João Semedo, ex-coordenador do Bloco de Esquerda deu recentemente uma entrevista ao Jornal i. O dirigente bloquista teve de se afastar do parlamento por motivos de saúde e nisso estamos totalmente solidários com ele.
Porém há outros temas, essenciais à esquerda, sobre os quais queremos debater. Três temas, ligados entre eles, afastam o MAS das posições expressas por Semedo ao Jornal i: o balanço do governo Syriza, a política face ao euro e as alianças à esquerda.
Que balanço fazer do governo Syriza?
Semedo diz que o Syriza não capitulou, que no fundo, é um processo em aberto. “Vamos ver quais os contornos finais do resgate em discussão e até se vai haver acordo”. A notícia mais recente sobre o Governo grego dá conta de que vendeu 14 aeroportos a um consórcio alemão. Continuou também a privatização do Porto do Pireu. Na verdade as medidas que o Syriza assinou e está a aplicar, são o mais duro plano de austeridade que a Europa viu desde o início da crise. Mais grave, o Syriza aplica a austeridade sobre o povo que mais lutou contra a austeridade, seja com as 35 greve gerais que os trabalhadores daquele país fizeram contra a austeridade, seja com o duplo voto dos gregos contra a austeridade, primeiro quando elegeram o Syriza, depois quando no referendo votaram OXI ao acordo de austeridade que Merkel propunha. Dias depois, Tsipras assinou um plano de austeridade bem mais duro do que o que os gregos tinham rejeitado. Se isso não é capitular, o que é? Claro que Semedo nem fala no grande acontecimento que foi o referendo grego, pois teria de admitir que este foi traído pelo partido irmão do Bloco, o Syriza. E mais claro é que Semedo nem fala das notícias mais animadoras que nos chegam da Grécia: de que dirigentes da ala esquerda e dos movimentos contra a austeridade querem construir uma frente ampla contra o memorando assinado pelo Syriza e pela UE, uma frente que une a ala esquerda do Syriza, a esquerda anticapitalista grega e que se pode aliar ao próprio Partido Comunista Grego. Pode ser que seja aí que esteja a esperança, para que o governo Syriza não seja o fim da esquerda grega. Era aí que o BE devia apostar, mas ao ser incapaz de ser crítico ao Syriza, arrisca-se a afundar-se com ele.
O Bloco e o Euro
João Semedo diz que a posição do Bloco é bastante clara: “Se os credores recusarem (a renegociação da dívida), um governo responsável tem de preparar o país para uma alternativa fora do euro”. Mas não se percebeu ainda que os credores nunca aceitarão nenhuma renegociação que, ainda que parcialmente, beneficie os povos e aceite a sua soberania, não tem lugar na UE e no euro? Semedo diz que aprendeu com o processo grego que “Na zona euro, qualquer alternativa à austeridade é “fulminada””. Mas daí não retira as devidas conclusões: o euro é a moeda da austeridade, é o marco alemão renomeado e imposto à Europa, dentro do euro só há austeridade e submissão! Sem suspender o pagamento da dívida e sair do euro não há renegociação soberana da dívida, nem na Grécia nem em Portugal. Sabemos que este não é um tema fácil e não atrai, hoje por hoje, muitos votos. Por isso Bloco e PCP são ambíguos nesse tema. Mas sem claridade política, preparam grandes derrotas futuras, como o demonstra, mais uma vez, a experiência grega.
Que alianças são credíveis?
Um debate tão ou mais importante que o do Euro este é o das alianças à esquerda. O ex-coordenador do BE diz que as alianças e novos partidos que surgiram à esquerda têm um “problema de credibilidade”. E remata:“Alguém imaginaria ser possível reunir no mesmo barco o Gil Garcia, a Joana Amaral Dias e o José Manuel Coelho?”. Esquece-se de dizer que quando era deputado do Bloco, Joana Amaral Dias nunca foi acusada de ser pouco credível, tão pouco Gil Garcia, que foi fundador do BE, ao contrário de Semedo. Ou havia que relembrar que nas últimas autárquicas na Madeira o BE foi coligado com o PTP e José Manuel Coelho. Mas a posição de Semedo sobre as outras forças de esquerda nada fica a dever à arrogância estalinista do PCP, face ao próprio BE, para começar. Mas mais grave: se estas alianças não são credíveis, quais são? É que João Semedo critica, correctamente, o LIVRE por se aliar ao PS. Mas não diz que todas as alianças que o Bloco de Esquerda fez até hoje foram… com o PS! O BE aliou-se com António Costa na Câmara de Lisboa em 2006, em pleno Governo PS tal como esteve ao lado de José Sócrates a apoiar a Manuel Alegre nas eleições presidenciais de 2011. Mas não são só ecos do passado: nas últimas autárquicas, como referimos acima, na Madeira o BE apoiou a coligação Mudança, promovida pelo PS. Ou nas próximas presidenciais, sabemos que o BE pondera apoiar Sampaio da Nóvoa, que pode vir a ser o candidato de António Costa, com o apoio “oficial” do PS. Claro que o BE pode não fazê-lo, devido ao cepticismo de parte dos seus dirigentes, como Semedo demonstra, ou pelas reviravoltas do próprio PS. Mas fica patente que a direcção do BE continua a colocar as alianças com o PS e os seus aliados, como hipóteses políticas sérias e não como aquilo que são: um retrocesso da esquerda e um suicídio político.
O mais grave é que, como fica patente pela entrevista de Semedo, o BE não tem outra política de alianças que não seja atacar todas as novas forças que irrompem na cena política, ao mesmo tempo que continua a namoriscar alianças com o PS. O BE não aprendeu nada com o factor mais positivo –talvez o único –da eleição do governo Syriza: de que uma aliança à esquerda apoiada nas mobilizações populares pode almejar derrotar o centro político que tem governado a Europa, se tiver uma estratégia para isso. Mas o BE não tem, o BE parece ter apenas uma estratégia para manter um grupo parlamentar e sobreviver. Caso assim não fosse, podia tomar a iniciativa de procurar uma frente de esquerda, social e política, não só para as eleições, mas principalmente para a mobilização popular contra a austeridade. Mas em política não existem vazios, o que o BE recusa, outros farão. É por isso que nasce a coligação AGIR, com o MAS, o PTP ou personalidades como Joana Amaral Dias. É uma aliança credível porque tenta fazer aquilo de que o BE não faz: juntar forças para derrotar a direita e o PS. O MAS quer alargar esta frente, após a eleições, para não estarmos reféns de mais um governo de austeridade. É esse o repto que fazemos a Semedo e ao Bloco e ao resto da esquerda. Unidos podemos vencer!
Manuel Afonso
Dirigente do MAS e candidato às próximas eleições pela Coligação AGIR