de trabalhadores. Tudo o que sejam constituições de família que não obedeçam a este padrão não são úteis à forma de exploração do capitalismo. Porque um casal homossexual ou uma família monoparental, se não recorrerem a outras soluções, não conseguem reproduzir-se.

Se a exploração sobre a mulher acaba, é preciso criar outro tipo de mecanismos para que este trabalho feito em casa possa existir – as creches públicas, as cantinas públicas, etc. O Estado não precisa de fazer nada disso, pois as mulheres asseguram esse trabalho em casa. As opressões enquanto forem úteis a este modo de exploração e enquanto este modelo de família for útil, tudo o que lhe fuja é alvo de opressão. A melhor maneira de se criarem seres humanos é num ambiente fraterno, com amor, com qualidade, e isso é garantido com qualquer tipo de família.

A nossa corrente, o marxismo, ensina-nos que o fim das opressões só é possível com o fim do capitalismo. Se elas servem a este modelo de exploração, elas só vão acabar quando acabar este modelo de exploração. O MAS tem medidas concretas como propostas – o aumento das licenças de maternidade e paternidade, para libertar a mulher do cuidado das crianças e para que os homens também possam ter essa sua tarefa. A igualdade salarial. A criação de rede de esquadras especializadas para a violência doméstica, porque as mulheres vão hoje a uma esquadra e são ridicularizadas, as queixas não são registadas e as mulheres voltam para casa com o agressor. A criminalização do assédio sexual.

Na questão LGBT, a construção dum plano nacional de combate à LGBTfobia, em que o Governo deve ser agente activo levando esta luta nas escolas, nas instituições públicas, nas instituições de saúde. Valorizar as conquistas da comunidade LGBT – a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo e a coadopção, das quais há 10 anos atrás não se falava e que deram visibilidade a este conjunto de trabalhadores que viviam na marginalidade.

No que respeita ao racismo, exigir a nacionalidade para todos os que nasçam em território português, o que faz com que nós digamos que o Estado português é um estado racista. Que o Estado deixe de esconder os dados demográficos e que dê visibilidade a estas comunidades emigrantes que existem em Portugal. É uma realidade feia e o Estado português não quer que essa realidade se conheça.

Somos uma organização que tem o orgulho de meter o dedo na ferida. Temos a vantagem de podermos discutir estes temas com quem é oprimido – com as mulheres, com os negros, com a comunidade LGBT, com os imigrantes – e isso faz com que tenhamos uma visão diferente da realidade. Temos de apoiar-nos nela para que o partido seja um espaço hostil para qualquer tipo de opressão e com isso fazer com que nos locais onde militamos também criemos pequenas comunidades hostis a qualquer tipo de opressão. Esse trabalho está ao serviço de um trabalho maior, para a classe trabalhadora.

No dia em que vivermos em socialismo as opressões não acabam por decreto. É todo um trabalho quotidiano. Não devemos tolerar qualquer tipo de opressão e isso faz de nós os loucos. Mas acho que aqui ninguém tem medo de ser louco. Isso até é um elogio.

Espero que cada um tenha a coragem de nos ajudar a construir um partido e com ele construir uma sociedade melhor e a mudar as coisas como estão. Não foram sempre assim, e não vão ficar sempre assim. Para isso é preciso meter o pauzinho na engrenagem, como dizia o José Mário Branco, e nós somos essa instituição.

 

Sílvia Franklim, da Comissão de Mulheres do MAS, no encerramento do Acampamento de Jovens 2016

Anterior

“No mundo da opressão só somos livres se lutarmos para acabar com essa opressão”

Próximo

Machismo na Educação