Defesa da escola ponto

Alterações ao financiamento dos Colégios Privados: o começo da resolução dos problemas da Educação ou uma medida sem efeitos práticos na qualidade do Ensino Público?

Os contratos de associação (C.A.) foram instituídos no início da década de 80 com o intuito de garantir o ensino à população quando ainda não havia uma rede pública suficiente. O pressuposto era o de que, assim que a oferta pública abrangesse as áreas geográficas em que se inseriam, cessaria o contrato.

Este pressuposto foi, de certa forma, alterado pelo anterior Governo PSD/CDS ao se garantir que a oferta pública, onde ainda não existisse, não iria competir com a oferta privada, ou seja, nos locais servidos unicamente pelo ensino privado com C.A., não seriam construídas ou abertas Escolas Públicas. O Governo de Passos Coelho foi ainda mais longe e acrescentou o conceito de liberdade de escolha nos locais servidos pela Escola Pública e Privada com C.A., ou seja, ainda que houvesse duplicação de apoios e Escolas Públicas abaixo da capacidade, os apoios às Escolas Privadas não cessariam, em nome da liberdade de escolha.

Com as alterações introduzidas pelo Governo PS/BE/PCP, tudo apenas volta ao estatuto anterior, ou seja, o Estado cessará o apoio às Escolas Privadas que coabitem com Escolas Públicas abaixo da capacidade e volta o pressuposto (ainda que provavelmente meramente teórico) de que a rede pública deverá ser alargada a todo o território nacional, através da construção de novas escolas.

Quais os méritos e os equívocos destas visões?

Em primeiro lugar, os C.A., pela forma como são calculados os apoios, permitem, ou melhor, promovem a exploração laboral, nomeadamente dos professores e funcionários. Os apoios previstos nos C.A. são calculados a partir dos custos com o pessoal docente acrescidos de uma percentagem sobre esse custo para as restantes despesas de funcionamento e investimento. Assim, não é fácil perceber que, não recebendo propinas dos alunos, as Escolas Privadas com C.A. só poderão alcançar o lucro através da redução destes custos. Os custos do pessoal docente poderão ser reduzidos através de saláros inferiores ou carga horária superior, bem como através de exploração das falhas destas fórmulas de cálculo, abrindo mais turmas mais baratas como turmas do ensino básico e menos do ensino secundário e alternativo, uma vez que o apoio por turma é sempre o mesmo. Assim, ao assinar ou ao manter os C.A., o Governo está a dar carta branca para a exploração laboral. Obviamente que esta diferenciação serve ao Governo, nomeadamente como termo de comparação em alturas de negociação dos salários dos professores do Ensino Público dentro da já tão velha e gasta (ainda que eficaz) lógica do dividir para reinar.

Em segundo lugar, ao manterem os C.A., promovem o enraizamento destas instituições privadas junto das populações que a elas tudo de bom atribuem, esquecendo-se que apenas o fazem à custa do dinheiro do contribuinte. Assim, no momento em que a Escola Pública é construída nas imediações é imediatamente ostracizada e vítima de resistência por parte da população, emocionalmente ligada ao Colégio da zona.

Por fim, é lógico que as alterações agora propostas são positivas, no sentido em que anulam o pior do liberalismo aplicado à educação que nos trouxe o PSD e o CDS. Esta argumentação é facilmente percetível e estudos recentes vieram demonstrar que a transferência de alunos dos privados com C.A. para a rede pública mais próxima iria permitir uma poupança de 25 000 € por turma, ou seja, cerca de 1 000 € por cada aluno por ano, o que não é, de forma nenhuma, irrisório. Porém as alterações propostas pelo Governo, no fundo, mantêm o problema de raiz e demonstram uma grande incoerência ao usarem um argumento, o da não duplicação de esforços, nos casos em que a Escola Pública e Privada convivam, mas já não o considera válido para legitimar a nacionalização da oferta privada onde não exista oferta pública, evitando assim a duplicação de equipamentos e consequente o sobredimensionamento. Ao mesmo tempo permitiriam manter as Escolas a que a população se habituou em vez de as substituir como deveria ser, por princípio, a intenção do Governo.

Por que razão o MAS é contra todo e qualquer C.A. e por que razão somos intransigentes na defesa de um Ensino Público universal?

