No passado dia 6 de Fevereiro, terminaram as negociações entre o governo de António Costa e o Consórcio Gateway, que detinha até ao momento 61% do capital da TAP.
Segundo o Memorando assinado entre ambas as partes o Estado pagará 1,9 milhões de euros para ficar com 50% do capital da TAP (em vez dos atuais 34%). Aos trabalhadores caberá entre 0 e 5%. O consórcio Atlantic Gateway ficará com 45% (em vez dos actuais 61%), acrescidos do que restar da oferta aos trabalhadores que não for por estes adquirida.
Até dia 30 de Abril, proceder-se-á à reestruturação financeira da TAP, renegociação dos empréstimos e respetivos juros, bem como às autorizações das autoridades reguladoras.
Está ainda prevista a venda de ações a terceiros e/ou a dispersão em bolsa do capital social da TAP, não podendo o estado português deter mais de 50%, nem perder a sua posição de accionista maioritário.
Não há reversão da privatização
António Costa tinha-se comprometido a reverter a privatização da TAP, garantindo 51% da presença do Estado na companhia aérea. O PCP e o BE, que apoiam o seu governo, sempre foram contra a privatização da TAP. No entanto, não há qualquer reversão da privatização, mas apenas um reforço accionista do Estado na mesma.
Mas é apenas a diferença de ser 51% ou 50%? Não. A questão é que a TAP mantém o estatuto de empresa privada que ganhou após a privatização de Passos Coelho. É o facto de estar prevista a dispersão em bolsa, onde a tendência será a longo prazo acontecer como tantas outras antigas empresas públicas, como a PT, EDP, etc. Mas é o próprio conteúdo da privatização seja nos direitos políticos, seja económicos do Estado na TAP.
Um acordo que não garante o controlo público da TAP
Podia-se dizer que mesmo sem ter conseguido a maioria do capital, o Estado tinha recuperado o controlo público da TAP e portanto o comando dos seus destinos. Infelizmente não é assim.
O Conselho de Administração será composto por 12 membros: 6 indicados pelo Estado e 6 pelo Consórcio privado. O presidente do CA será nomeado pelo Estado e terá voto de qualidade. No entanto, o Conselho Executivo, composto por 3 membros, será nomeado pelo consórcio privado. Assim, o Estado fica fora da gestão quotidiana da TAP e, de facto, quem continua a mandar é a Atlantic Gateway.
O peso do Estado serviria, portanto, apenas no que toca ao voto de qualidade na gestão estratégica. Nesse sentido, o plano estratégico contempla a manutenção da sede da TAP em Lisboa, a manutenção da designação da empresa, a existência de um hub no Aeroporto de Lisboa e a manutenção das ligações para a diáspora, África lusófona e Brasil. Os principais aspectos dessa visão estratégica já estavam enunciadas no acordo feito pelo Governo de Passos Coelhos, embora de forma provisória. No entanto, como dissemos na altura, não há maneira de garantir que se cumpram, mesmo com um reforço do Estado no capital accionista, porque a TAP já é uma empresa privada e a partir daqui os seus destinos serão sempre de certa maneira incontroláveis.
Em segundo lugar, o seu voto de qualidade terá sempre de ser avaliado pelo Comité executivo, que se mantém do lado do privado.
Finalmente, e mais importante, o acordo agora assinado é feito sobre a base de “manter o plano de negócios, o plano estratégico e a capitalização já em implementação desde Novembro de 2015.” (Memorando de entendimento entre a República Portuguesa e a Atlantic Gateway Lisboa, 6 de fevereiro de 2016).
