Resolução do Comité Estatal de Corriente Roja, partido irmão do MAS no estado espanhol, sobre as eleições autonómas e municipais em Espanha do passado dia 24 de maio de 2015.
1.- A imagem e a expressão de Rita Barberà [figura a la Alberto João Jardim do PP de Valencia]: “Qué hostia, qué hostia” enquanto se abraçava ao vice-presidente do Partido Popular (PP) em Valência, Serafín Castellano, resumem melhor que mil palavras o balanço do resultado eleitoral. A posterior detenção de Serafin Castellano por presumível corrupção deixa Rajoy cada vez mais cercado.
O PP sofreu uma derrota estrondosa, perdendo 2,5 milhões de votos e o governo de praticamente todas as Comunidades Autónomas e das principais cidades do Estado. O veredicto das urnas reiterou o das ruas: Vão-se embora!
2.- O PSOE (Partido Socialista Obrero Español) sofreu um novo retorcesso, perdendo mais de 700.000 votos e otendo o pior resultado autárquico desde 1979. Apenas o tombo do PP maquilhou parcialmente este novo golpe ao PSOE.
Assim, mesmo um grande partido burguês, CiU (Convergencia i Unió da Catalunha, que actualmente governa a região), o partido de Artur Mas, perdeu 110.000 votos e mais de 500 freguesias. E o que é mais relevante, transformou-se numa força marginal na área metropolitana de Barcelona e está a um passo de ser corrido da câmara da capital Catalã.
3.- As eleições reflectem, por tanto, o aprofundamente da crise dos partidos da burguesia. Essa crise agrava a crise do regime, dando lugar a um cenário onde o governo Rajoy fica ferido de morte e o PP afunda-se na maior crise da sua existência. Nesse marco situam-se a difícil governabilidade de câmaras e regiões autónomas, e a extrema debilidade com que iniciaram funções os governos chamados a aplicar as receitas da Troika.
O aparecimento do Ciudadanos, o seu importante crescimento eleitoral e o seu fulgurante desenvolvimeno, passando do cenário Catalão ao estatal, mostram o esforço da grande burguesia de construir uma opção para substituir o PP. Mesmo que os votos obtidos não tenham estado à altura das expectativas criadas.
4.- Os grandes vencedores foram em primeiro lugar, as candidaturas de unidade popular. Manuela Carmena e Ada Colau estão a um passo de ser presidentes de Madrid e Barcelona. Noutras capitais como Zaragoza, A Coruña, Santiago de Compostela ou Cádiz encontramos um cenário similar.
Outro vencedor eleitoral foi a esquerda independentista catalã que capitalizou uma boa boa parte do voto contra o PSC (Partido Socialista Catalão, partido regional do PSOE) e contra a CiU. A ERC (Esquerda Republicana Catalã) duplicou os votos; e a CUP (Candidaturas de Unidad Popular, independentistas) triplicou, quadruplicando o número de freguesias e entrando em força na área metropolitana e na câmara de Barcelona.
Obtiveram também importantes resultados os nacionalistas de esquerda valencianos da Compromís. Na maioria das Regiões Autónomas foi o Podemos quem capitalizou o voto.
Com as suas particularidades e diferenças segundo os sítios, o resultados eleitoral reflecte a viragem à esquerda de grandes sectores das classes médias que se vinha produzindo estes últimos anos. Embora também seja verdade que um importante sector destas deu apoio eleitoral ao remendo burguês que representa Ciudadanos e uma parte manteve, ainda assim, o seu apoio ao PP.
5.- A classe trabalhadora continua a ser, no ponto de vista das classes em jogo, a mais atrasada nesta expressão da luta de classes. No entanto, um sector muito significativo colocou o seu voto nas candidaturas unitárias, o que se expressa tanto nos bons resultados de Barcelona en Comú e Ahora Madrid nos bairros operários, como os votos das candidaturas unitárias noutras cidades ou vilas dos zonas indistriais das grandes cidades. É parte desse mesmo fenómeno o crescimento da ERC e da CUP nas cidades e bairros operários da área metropolitana de Barcelona.
Sectores inteiros da classe operária abandonaram o seu tradicional voto no PSOE ou na IU para prestar apoio às candidaturas de unidade popular e, na Catalunha, um sector à esquerda independentista.
Este comportamento geral tem a sua excepção na Andaluzia onde, comece a dar-se o fenómeno geral descrito, o PSOE manteve uma forte presença e nalgumas cidades de jornaleros recuperou terreno.
6.- As novas câmaras e regiões são de tão difícil governabilidade que o formação de novos governos exige acordos para tomada de posse entre os partidos que aspiram a formar governo. Esse facto objectivo está a provocar todo o tipo movimentos políticos e declarações de intenções.
Este tema é, sem dúvida, crucial e é aqui que a credibilidade da mudança terá a sua primeira prova de fogo, tanto para as candidaturas de unidade popular nas câmaras como para o Podemos nas regiões.
