Violência e racismo na Cova da Moura

Polícia espanca jovens negros e inventa “pseudo-invasão de esquadra” para justificar tortura.

Os acontecimentos
Na última 5ª feira a polícia fazia mais uma das suas habituais rusgas na Cova da Moura, revistando de modo truculento os seus moradores. Um jovem foi detido porque não correu. Afinal, era portador de deficiência motora e nada tinha feito de errado. Estava tão só a circular no seu bairro.
Mesmo não tendo oferecido resistência ao ser revistado, o jovem foi alvo de chutes e pontapés dos agentes da equipa de intervenção rápida da PSP. Ao testemunhar tamanha covardia, alguns moradores reclamaram e através de telemóveis tentaram filmar a situação. Constrangidos, os polícias impingiram um “perímetro de (in)segurança” e através de bastonadas e balas de borracha agrediram pessoas indefesas na tentativa de dispersá-las. Vários moradores foram parar ao hospital, entre os quais uma mulher, alvejada deliberadamente pelos polícias por ter testemunhado os acontecimentos de sua varanda. Dois deficientes físicos e algumas jovens também foram feridos por balas de borracha. Após o pânico causado por essa intervenção violenta, a PSP deixou o bairro levando consigo um jovem preso.
Ao saber dos acontecimentos, colaboradores da Associação Cultural Moinho da Juventude decidiram ir até à esquadra de Alfragide com o objetivo de dar apoio ao jovem detido e apresentar queixa contra os agentes policiais. Não era a primeira vez que episódios de violência gratuita por parte da polícia ocorriam. Nessas ocasiões, moradores do bairro também foram até a esquadra prestar solidariedade aos detidos e tentar impedir que fossem torturados. No entanto, dessa vez não foi possível explicar o motivo de lá estarem. Mal chegaram à porta da esquadra, cinco jovens foram presos e espancados pela polícia. Um dos jovens, rapper e pesquisador da Universidade de Aveiro, foi alvejado a queima-roupa com balas de borracha na perna. Torturados dentro e fora da esquadra, foram espancados e ameaçados de morte por agentes da PSP – dois jovens perderam um dente –, obrigando a que todos fossem, horas mais tarde, levados ao Hospital Amadora-Sintra para receber assistência médica. Com os rostos inchados, os jovens mal se aguentavam em pé ao chegarem ao hospital. Para justificar o injustificável a polícia inventou a mentira de “invasão da esquadra”, veiculada de modo sensacionalista e irresponsável por vários meios de comunicação.
Quem nos protege da polícia?
Esta não é a primeira vez que a polícia atua de modo truculento e covarde na Cova da Moura. Episódios de violência policial tornaram-se recorrentes neste e noutros bairros pobres dos subúrbios de Lisboa. Maioritariamente negros e/ou pobres, as suas vítimas ilustram o racismo latente do Estado português, com o qual os tribunais são coniventes. O assassinato do Kuku, 14 anos, por um agente da PSP, em janeiro de 2009, é paradigmático da impunidade das atuações violentas e desproporcionais das forças de segurança pública. Embora haja provas de que o tiro foi disparado a 10 centímetros da cabeça de Kuko, o tribunal decidiu absolver o polícia agressor. Casos semelhantes de execução (por parte da polícia) e impunidade (veredito dos tribunais) acumulam-se em Portugal – PTB, Angoi, Corvo, Tony, Teti, Snake –, evidenciando que a Justiça não funciona quando se trata de jovens negros e/ou habitantes de bairros pobres. Apresentados como “bandidos em potencial” por parte significativa dos media e das instituições políticas, é-lhes atribuída uma moralidade duvidosa que os culpabiliza pelos problemas de violência na cidade. Desta forma, são destituídos de legitimidade para mediar reivindicações sociais ou denúncias de violência policial. Essa criminalização da pobreza tem o intuito de afastar os mais vulneráveis de qualquer ação organizada, o que poderia pôr em risco o brutal acúmulo de bens e recursos nas mãos da burguesia dominante.
Por outro lado, o racismo é o culminar de uma opressão que serve para melhor explorar e dividir os trabalhadores. A ideologia racista cumpre um papel fundamental dentro da lógica do sistema vigente como bem assinalou o líder negro norte-americano Malcom X, que nos últimos anos de sua vida referiu: “Não há capitalismo sem racismo”. Afinal, o racismo é uma forma de legitimar uma mão de obra subalterna com vista a reduzir os salários e aumentar os lucros dos patrões. Grande parte dos negros e das negras estão “incluídos” na nossa sociedade de uma forma bastante específica: enquanto mão de obra precária, barata ou desempregada. Por isso, o racismo só pode ser pensado em associação com a dimensão das classes sociais. As consequências desta nefasta combinação todos conhecem: marginalização em múltiplas esferas da vida social (da escola aos media; do local de trabalho à moradia), violência policial, segregação e humilhações sem fim.
Grito de esperança
Após 48 horas injustamente detidos, os jovens saíram em liberdade no sábado (7 de fevereiro) depois de serem ouvidos pelo juiz. Aplausos e gritos de alegria não se fizeram esperar entre as mais de 50 pessoas que aguardavam, ansiosas, por esse momento. Mancando e ainda muito magoados, os jovens ainda tiveram força e coragem de dar a cara e falar com a comunicação social. Um deles referiu, após mostrar a perna baleada: “Fomos espancados literalmente. Eu fui baleado duas vezes e ameaçado de morte várias vezes”. Apesar da breve alegria pelo momento de libertação, o sentimento de indignação imperava entre os presentes. Muitos ressaltavam a necessidade dessa onda de indignação contra a violência de Estado ter uma expressão nas ruas e de massa.
Urge não desmobilizar para criar uma ação pública (e de rua) contra uma política de segurança pública que fere a dignidade dos moradores dos bairros pobres dos subúrbios de Lisboa. Só a organização e a luta desses moradores, apoiadas por todos os ativistas e cidadãos solidários com essa causa, poderá contrapor-se à violência policial e exigir justiça. É fundamental que, dessa vez, a queixa-crime por tortura apresentada no Ministério Público da Amadora tenha consequências e haja punição aos responsáveis pelas agressões infringidas aos jovens da Cova da Moura.
O MAS é solidário com as vítimas de violência policial e apoia a mobilização de todos os moradores dos bairros periféricos de Lisboa na luta contra o racismo e por uma sociedade verdadeiramente justa e democrática.
Otávio Raposo