Nesse sentido, assegura a concretização do plano de investimentos anunciado pelos acionistas privados. Serão mantidas as decisões de compras de aviões à Azul (de quel Neelmann é detentor) ou a supressão de algumas rotas para o Brasil. O caso recente das rotas do Porto é exemplificativo, quando a nova gestao da TAP já cortou diversas rotas a partir do Porto, que se comprovaram ter 90% de ocupação. A suspensão de rotas não é então uma questão estratégica? Não mexe com os destinos do Aeroporto do Porto e dos trabalhadores que lhes estão associados? Mais uma vez entra o concreto: a definição de rotas é uma responsabilidade do consórcio, que nomeia a comissão executiva. Como referiu Neelmann, a gestão é o mais importante, pois a toma de decisões é o mais importante. E diriamos nós: as várias decisões quotidianas fazem de facto o plano estratégico.
Assim, o Estado reforça o seu capital. Mas o projeto estratégico que fica reforçado é o da Atlantic Gateway, e não o de recuperar a TAP ao serviço do interesse público para o país.
Direitos económicos: prejuízos publicos, lucros privados
A segunda questão fundamental sobre a privatização é que nos direitos económicos, mais uma vez o Estado é claramente prejudicado.
Por um lado, o Estado servirá à Gateway para negociar taxas de juro mais baixas e a extensão dos prazos dos empréstimos para sete anos com todos os bancos. Isto não foi possível anteriormente, porque o consórcio não dava garantias suficientes, apesar de o Estado se ter mantido como garante da dívida junto dos bancos. Agora isso é possível porque em caso de incumprimento ou desequilíbrio financeiro, os bancos têm o direito de obrigar o Estado a recomprar a TAP.
Por outro lado, a distribuição dos direitos económicos pelo Estado (apesar de accionsita maioritário) pode ir apenas até 18,75% e fica dependente de que este faça uma capitalização de 30 milhões de euros. Aqui há desde logo uma enorme distorção entre o peso na empresa e os possíveis ganhos para o estado em termos de lucros. A TAP como maior exportadora nacional, deixa por isso definitivamente de reverter ao serviço do Estado. Além disso, relembremos que apesar de se dizer que a Gateway já injectou pelo menos 180 milhões na TAP, a verdade é que o consórcio o fez recorrendo ao património da própria empresa e não injetando novo dinheiro.
Ainda por esclarecer está o que será o projeto de reestruturação financeira da TAP e os impactos que isso terá nos despedimentos e subcontratação de trabalhadores e serviços, não apenas na TAP mas em todo o Grupo, que incluiu empresas como a Grounforce, Catering POR, entre outras.
Só a reversão total da privatização impede a destruição da TAP e dos interesses públicos
A opção do Governo de Costa não passa de uma manobra de cosmética. Está claro que recuperar os 50% do estado na TAP não reverte a privatização e não garante o interesse público. Tanto no que toca aos direitos políticos, como aos direitos económicos, o acordo agora feito entre governo e Gateway, não constituiu uma reversão sobre a privatização, porque o todo o conteúdo dessa privatização foi mantido. As opções estratégicas da empresa agora dependem apenas de interesses privados. Já os prejuizos e problemas, serão do estado. Nesse sentido, o acordo da TAP faz lembrar uma “Parceria Público Privada”: lucros privados, prejuízos públicos.
Por isso, a destruição da TAP já começou. Só a reversão total da privatização impede a sua destruição e a defesa dos interesses públicos e do país.
No caso TAP, como no do salário mínimo dos 600 euros, ou do novo Orçamento de Estado, demonstra-se que não é possivel governar para todos. É preciso optar pelos trabalhadores, pelos interesses públicos e do povo, contra os grandes interesses privados.
O PCP e BE apesar de terem demonstrado posições críticas frente a esta opção, mantêm o apoio a um governo que não cumpriu com a promessa de reverter a privatização, entre muitas outras. Para serem coerentes com a defesa da TAP como empresa pública, teriam por isso de retirar o apoio a este governo.
Para os trabalhdores da TAP e das empresas cujos postos de trabalho estão direta ou indirectamente a ela estão ligadas é necessário estar cada vez mais alerta. Do novo acordo não vêem bonanças, mas apenas a mesma agonia, já antes anunciada. Os interesses defendidos não são os dos trabalhadores, mas o lucro dos novos donos da TAP. A luta pela reversão da privatização é o único caminho.
Maria Silva