7.- Quem pretende situar-se à cabeça de todo o tipo de manobras para formar novos governos é o PSOE. A direcção do PSOE, mesmo no dia de reflexão, não poupou comentários contra as candidaturas de unidade popular enquanto se apresentavam como apoiantes da “mudança tranquila” frente à “imobilidade” da direita e ao “caos” das candidaturas unitárias. Após o resultado eleitoral passaram subtilmente a apresentar-se como a “pilotar a mudança”, ser o aglutinador “da esquerda” e formar “governos progressistas”. Sem sequer corar, Pedro Sánchez afirma que “a cidadania virou à esquerda e procura governos progressistas” e que “o PSOE deve liderar essa mudança”.
Vêm, pela enésima vez, com a velha cantiga do bipartidarismo, como têm feito nas três últimas décadas, pretendendo situar a disjuntiva entre PSOE e PP, “entre a esquerda e a direita”, como se o PSOE fosse a esquerda e não a pata social-liberal do regime.
Quem, desde os governos de Felipe González até Zapatero e em numerosos governos regionais e câmaras foram os lacaios da Troika, dos banqueiras e das multinacionais, os promotores das reformas laborais, das privatizações, da corrupção, da reforma da Constituição para pagar a dívida e de um larguíssimo etc… não representam mais que a continuidade, mais do mesmo, aos de sempre.
8.- O PSOE levou, de forma merecida, um duro golpe pelo voto popular. O que não se pode fazer é dar-lhe oxigénio e nova vida. É necessário justamente o contrário: terminar o seu trabalho elitora e deixá-lo sem oxigéno, tirar-nos de cima esse enorme obstáculo.
Hoje o PSOE representa a carta mais decidida da burguesia e da Troika para reconduzir para uma via porta institucional todas as candidaturas que surgiram da ânsia de mudança. O PSOE não pode ser sócio de qualquer mudança nem aliado com quem formar governo. Não há lugar para pactos com ele.
Se escolher entre o PSOE e o PP era e continua a ser escolher “entre a Coca Cola e a Pepsi”, não se pode agora oferecer-lhes o diploma de esquerdistas e progressistas. Os pactos com eles serão a perdição para as candidaturas de unidade popular. A Izquierda Unida pode atestar o alto preço que pagou pelos seus “pactos de esquerdas” que a levaram a sustentar e participar em governos como o andaluz, custando quase a sua própria destruição (perdeu 370.000 votos e ficou de for a de posições centrais como a câmara e a comunidade de Madrid, juntando este ao golpe que sofreu na Andaluzia).
9.- Nas cidades onde as candidaturas de unidade popular têm opção de governar, como são os casos mais conhecidos de Madrid e Barcelona têm que se manter firmes e propôr Manuela Carmena e Ada Colau como presidentes.
Em Madrid, Manuela Carmena precisa do voto das juntas do PSOE para ser elita. Como já se levantaram vozes da própria base do PSOE, há que exigir-lhes o voto em Carmena de forma incondicional porque assim foi a vontade da maioria, em especial nos bairros operários e populares. Não há lugar para pactuar com “troca de cromos” nem outros apoios ao PSOE.
Alguns perguntaram: Mas se não tivermos o apoio do PSOE para a tomada de posse e é votada Aguirre com o apoio do Ciudadanos e a abstensão do PSOE? Na verdade esta é uma hipótese muito longínqua, pois se o PSOE o fizesse estaria a cavar a sua própria cova. Mas, mesmo no pior dos casos, quem tomasse posse iniciaria funções com uma debilidade extrema, com uma sólida oposição dentro da câmara e sem apoios para aguentar a pressão das ruas, à qual apelaríamos. O contrário, guardar o programa para fazer o favor ao PSOE seria uma “victória” pirríquica, o governo ficaria cativo e tornar-se-ia num novo gestor das políticas da Troika, esgotando a confiança política que conseguiu granjear. Chegar à presidencia da câmara a qualquer preço e de qualquer maneira não foi a que se comprometeu Ahora Madrid.
No caso de Barcelona a tomada de posse de Ada Colau exige o voto do PSC, ERC e CUP. Ao PSC exigimos o mesmo que ao PSOE em Madrid: o voto incondicional a Ada Colau. A candidatura da CUP tem, por seu lado, todo o direito a exigir como condição para formar governo um compromisso claro de “Barcelona en Comú” com um processo constituinte unilateral e popular para proclamar a República Catalã.
10.- Nos lugares onde o PSOE conseguiu a primeira maioria relativa, colocar a questão em “se não votamos no PSOE virá o PP”, apoiando-se no justo repúdio ao partido do Governo, é uma fraude para quem nos pediu o voto em nome da mudança para acabar com o bipartidarismo. Porque, no fundo, isso seria algo diferente de trocar PP por PSOE.
Os dirigentes do Podemos, que abstraindo-se das classes sociais, proclamaram que o seu programa não é “nem de esquerda, nem de direita”, não podem agora apelar “à esquerda” para formar ou facilitar governos do PSOE, substituindo um partido burguês por outro. O Podemos e as candidaturas de unidade popular devem manter uma posição inequívoca: O compromiso foi com a gente, com os trabalhadores e o povo. Não foi para garantir a governabilidade e sim a mudança. Não se pode dar o voto ao PSOE, pactuar con a versão de punho e rosa dos partidos da Troika.
