António Costa

O PS vai fazer um governo de esquerda?

As eleições do passado dia 4 de Outubro correram mal para o regime.

Os mais de setecentos mil votos perdidos pela direita não foram canalizados para o PS, criando uma maioria parlamentar de alternância como seria de esperar numa situação política normal. O PS apenas captou uma pequena parte desses votos, tendo os restantes reforçado a esquerda (sobretudo o BE) ou a abstenção.

Encontramo-nos assim perante uma situação inaudita em Portugal: pela primeira vez está colocada a possibilidade de formação de um governo com o PS e as forças à sua esquerda. Esta possibilidade não é o resultado de uma mera aritmética parlamentar. Ela coloca-se porque o PS (assim como o BE e o PCP) sabe que após quatro anos de ferozes ataques ao trabalho, às condições de vida e ao estado social, o povo está exausto e exige uma resposta à altura. António Costa tem bem presente o que aconteceu ao PASOK (o partido irmão do PS na Grécia) e sabe que aliar-se acriticamente com a direita pode, a prazo, esvaziar o PS. Além disso, um eventual governo do PS/BE/PC apoiar-se-ia em mais de 50% dos votos e teria um forte apoio popular.

Um tal governo poderia assumir diferentes formas, desde o PS a governar sozinho com um acordo parlamentar com BE e PCP até à participação directa no governo de um ou ambos os partidos à esquerda do PS. Mas, independentemente da forma que assume, preocupa-nos acima de tudo o conteúdo programático desse governo. E neste ponto achamos que não há motivos para optimismo. O PS é um partido profundamente comprometido com as políticas de austeridade, com o euro, o Tratado Orçamental e a necessidade de “reformar” o estado social (durante a campanha António Costa tentou mostrar, com a proposta de descida da TSU, ser tão capaz de destruir a Segurança Social como Coelho e Portas). É certo que um governo destes partidos representaria de alguma forma vermo-nos livres de imediato de um governo da direita (PSD/CDS) de má memória. Mas um governo liderado pelo PS, seja com que apoios for, muito dificilmente irá opor-se ao roubo de que a classe trabalhadora foi alvo nos últimos anos por via do desemprego, dos cortes salariais e do pagamento dos juros da dívida pública. O PS (até porque as instituições europeias não lho permitirão) jamais reverterá a gigantesca transferência de rendimentos do trabalho para o capital que se verificou nos últimos quatro anos. E o PS não quer romper com as instituições europeias nem com o euro.

Este governo será na melhor das hipóteses um governo de austeridade suave mas austeridade violenta para quem já tem baixos salários e parcas pensões ou teve que emigrar. Soluções destas já foram tentadas anteriormente e nunca com bons resultados para a esquerda. Em 2006, o Partido da Refundação Comunista (Itália) para entrar num governo com o centro-esquerda, afastou-se de tal modo do seu programa que perdeu todos os seus deputados nas eleições seguintes. Recentemente o SYRIZA mostrou-nos como as ambiguidades políticas e o pragmatismo governativo transformam rapidamente um partido que era visto na Grécia como anti-austeridade a transformar-se no executor do mais agressivo plano de austeridade até agora imposto a qualquer país da UE. Podemos também dar como certo que o próximo governo, seja qual for a sua composição (e considerando a possibilidade bem real de ser um governo da direita apoiado pelo PS), será um governo instável e que dificilmente cumprirá a legislatura.

Por estas razões, o processo em curso coloca indubitavelmente em questão o facto de o BE e o PCP, que agora encontram tantos pontos de convergência com o PS, nunca os terem conseguido encontrar entre si para apresentar uma candidatura conjunta às eleições. Não teria uma tal candidatura influenciado de forma mais decisiva a discussão das alternativas à austeridade? Não teria uma tal candidatura criado uma relação de forças mais favorável para a esquerda? Não teria uma tal candidatura enfraquecido mais o PS (e a própria PàF), enfraquecendo assim a capacidade negocial do polo austeritário? Cremos que a resposta é um evidente SIM a todas estas questões, e que é por esta via, a unidade de BE, PCP com as outras forças da esquerda, que se poderá criar um polo verdadeiramente alternativo na política nacional e que possa pôr fim às políticas de austeridade.

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