Em primeiro lugar, porque a validade do ensino é independente da propriedade da escola em que é fornecido. A ideia vigente, contrária a esta afirmação, assenta num pressuposto falacioso de que a gestão pública é, por inerência, medíocre e pouco inovadora. Além disso, no caso em questão, caso fosse verdade, implicaria que as Escolas Privadas usassem métodos de ensino próprios, o que não acontece na grande maioria dos casos, ou seja, o que acontece é uma mera utilização dos programas oficiais do Ministério da Educação. E mesmo as poucas inovações incutidas por algumas Escolas Privadas (Escolas bilingues, por exemplo) podem ser promovidas por Escolas Públicas através de projetos piloto, pois o ensino público não tem que ser obrigatoriamente monolítico.

Em segundo lugar, pelas razões já referidas na resposta anterior, ou seja, coexistindo a Escola Pública e Privada, nomeadamente através de C.A., implica obrigatoriamente uma diferenciação salarial (ou de carga horária) entre professores do Público e do Privado. E onde não existam esses C.A. existirá sempre o Lobbying da Escola Privada junto do Governo para que a diferenciação entre uma e outra se faça pela qualidade, normalmente baixando o nível da Escola Pública. Assim, ainda que o Ensino Privado não fosse proibido, este tornar-se-ia praticamente inviável  no caso de não receber  qualquer apoio financeiro da parte do Estado, de ter que criar os seus próprios programas e de ter que oferecer aos seus funcionários condições semelhantes às da Escola Pública e, ao mesmo tempo, ter que competir com uma Escola Pública que tivesse o investimento que merece a nível de equipamentos físicos, do pessoal docente e não docente e também a nível de conteúdos programáticos.Ministro Educação

Por que é que tudo isto (as medidas do Governo PS/BE/PCP), na prática, não melhora a qualidade da Escola Pública e não resolve os seus problemas atuais?

Porque, ainda que seja um assunto importante e uma melhoria relativamente à situação anterior, esta solução não resolve a situação de fundo da educação e, nomeadamente, do Ensino Público. Para melhorar a qualidade do Ensino Público, seria preciso acabar com os mega agrupamentos, abrir as escolas fechadas no período da governação PSD/CDS-PP, contratar mais professores, etc. Além disso, o atual Governo não diz o que vai fazer com as verbas poupadas com o eventual fim dos C.A., para onde vai o dinheiro? Para investir na Escola Pública ou para pagar os juros da dívida e cumprir as exigências económicas de Bruxelas?

O que exige o MAS ao Governo na área da Educação?

– Redução do número de alunos por turma e consequente efetivação imediata dos professores contratados com 3 ou mais anos de serviço (independentemente de estes terem horários completos ou incompletos, consecutivos ou não). Trata-se de uma promessa eleitoral do PS (o da redução de alunos por turma) que iria comprovadamente melhorar a qualidade de ensino quer diretamente, quer indiretamente. Diretamente, como é fácil de perceber, pelos benefícios inerentes a turmas mais reduzidas. Indiretamente porque, associado às grandes turmas, surgem problemas como stress laboral e também menos professores efetivos, o que, comprovadamente, influencia a qualidade do lecionamento. Por fim, ainda teria o benefício da redução de injustiças sociais, ao permitir que todos acedessem a um ensino de qualidade, independentemente da condição económica;

– Gestão democrática na Escola em vez dos diretores todo-poderosos. É fundamental e urgente voltar (e aperfeiçoá-lo) ao modelo de gestão democrático da Escola Pública que tivemos durante as últimas décadas após a Revolução de Abril. A democracia não é nem pode tentar reduzir-se a um voto de 4 em 4 anos, a “verdadeira” democracia também é indissociável (quando existe) de uma participação no local de trabalho e de estudo. Esta medida custaria zero euros ao Estado e seria realmente uma mudança significativa, mas será que algum dos partidos da maioria (PS, BE e PCP) estão realmente interessados em defender estas “conquistas de Abril”?

– Nacionalização das Escolas Privadas que irão manter C.A., ou seja, as que existam onde não haja oferta Pública. Sejamos claros: se o pressuposto é alargar a rede pública a todo o território nacional faz todo o sentido nacionalizar os colégios que estejam a prestar serviço público através de C.A. É a solução economicamente mais viável, quer a nível financeiro, quer a nível de equipamentos e dimensionamento da oferta. Além disso, como já foi dito, também permite às populações manterem o colégio que, em muitos casos, é referência na sua região.

Anterior

A Educação não é um negócio. (ponto)

Próximo

CGD, o novo-velho buraco financeiro!