Os acontecimentos

Na última 5ª feira a polícia fazia mais uma das suas habituais rusgas na Cova da Moura, revistando de modo truculento os seus moradores. Um jovem foi detido porque não correu. Afinal, era portador de deficiência motora e nada tinha feito de errado. Estava tão só a circular no seu bairro. 

Mesmo não tendo oferecido resistência ao ser revistado, o jovem foi alvo de chutes e pontapés dos agentes da equipa de intervenção rápida da PSP. Ao testemunhar tamanha covardia, alguns moradores reclamaram e através de telemóveis tentaram filmar a situação. Constrangidos, os polícias impingiram um “perímetro de (in)segurança” e através de bastonadas e balas de borracha agrediram pessoas indefesas na tentativa de dispersá-las. Vários moradores foram parar ao hospital, entre os quais uma mulher, alvejada deliberadamente pelos polícias por ter testemunhado os acontecimentos de sua varanda. Dois deficientes físicos e algumas jovens também foram feridos por balas de borracha. Após o pânico causado por essa intervenção violenta, a PSP deixou o bairro levando consigo um jovem preso.

Ao saber dos acontecimentos, colaboradores da Associação Cultural Moinho da Juventude decidiram ir até à esquadra de Alfragide com o objetivo de dar apoio ao jovem detido e apresentar queixa contra os agentes policiais. Não era a primeira vez que episódios de violência gratuita por parte da polícia ocorriam. Nessas ocasiões, moradores do bairro também foram até a esquadra prestar solidariedade aos detidos e tentar impedir que fossem torturados. No entanto, dessa vez não foi possível explicar o motivo de lá estarem. Mal chegaram à porta da esquadra, cinco jovens foram presos e espancados pela polícia. Um dos jovens, rapper e pesquisador da Universidade de Aveiro, foi alvejado a queima-roupa com balas de borracha na perna. Torturados dentro e fora da esquadra, foram espancados e ameaçados de morte por agentes da PSP – dois jovens perderam um dente –, obrigando a que todos fossem, horas mais tarde, levados ao Hospital Amadora-Sintra para receber assistência médica. Com os rostos inchados, os jovens mal se aguentavam em pé ao chegarem ao hospital. Para justificar o injustificável a polícia inventou a mentira de “invasão da esquadra”, veiculada de modo sensacionalista e irresponsável por vários meios de comunicação.

