Em Portugal, apesar do período eleitoral, o tema transformou-se em ansiedade e preocupação para milhares de trabalhadores.
Principalmente os da maior fábrica do país, a Autoeuropa. A fábrica é um gigante na indústria portuguesa, representa 1% do PIB e cerca de 4% das suas exportações. Tendo-se tornado no segundo maior exportador e no terceiro maior importador no país. Um desastre da Volkswagen com impactos na fábrica de Palmela teria um efeito desastroso na economia portuguesa.
Foi essa a razão que levou o Ministro da Economia, Pires de Lima, a fazer de porta-voz de Merkel e do grupo alemão para transmitir calma ao país e dizer que a Autoeuropa não tinha produzido carros com o software fraudulento, o que já se comprovou que é falso.
Na Autoeuropa a crise chega num momento em que, depois do anúncio de um investimento de 677 milhões de euros e de um novo modelo para a fábrica, as perspectivas de futuro para os trabalhadores eram mais risonhas. A esperança dá agora lugar à incerteza.
Da parte da empresa sabemos que este clima interessa para impor o medo dentro das fábricas e atenuar hipotéticos processos reivindicativos. Sabemos portanto que da parte da administração este clima vai manter-se. De acordo com o actual CEO do grupo, Matthias Müller, o grupo vai rever todo o plano de investimentos e cortar os que não forem prioritários e avisa ainda que “isto [este processo de revisão dos planos] não será indolor”.
Qual está a ser a resposta das organizações dos trabalhadores?
Perante estas ameaças as organizações dos trabalhadores não têm estado à altura. Da parte do Comité de Trabalhadores Mundial, parte da gestão do grupo, não se poderia esperar melhor. Até à data, este organismo apenas divulgou um comunicado assinado pelo seu presidente, Bernd Osterloh, em que é pedido aos trabalhadores apoio para se unirem à administração no sentido de dar uma imagem aos “mercados financeiros e aos accionistas” de “força e estabilidade”. Repetindo, nada melhor seria de esperar de alguém que ganha salário de chefe de área e que se comporta mais como administrador que como representante dos interesses dos trabalhadores.
Contudo, da parte da Comissão de Trabalhadores da fábrica portuguesa, coordenada pelo ex-deputado do Bloco de Esquerda, António Chora, e da parte do SITE Sul, sindicato que detém maior representatividade na fábrica e é dirigido por elementos ligados ao PCP, a resposta deve ser dada. Mas, até ao momento António Chora não fez mais que divulgar o comunicado de Osterloh sem qualquer crítica e reproduzir a versão da administração do grupo nos meios de comunicação social. Pelo sindicato, muitas vezes crítico da Comissão de Trabalhadores, ainda não se ouviu nenhuma resposta.
No momento, atravessamos o período de negociação do acordo de empresa, é por isso ainda mais necessário que os representantes dos trabalhadores contrariem o clima da chantagem e do medo. Até ao momento, ainda só sabemos que a empresa propôs um pífio aumento salarial de 0,5%, o que deve ser entendido como um tremendo desrespeito, tendo em conta os resultados da fábrica do último ano, com um aumento do volume de negócios de 11%.
Nenhum trabalhador pode pagar pela fraude
Como referimos acima a administração já veio comunicar que o futuro do grupo não será indolor, contudo o aviso da empresa dirige-se aos trabalhadores. Para o ex-CEO Martin Winterkorn, envolvido neste escândalo pelo menos como responsável por todo o grupo, depois de se ter tornado no executivo mais bem pago da Alemanha com um salário anual de 1,6 milhões de euros (que com bónus e prémios chegou a 16 milhões no último ano), vai agora receber uma pensão de 28 milhões pela saída do seu cargo. Já para os trabalhadores a exigência é de estabilidade e união perante um futuro de incerteza, que ameaça não ser “indolor”.
Neste contexto, tem de se exigir à empresa que nenhum trabalhador será prejudicado pelas irresponsabilidades da administração. Os trabalhadores não têm que entrar na discussão de partilha de responsabilidades existente no grupo. Seja da responsabilidade de alguns engenheiros, da administração, ou fruto de guerras familiares entre os Piëch e os Porsche, de uma coisa estamos certos: todos os dias da semana e muitas vezes aos fins-de-semana também, os trabalhadores dedicam 8h da sua vida a uma empresa que lhes retribui muito menos do que aquilo que eles lhe garantem de lucro, por isso não devem 1 cêntimo a ninguém e nenhum cêntimo lhes pode ser roubado, muito menos devido a uma fraude que em nada os envolve.
Nestas negociações do novo acordo, além de um aumento digno, a empresa tem de garantir que:
1. Não vai despedir nenhum trabalhador;
2. Todos os contratos a termo vão continuar a ser renovados, uma vez que na prática são postos de trabalho permanentes e não temporários; nesse sentido tem de haver um novo objectivo de efectivação de contratados;
3. Haverá um acordo por escrito quanto à quantidade de novos postos de trabalho a criar pela nova linha, que inclua os 300 trabalhadores que foram jogados no desemprego com o fim do EOS;
4. Não fará nenhuma alteração na tabela salarial e no prémio anual;
5. Vai manter os investimentos na fábrica de Palmela.
Arnaldo Cruz