Será que somos todos Charlie?

A Praça dos Restauradores, em Lisboa, foi palco de uma concentração de solidariedade para com as doze vítimas do atentado de Paris que vitimou doze pessoas, a maioria das quais eram jornalistas do jornal satírico Charlie Hebdo.

Mais de mil pessoas participaram na acção, que teve lugar pouco mais de 24 horas depois do ataque fatídico.

Tratando-se de um caso que tem recebido grande atenção mediática (houve concentrações semelhantes convocadas para várias cidades europeias) não foi de estranhar que tenham estado presentes bastantes cidadãos estrangeiros – franceses e não só. Na vigília dos Restauradores acenderam-se velas, empunharam-se cartazes com a sigla “je suis Charlie” (“eu sou Charlie”), exibiram-se capas antigas do Charlie Hebdo e ouviram-se alguns vivas à liberdade de expressão e de imprensa.

Dizer “je suis Charlie” é, simultaneamente, uma demonstração de solidariedade para com os que morreram e um desafio ao fanatismo religioso que, tudo indica, esteve na origem dos ataques. Mas, se muitos proferem estas palavras de forma coerente, outros apenas apanham a boleia dos acontecimentos. A defesa teórica da liberdade de imprensa nem sempre se verifica na prática, e dois comediantes portugueses – Bruno Nogueira e Rui Sinel de Cordes – já vieram a público dar conta da hipocrisia de alguns, revelando que os trabalhos mais arrojados dos humoristas são frequentemente barrados nos media. De igual modo, uma notícia do Público alerta para o facto de o New York Times, o Washington Post e vários jornais franceses estarem a evitar publicar caricaturas do Charlie Hebdo que possam ser consideradas reprováveis. Poderemos, portanto, interrogar-nos sobre se o “je suis Charlie” se verifica ou não na prática.

Os mesmos media que hoje manifestam a sua solidariedade com os seus colegas franceses têm o dever de utilizar a liberdade de expressão para fazer ver ao Ocidente que os governos europeus e norte-americano são co-responsáveis pela escalada do fundamentalismo islâmico, nomeadamente devido às décadas de invasões e guerras no Médio Oriente. Têm o dever de denunciar, por exemplo, que a Al-Qaeda nunca teria existido se não tivesse sido financiada pelos EUA. Têm o dever de informar que as práticas opressivas do Estado Islâmico também existem em ditaduras como a da Arábia Saudita, que não recebem o mesmo repúdio internacional devido à cumplicidade dos EUA. De igual modo, serão obrigados a pôr a descoberto a ocupação desumana da Palestina por parte dos israelitas, que condenam um povo inteiro a desaparecer. Só assim a expressão “je suis Charlie” será devidamente honrada. Só assim se evitará que uma religião inteira se torne num bode expiatório, à semelhança do que aconteceu no pós-11 de Setembro. A extrema-direita está a espreita e esfrega as mãos. No fim de contas, foram eles os grandes e únicos vencedores do atentado de Paris, e vêem-se agora legitimados a agir. E não perderam tempo: hoje, a mesquita de Lisboa foi vandalizada.

JS – Estudante de Jornalismo

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