Quem nos protege da polícia?

Esta não é a primeira vez que a polícia atua de modo truculento e covarde na Cova da Moura. Episódios de violência policial tornaram-se recorrentes neste e noutros bairros pobres dos subúrbios de Lisboa. Maioritariamente negros e/ou pobres, as suas vítimas ilustram o racismo latente do Estado português, com o qual os tribunais são coniventes. O assassinato do Kuku, 14 anos, por um agente da PSP, em janeiro de 2009, é paradigmático da impunidade das atuações violentas e desproporcionais das forças de segurança pública. Embora haja provas de que o tiro foi disparado a 10 centímetros da cabeça de Kuko, o tribunal decidiu absolver o polícia agressor. Casos semelhantes de execução (por parte da polícia) e impunidade (veredito dos tribunais) acumulam-se em Portugal – PTB, Angoi, Corvo, Tony, Teti, Snake –, evidenciando que a Justiça não funciona quando se trata de jovens negros e/ou habitantes de bairros pobres. Apresentados como “bandidos em potencial” por parte significativa dos media e das instituições políticas, é-lhes atribuída uma moralidade duvidosa que os culpabiliza pelos problemas de violência na cidade. Desta forma, são destituídos de legitimidade para mediar reivindicações sociais ou denúncias de violência policial. Essa criminalização da pobreza tem o intuito de afastar os mais vulneráveis de qualquer ação organizada, o que poderia pôr em risco o brutal acúmulo de bens e recursos nas mãos da burguesia dominante.

Por outro lado, o racismo é o culminar de uma opressão que serve para melhor explorar e dividir os trabalhadores. A ideologia racista cumpre um papel fundamental dentro da lógica do sistema vigente como bem assinalou o líder negro norte-americano Malcom X, que nos últimos anos de sua vida referiu: “Não há capitalismo sem racismo”. Afinal, o racismo é uma forma de legitimar uma mão de obra subalterna com vista a reduzir os salários e aumentar os lucros dos patrões. Grande parte dos negros e das negras estão “incluídos” na nossa sociedade de uma forma bastante específica: enquanto mão de obra precária, barata ou desempregada. Por isso, o racismo só pode ser pensado em associação com a dimensão das classes sociais. As consequências desta nefasta combinação todos conhecem: marginalização em múltiplas esferas da vida social (da escola aos media; do local de trabalho à moradia), violência policial, segregação e humilhações sem fim. 

Grito de esperança

Após 48 horas injustamente detidos, os jovens saíram em liberdade no sábado (7 de fevereiro) depois de serem ouvidos pelo juiz. Aplausos e gritos de alegria não se fizeram esperar entre as mais de 50 pessoas que aguardavam, ansiosas, por esse momento. Mancando e ainda muito magoados, os jovens ainda tiveram força e coragem de dar a cara e falar com a comunicação social. Um deles referiu, após mostrar a perna baleada: “Fomos espancados literalmente. Eu fui baleado duas vezes e ameaçado de morte várias vezes”. Apesar da breve alegria pelo momento de libertação, o sentimento de indignação imperava entre os presentes. Muitos ressaltavam a necessidade dessa onda de indignação contra a violência de Estado ter uma expressão nas ruas e de massa. 

Urge não desmobilizar para criar uma ação pública (e de rua) contra uma política de segurança pública que fere a dignidade dos moradores dos bairros pobres dos subúrbios de Lisboa. Só a organização e a luta desses moradores, apoiadas por todos os ativistas e cidadãos solidários com essa causa, poderá contrapor-se à violência policial e exigir justiça. É fundamental que, dessa vez, a queixa-crime por tortura apresentada no Ministério Público da Amadora tenha consequências e haja punição aos responsáveis pelas agressões infringidas aos jovens da Cova da Moura.

O MAS é solidário com as vítimas de violência policial e apoia a mobilização de todos os moradores dos bairros periféricos de Lisboa na luta contra o racismo e por uma sociedade verdadeiramente justa e democrática. 

Otávio Raposo

 

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