Resultados Legislativas 2015

Pensar as eleições e preparar o contra-ataque da esquerda

As eleições de dia 4 de Outubro merecem uma profunda reflexão da parte dos trabalhadores e dos revolucionários.

Faz falta um balanço não apenas das eleições mas de um ciclo de 4 anos de troika, austeridade e lutas cujo resultado se expressou em parte nas urnas no passado Domingo.

  1. O governo perde muitos votos mas é um vencedor. A coligação de direita, a PaF, perdeu quase 730 mil votos, mas o facto de ter conseguido manter-se no governo é uma vitória, sobretudo depois das lutas massivas que marcaram o início do mandato de Passos e Portas, em 2011, 2012 e 2013, das demissões e escândalos de Relvas, Gaspar, Macedo, da crise “irrevogável” de Portas, da Tecnoforma etc. E sobretudo depois de terem imposto um verdadeiro retrocesso aos trabalhadores e pensionistas e ao país, que hoje é mais pobre, dependente e mais frágil perante novas crises económicas.

  2. O PS é o grande derrotado. O PS segue, ao seu ritmo, a crise dos partidos “socialistas” na Europa. O PS hoje não é a primeira opção de nenhuma classe em Portugal: nem dos trabalhadores, nem das classes médias, nem dos capitalistas, banqueiros e patrões. Já todos estes sectores perceberam que o PS é uma cópia da direita, coisa que Costa nem tentou disfarçar, e entre a cópia e o original, preferem o original. Costa não se demite e fica à espera do fim deste governo para o poder substituir, é o cúmulo do oportunismo de quem criticou a vitória do anterior líder nas eleições europeias. O LIVRE/Tempo de Avançar, por se colar a este peso morto, afundou também, provando que o rumo da convergência à esquerda não passa pelo PS;

  3. Os grandes vencedores da noite são os dois partidos da esquerda parlamentar, em particular o BE. Juntos tiveram quase 20%. O BE, em particular, duplicou a votação e voltou a ultrapassar o PCP, que mantém a votação, é o sinal dos ventos de mudança que correm a Europa, para além de uma boa performance mediática das suas novas caras. Ambos fizeram uma boa campanha no sentido eleitoral, ou seja, de ganhar votos. Não foi uma campanha tão boa ao nível programático pois continuam incapazes de dizer claramente ao país que não há qualquer solução para a austeridade dentro do euro, que não conseguem explicar como impor uma renegociação da dívida, nem conseguem fazer um balanço claro do falhanço do governo grego. Claro que a estratégia de não extremar posições quanto a temas sensíveis como o euro renderam votos. Porém, a ambiguidade rende votos a curto prazo mas também tragédias a médio prazo, como demonstra a experiência grega. Por fim comprovou-se de novo que a divisão à esquerda, sobretudo entre BE e PCP é trágica. Estes dois partidos coligados teriam arrastado parte do eleitorado do PS e gerado uma vaga de fundo que poderia disputar o governo. Mesmo que não ganhassem, a direita ficaria no governo ainda mais a prazo e, num segundo assalto, a BE e PCP poderiam vencer.

  4. Não se deu nenhum fenómeno assinalável no campo dos novos partidos, a não ser a eleição de um deputado do PAN, o que expressa por um lado a procura de alternativas fora do arco da esquerda parlamentar, uma justa preocupação da sociedade com as questões ecológicas e os direitos dos animais, mas também uma confusão ideológica profunda, que o próprio PAN reflecte. Ao não ter qualquer agenda para derrotar os partidos do centrão, a austeridade e o euro, a própria agenda ecológica ficará comprometida, porque os maiores inimigos da natureza é o capitalismo e ser verdadeiramente ecologista implica ter uma estratégia contra este sistema.

  5. O MAS concorreu junto com o PTP e do grupo da Joana Amaral Dias e Nuno Ramos de Almeida na coligação AGIR PTP-MAS. Um balanço mais profundo deste processo exige melhor reflexão, porém podemos dizer desde já que a campanha teve alguns pontos positivos, como ensaiar agregar forças com uma agenda anti-austeridade e anti-corrupção, que timidamente pela voz da cabeça de lista e abertamente pela voz do MAS questionou o euro, além de trazer à campanha temas bastante ausentes como a denúncia da corrupção como um mal sistémico ou a solidariedade com os refugiados. Em torno desta campanha juntaram-se alguns sindicalistas e activistas por causas como o direito à habitação, que devem pensar agora novos passos a dar em comum. Posto isto, o resultado eleitoral é obviamente reduzido, embora não envergonhe ninguém: o LIVRE, com uma campanha dez vezes mais cara e maior atenção mediática, teve uma votação semelhante, tal como o MPT. Todos eles resultados semelhantes aos que tiveram as forças que fundaram o BE – UDP, PSR e PXXI – antes de se juntarem.

