São inéditos os tempos que se vivem na política portuguesa pós 25 de Abril. Confirma-se a tomada de posse do Governo liderado por António Costa com apoio parlamentar do PCP, do PEV e do BE.
Do elenco governativo saltam à vista duas novidades absolutas. Por um lado, a nomeação de Ana Sofia Antunes, portadora de cegueira, para a secretaria de Estado das Pessoas com Deficiência. Por outro, e também pela primeira vez, uma mulher negra ascende ao estatuto de ministra. Trata-se, neste caso, de Francisca Van Dunen, nome há muito ligado ao Ministério Público e que nos últimos tempos foi procuradora distrital de Lisboa. Estas duas nomeações ocorrem alguns dias depois do Parlamento ter aprovado a adopção por casais do mesmo sexo. Todos estes sinais ajudam a construir junto dos trabalhadores em geral e das minorias em particular a imagem de uma maioria e de um governo que elege a discriminação dos portadores de deficiência, os gays, lésbicas, negros e negras, ciganos e ciganas, estrangeiros, como prioridades. Mas será que é assim? Será que será assim?
Medidas de cosmética?
Tomemos como exemplo a situação dos negros e negras residentes em Portugal. A chegada de Francisca Van Dunen ao cargo de ministra da Justiça vem colocar a nu o facto de, em 40 anos de democracia (para não irmos mais longe…) nunca termos tido um governante de outra cor que não fosse a branca. De resto, a agora ministra da Justiça reconheceu, em declarações ao Público datadas de 2012, que prevalece um tabu racial no discurso político dominante. Já sobre a justiça, a magistrada acha que não existem práticas discriminatórias. Uma opinião que causará espanto a muitos daqueles que se recordarmos do desfecho do julgamento que ditou a absolvição do agente que baleou o jovem Kuku à queima-roupa. Já agora, aguardamos expectantes as iniciativas que o poder judicial tomará em relação aos nove agentes da PSP da esquadra de Alfragide envolvido nos disparos e agressões da Cova da Moura em Fevereiro deste ano.
O caso de Francisca Van Dunen é uma ensurdecedora excepção perante a enorme invisibilidade a que estão sujeitos os negros e negras que residem em Portugal. Afinal de contas, por que razão não vemos mais negros no parlamento, nos executivos camarários, nos conselhos de administração das grandes empresas. Por que razão estão reservados aos negros os trabalhos mais precários e mal pagos? Da mesma forma poderíamos perguntar por que motivo Carlos Miguel, presidente da Câmara de Torres Vedras, é o único político de etnia cigana eleito para um órgão executivo. Faltam estudos que se debrucem de uma forma séria sobre a realidade dos estrangeiros e descendentes de estrangeiros ou, dito de uma forma mais lata, sobre a realidade daqueles que têm uma cor de pele e costumes diferentes da cor dominante. Falta, sobretudo, vontade política para encarar, de um ponto de vista estatístico, as questões de pele, para que se saiba, com todo o rigor, como vivem os negros e negras na sociedade portuguesa.
Registe-se a nomeação de uma mulher negra para o novo Governo PS onde, por sinal, dos 17 ministros apenas quatro são mulheres. Porém, tal nomeação não nos pode fazer esquecer que há um caminho longo a percorrer para que os africanos e descendentes de africanos possam aspirar à igualdade de direitos e a uma melhoria efectiva das suas condições de vida. É urgente reconhecer o direito à habitação e parar as demolições como as que têm ocorrido na Amadora. É necessário facilitar a atribuição de autorizações de residência e reconhecer a nacionalidade portuguesa a todos os nascidos em Portugal, independentemente do país de origem dos pais. O Estado deve punir exemplarmente os autores de actos de violência policial. Sem estas medidas, a nomeação de uma ministra negra não passará de uma medida cosmética.
José Pereira