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Charlie Hebdo: um massacre, vários alvos

O bárbaro atentado de 7 de Janeiro que vitimou doze pessoas, entre as quais os principais membros da redacção do semanário Charlie Hebdo, tem o nosso total repúdio. Estamos perante um assassínio de jornalistas e de outros trabalhadores supostamente em retaliação pela crítica satírica desenvolvida pelo periódico contra símbolos religiosos islâmicos.

Este criminoso acto, a que os autores directos procuraram apresentar como uma acção em defesa do Islão e dos povos árabes que têm sido atacados pelos exércitos dos países imperialistas, é precisamente o seu contrário: funciona também como um ataque contra essa religião e fomenta o racismo e a xenofobia contra os povos árabes e a maioria das comunidades imigrantes que trabalham em países da União Europeia (UE).

O impacto mediático e a repercussão mundial deste atentado levou a uma condenação generalizada na Europa e um pouco por todo o mundo. Cavalgando esta justa indignação, os governantes dos países da UE, dos Estados Unidos e do Estado sionista de Israel tomaram a dianteira no aproveitamento político desta tragédia e, usurpando as bandeiras da “democracia e da liberdade de expressão” e ao abrigo de uma “luta contra o terrorismo”, já se preparam para um reforço do estado policial na Europa e para uma nova escalada militar no Médio Oriente.

As imediatas e espontâneas manifestações públicas de repúdio ao atentado que se realizaram em diversas cidades francesas logo no dia 7 de Janeiro foram seguidas de uma convocatória de “Marcha pela República” para o dia 11 de Janeiro, esta já enquadrada institucionalmente e politicamente utilizada por François Hollande, que a liderou junto com o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, a chanceler alemã, Angela Merkel, o primeiro-ministro britânico, David Cameron e o chefe do Governo israelita Benjamin Netanyahu.

Os milhões de franceses que desfilaram em defesa da democracia e da liberdade de expressão por toda a França tiveram na cabeça da manifestação de Paris muitos dos governantes que nos seus países executam políticas bem anti-democráticas, muitas vezes atentatórias da liberdade de expressão, e, nalguns casos (como o Estado sionista de Israel), de autêntico genocídio de populações (a matança dos palestinianos de Gaza). A difusão mundial das imagens de Netanyahu com Hollande na sinagoga de Paris procuraram limpá-lo do sangue palestiniano que ainda lhe escorre nas mãos e apresenta-lo como um paladino da democracia e liberdade e não como o terrorista de Estado que é.

Esta contradição, entre o sentimento popular e a liderança da acção, patente na manifestação de Paris, tem de ser assinalada e as organizações políticas e sindicais dos trabalhadores têm o dever de o fazer para impedir que as raposas sejam aplaudidas como as grandes guardiãs do galinheiro.

No actual contexto de crise económica e social vivida na União Europeia, e sem que se constituam alternativas às políticas da crise e favoráveis aos direitos dos trabalhadores, este insuflado clima de insegurança e gerador de mais xenofobia só favorece aqueles que querem um reforço policial para uma maior contenção e repressão de naturais contestações sociais às políticas que mergulharam a Europa na actual crise.

O unanimismo que se está a propagandear a partir da marcha de Paris, em relação à condenação do atentado de 7 de Janeiro e em prol da “democracia”, apenas serve para tentar dar um balão de oxigénio aos desgastados governos de vários países da UE, atenuar a contestação às suas políticas de austeridade e legitimar a participação francesa e europeia em intervenções militares no Médio Oriente e em África.

Para responder a esta campanha iniciada pela classe política que governa a Europa, os trabalhadores e os povos têm de retomar as acções contra a austeridade, o desemprego e as políticas de restrições à liberdade que já se avizinham.

 

Editorial do Jornal Ruptura nº138, Janeiro 2015

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