  6. Ainda assim, a reduzida votação da coligação AGIR deve-se a três factores: primeiro a polarização contra a austeridade deu-se através dos partidos representados no parlamento; segundo, para que isso assim acontecesse, houve uma política consciente dos média de dar uma visibilidade desproporcionalmente maior aos partidos parlamentares, dando, pela primeira vez, o mesmo peso a BE e PCP que à direita e ao PS. Por fim, a própria coligação AGIR não conseguiu, por falta de tempo mas também devido a diferenças entre os seus componentes, ter uma grau de coesão que permitisse uma campanha qualitativamente superior, seja no plano das actividades de campanha, seja em ter um perfil político diferenciador. A atitude da cabeça-de-lista, Joana Amaral Dias, ao posar nua em várias revistas durante a pré-campanha, atitude da qual o MAS logo se demarcou é apenas um exemplo. Não acreditamos que isto tenha influenciado muito a votação, mas demonstra uma visão muito semelhante à da esquerda tradicional, para quem “vale tudo” para ganhar visibilidade e que, neste caso, não combate e até fortalece a visão machista da mulher como objecto sexual. Porém a verdade é que, tendo havido, uma polarização à esquerda em torno de PCP e BE, a coligação AGIR PTP-MAS não conseguiu furar o cerco e ser uma componente, ainda que minoritária nessa polarização.

  7. Estas eleições são o resultado de um país diferente, em que a franja jovem mais dinâmica e revoltada emigrou, em que a classe trabalhadora está mais à defensiva, em que o projecto de transformação de Portugal numa colónia financeira da Alemanha e seus aliados avançou muito. E em que na ausência de um projecto alternativo coerente, a direita, desgastada, odiada por muitos, mas coerente e resiliente, apoiada num ano de uma situação económica artificial empolada pelos empréstimos do BCE, vingou. Este país diferente, mais pobre e precário, é que é verdadeira vitória da direita, os resultados eleitorais só são a expressão desse facto. Na verdade foi uma votação que fez lembrar o cenário eleitoral grego, embora em Portugal menos radicalizado, também porque em Portugal não houve o grau de destruição e de resistência que houve neste país. Tal como na Grécia, deu-se uma polarização entre a direita tradicional e a esquerda anti-austeridade. O Syriza português não é o BE, mas seria uma coligação deste partido com o PCP. Na sua ausência ganha a direita e a queda do PS é menor.

  8. A vitória do governo e a pretensa estabilidade em que se apoia tem pés-de-barro. Além disso o regime sai mais enfraquecido de conjunto, não só pela minoria em que a direita está no parlamento como pelo enfraquecimento do seu outro pilar político, o PS. Os ritmos a que pode surgir o contra-ataque dos trabalhadores e da esquerda são difíceis de prever, há muitas feridas para sarar. Porém as possibilidades estão colocadas e a maior responsabilidade é, necessariamente, para quem saiu reforçado à esquerda, PCP e BE, que, caso não se orientem para um combate sem tréguas à austeridade nas ruas, tornam-se apenas uma válvula de escape eleitoral à esquerda.

  9. É momento para reflectir e passar à acção à esquerda. Há três aspectos que serão essenciais nessa reflexão. O primeiro é uma estratégia de convergência à esquerda, nas ruas e na proposta política, para encurtar a vida a este governo e o substituir por um “governo de esquerda”, dos trabalhadores e do povo. PCP e BE têm responsabilidades na matéria, mas está provado que se o activismo da base destes partidos não criar uma vaga de fundo nesse sentido, as direcções nunca se entenderão pois não querem ser testadas no poder. O segundo é o aspecto programático: faz falta uma reflexão à esquerda que possa construir um programa para explicar a milhões de trabalhadores que não há saída para a austeridade dentro do euro, que é possível uma união dos povos da Europa, mas que não será através da UE, que não há renegociação da dívida sem a suspensão do seu pagamento ou que o controlo público da banca só é possível através da sua nacionalização. Por fim, é necessário mudar a resistência social e sindical, principalmente esta última. Foi a divisão das lutas, a falta de democracia nas greves ou episódios como o dia em que a CGTP teve medo de atravessar a ponte 25 de Abril ou os seus sindicatos na TAP aceitaram uma requisição civil ilegal, que permitiram o avanço das privatizações e o reforço da direita. Um pólo sindical alternativo é também necessário, baseado na combatividade, democracia e unidade das lutas dos trabalhadores. O MAS continuará a ser a força combativa à esquerda apostada nestes projectos. A luta segue dentro de momentos.

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