Acabar com o bipartidarismo não é um slogan, mas sim um compromisso e uma terfa. A história dos últimos 33 anos demonstrou que nenhum governo, do PP ou do PSOE, nos poupou sofrimento, nem cortes, nem privatizações, nem despejos, nem corrupção, nem saque do país. A opção não é morrer de uma vez ou aos poucos. A nossa opção e o voto de milhões, foram pela vida, não por escolher entre duas formas de morrer.
O exemplo de Castilla la Mancha é talvez um dos mais ilustrativos. Pedro Sánchez ameaça que se o Podemos não lhes dá apoio “serão responsáveis que não governe a esquerda”- Será necessário recordar que o PSOE governou em Castilla La Mancha 29 dos 33 anos existe a região? 29 anos presos nas rédeas de José Bono, um burguês amigo dos constructores e joalheiros, devoto da cúpula da Igreja e do Exército, em cujo governo levou a cabo um dos mais sonhados golpes especulativos, o de Seseña, com Francisco Hernando “o mineiro”, o amigo a quem Bono deu aval no seu esquema. Como também é obra de Bono outro dos ícones da especulação: o aeroporto de Ciudad Real. Bono é mesmo assim, junto a Aznar, um dos porta-estandartes da cruzada anti-catalã. Mudar o PSOE pelo PP não é uma mudança, mas sim a representação do embuste que é o bipartidarismo.
11.- Mas não se pode desmascarar o PSOE simplesmente desqualificando-o. Pelo contrário, é preciso confrontá-lo aos olhos de milhões de trabalhadores que ainda votaram neles, com as necessidades mais elementares e urgentes.
As candidaturas unitárias e do Podemos deveriam dizer àqueles que pedem para votar na investidura do PSOE: As pessoas votaram em nós pela mudança, pelas medidas de emergência social, para acabar com os corruptos, defender os direitos democráticos… Infrigimos uma severa derrota ao PP, mas sabemos que esta não se vai consumar trocando o PP por outro partido da mesma linha, defensor dos mesmos interesses de classe. Vocês querem destruir o PP como for e pedem-nos para apoiarmos a candidatura do PSOE. Respeitamos a opinião ainda que não a compartilhemos, porque a nós votaram-no para a mudança, não para virar o disco e tocar o mesmo. Mas para que você veja que não é questão de palavras nem de manobras políticas e para que tudo fique claro, nós dizemos o seguinte aos candidatos do PSOE, se querem o nosso apoio da candidatura comprometam-se a aplicar o seguinte plano de medidas de emergência social:
- Nem um despejo mais
- Garantia de água, luz e comida para todas as famílias que delas precisem
- Como em Barcelona, subscrever o “compromisso das escadas” assinado com os grevistas da Movistar, para rescindir e não subscrever nenhum outro contracto com a Movistar e qualquer empresa que não respeite os direitos laborais básicos e um salário digno
- Remunicipalizacão dos serviços públicos
- Nem um só corte, nem despedimento dos trabalhadores
- Auditoria da dívida e de todos los contratos assinados com constructoras e empresas
- Denuncia e perseguição aos corruptos
- Nenhum salário de presindentes de câmara ou de junta pode ser superior a 3 salários mínimos
- E na Catalunha, Galiza e País Basco, defesa do direito a decidir sobre as nacionalidades
E para que a autonomia municipal se possa recuperar e governar para os trabalhadores e o povo, compromisso de luta desde as instituições e desde as ruas pela revogação da Lei de Estabilidade Orçamental que ata os pés e as mãos das câmaras. Da mesma forma, pela revogação do artigo 135 da Constituição que nos ata de forma infame à dívida dos banqueiros e especuladores.
Acredita que os presidentes e deputados do PSOE vão aceitar isto? E se não aceitam, qual será a grande diferença entre governar o PP ou o PSOE?
12.- A declaração dos dirigentes do Podemos onde manifestam estarem dispostos a negociar com a direção do PSOE um acordo “com base em condições”, que especificarão em breve, abre um panorama incerto e perigoso, mais ainda quando têm vindo a recuar nos últimos meses o seu programa inicial. Mas não podemos aceitar nenhum acordo que seja um plano de resgate do PSOE e que preserve o regime do bipartidarismo.
As candidaturas de unidade popular devem manter-se firmes em como ninguém, incluindo o Podemos, negoceie em seu nome, nem as use em nenhum momento como moeda de troca para algum pacto abrangente com o PSOE.
13.- Nos diferentes territórios e de acordo com as suas particularidades, a Corriente Roja lançará comunicados públicos com a nossa posição. Com os critérios gerais esboçados na presente resolução actuaremos em todas as candidaturas que integramos e nos debates com os activistas das outras organizações.
* Tradução de Pedro Fortunato a partir da resolução publicada no sítio da CR