Manif 15 Setembro

A “esquerda” representa os “de baixo”?

Em termos políticos, a oposição “esquerda – direita” representa um esquema geral de enquadramento das várias ideologias e partidos políticos.

A oposição “esquerda – direita” tem a sua origem na Revolução Francesa de 1789 e, formalmente, referia-se à posição que cada uma das representações das classes sociais assumia face ao Presidente, na Assembleia Nacional. À esquerda encontravam-se os burgueses e pequenos comerciantes apoiados pelos camponeses mais pobres e os “sans-culottes” (um largo e heterogéneo sector social composto por artesãos, aprendizes e proletários em geral), todos eles descontentes com a monarquia absolutista e partidários da república. À direita localizava-se o Clero e a Nobreza, que viviam à custa do Estado e dos impostos cobrados sobre as classes mais baixas da sociedade, defensores da realeza e do regime monárquico. Como se pode verificar, é uma oposição geral de termos que teve as suas referências num concreto período histórico e social.

Apesar de uma grande evolução das sociedades e dos regimes políticos, a oposição “esquerda – direita” continua a ser, ainda hoje, aplicada. Pode mesmo dizer-se que existem semelhanças históricas e sociais mas esta é uma fórmula que, pela evolução económica e social face ao séc. XVIII, compreende hoje algumas limitações.

Relativamente à evolução da oposição “esquerda – direita”, a verdade é que se mantêm hoje interesses divergentes entre diferentes classes sociais. No entanto, naquela fórmula inicial, o lugar da burguesia (a “esquerda”) é hoje predominantemente ocupado por pretensos representantes da ampla massa trabalhadora, que sobrevive do seu salário. Já o antigo lugar do clero e nobreza (a “direita”) é agora ocupado pela alta finança, grandes e pequenos empresários – a burguesia.

O enquadramento ideológico das várias correntes políticas sofreu também ele uma enorme evolução, ao ponto de determinadas terminologias representarem hoje exactamente o seu oposto. Exemplo disso é a “social-democracia”, enquanto termo, que, na segunda metade do séc. XIX, surgiu como a representação revolucionária das classes trabalhadoras para alcançar uma sociedade socialista e, hoje, representa exactamente o seu contrário – o interesse de grandes empresários e banqueiros. Veja-se os partidos apelidados de “social-democratas” pela Europa fora, assim como o PSD em Portugal. Terminologias ideológicas antes encaixadas na “esquerda”, localizam-se hoje à “direita”.

Lenine, vendo essa alteração a acontecer na realidade e como forma de não confundir as diferentes perspectivas, sugeriu a alteração do nome do seu próprio partido de Partido Operário Social-Democrata Russo para Partido Comunista.

Quanto às limitações da oposição “esquerda – direita”, como é possível que os partidos apelidados de “socialistas” ou “trabalhistas”, por toda a Europa, sejam frequentemente localizados à “esquerda” daquela fórmula? Partidos esses que defendem e protegem tão afincadamente os interesses dos grandes banqueiros e empresários. Veja-se, aqui em Portugal, a relação existente entre a cúpula do PS e o Grupo Espírito Santo. Isto é, no mínimo, confuso. Quantos dos comuns trabalhadores não conseguem enquadrar os seus interesses nem à “esquerda” nem à “direita” devido a esta definição confusa? Quão frequente não é a resposta “não sou de esquerda nem de direita” à pergunta sobre o enquadramento político de cada um?

Sendo uma oposição com uma base tão pouco científica, tão desligada da realidade material, tornou-se uma amálgama subjectiva, manobrável por cada um, a seu belo prazer.

Como já referido, em Portugal, o PS será o exemplo mais acabado desta subjectividade: faz questão de se localizar à “esquerda”, quando os interesses que defende (de banqueiros e empresários) e os programas políticos que aplica são claramente semelhantes aos da “direita” – PSD/CDS-PP. Desta forma, a oposição “esquerda – direita” parece ter perdido precisamente o seu sentido de oposição, de alternativa. Daí a conclusão, muitas vezes ouvida: “esquerda e direita é tudo igual!”

Para além disso, é uma oposição cada vez mais relegada à esfera superestrutural, dos partidos políticos e ideologias, deixando de ter, mais uma vez, “pés na terra”. Por outras palavras, os interesses contrários entre as diferentes classes sociais parecem ter ficado diluídos naquela expressão, sendo predominantemente associada à luta interpartidária.

Hoje é talvez, ainda que inconscientemente, um conceito mais associado à institucionalização capitalista de todos os partidos e ideologias com representação parlamentar, em que as pessoas não identificam imediatamente, em nenhum dos lados, uma posição verdadeiramente alternativa.

Deste ponto de vista, qual é o princípio que nos leva a adoptar a oposição “esquerda – direita” em detrimento de “os de baixo contra os de cima”, ou os “99% contra os 1%”? Nenhum. Como já se viu, são apenas generalizações terminológicas e quanto melhor estas generalizações se adequarem à compreensão geral das pessoas, quanto mais “pé tiverem na terra”, tanto melhor estas saberão identificar ao que se opõem. Se colocarmos esta discussão no plano científico, materialista, o MAS procura defender os interesses da classe trabalhadora, dos explorados, não-proprietários, que sobrevivem do seu salário, por oposição aos interesses da classe que se aproveita daquela força de trabalho em benefício próprio, que é possuidora do capital – a burguesia.

As generalizações terminológicas existem, são amplamente usadas ao longo da história, sofrem as suas evoluções e respectivas mutações. Carecendo, muitas vezes, de cientificidade e precisando nós de as utilizar, por servirem de referência a determinados sectores sociais, utilizemos aquelas que melhor são compreendidas pela generalidade das pessoas e que melhor servem a defesa dos interesses das amplas massas trabalhadoras.

Se somos questionados sobre a localização política do MAS? Somos “os de baixo” que defendem a responsabilização e prisão de banqueiros e políticos corruptos; somos a “esquerda” que defende o confisco dos bens e fortunas daqueles banqueiros e políticos para o pagamento de uma dívida que não nos diz respeito; somos os “99%” pelo fim da austeridade, que defende o investimento na nossa economia, nos serviços públicos, nas empresas estratégicas públicas e na soberania política e económica do país.

Somos um dos partidos políticos que confluiu na coligação AG!R, que quer romper com a governação de 40 anos do centrão (PS/PSD/CDS-PP) e que procura formar uma alternativa a todos os partidos tradicionais do parlamento.

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