Trata-se de um tratado dito de “livre comércio” entre os EUA e a UE e que é conhecido por várias designações. Nos EUA é conhecido por TAFTA (Transatlantic Free-Trade Agreement) e na Europa por TTIP (Transatlantic Trade and Investmernt Partnership).
Em Portugal os termos oscilam entre Parceria e Tratado Transatlântico e já há comentadores que o classificam como o mais abrangente tratado do género em toda a história (se aprovado).
Contexto: Tendo o projecto europeu atingido um impasse quase total devido à desindustrialização acelerada, à quase estagnação económica, ao elevado desemprego, precariedade e austeridade, acentuou-se a desigualdade e o conflito entre um directório todo-poderoso e as várias periferias em empobrecimento rápido. O projecto aproxima-se da desintegração acentuada pelos numerosos escândalos financeiros a envolverem quase todos os principais bancos e, deixou de ser possível às elites aliciar os cidadãos para o seu aprofundamento, esgotados que estão os propalados paraísos iniciais do projecto.
Por outro lado, a economia americana também patina em graves problemas semelhantes, tendo o desemprego real chegado aos 27%, mau grado os permanentes estímulos da Reserva Federal. Nesta situação complexa, os interesses corporativos precisavam elevar a fasquia a novos paradigmas de poder para prosseguir as suas estratégias e continuar a aumentar insaciavelmente os lucros, agora a uma escala global. O Tratado Transatlântico corresponde exactamente a este paradigma, já que visa, não o livre comércio, mas sim o alargamento e a salvaguarda dos lucros das grandes corporações, colocando-os fora do alcance de todas as instâncias de poder actuais, quer sejam estados, grupos de estados, ONU, tribunais internacionais ou quaisquer outras. Com o fito de agilizar o comércio entre os dois lados do Atlântico, o Tratado procura pulverizar todas as barreiras legais que o condicionam, sejam elas direitos dos consumidores, direitos laborais, normas de saúde pública, activos e empresas estatais, protecções ambientais, privacidade e liberdade na Net, políticas públicas relativas a medicamentos, mineração, infraestruturas, combustíveis, agricultura, etc. Como as normas americanas são muito mais permissivas, o Tratado visa harmonizar por baixo todas elas. Mas para além das disputas sobre a harmonização tarifária e não tarifária, o Tratado inclui um capítulo essencial designado por ISDS (Investor-to-State Dispute Settlement), já aplicado em outros tratados e que visa resolver os conflitos entre os investidores e os estados, sempre que os primeiros vejam ameaçados os seus lucros presentes ou futuros por decisões políticas dos governos. Um exemplo recente sucedeu no Egipto, quando o governo decretou o aumento do salário mínimo. A multinacional francesa Veolia protestou e foi recompensada com uma indemnização de muitos milhões, uma vez que essas disputas são dirimidas em tribunais especiais de cuja decisão não há recurso nem instância superior a que recorrer.
É fácil concluir que, sendo as normas ambientais, de salvaguarda da saúde pública ou do trabalho destinadas a proteger os cidadãos e suas vidas, o seu desmantelamento produzirá as mais graves consequências. A proliferação de carnes com excesso de hormonas e antibióticos, os alimentos geneticamente modificados, o excesso de fertilizantes e pesticidas químicos e outros procedimentos lesivos por parte dos gigantes do agro-business, terão efeitos perniciosos na saúde pública, fazendo disparar as patologias, alergias e as mais diversas doenças. Os governos estarão totalmente manietados e impossibilitados de agir na defesa do interesse comum.
Por outro lado, as grandes empresas farmo-químicas tencionam reforçar as patentes dos principais medicamentos de referência de modo a fazer disparar o seu preço e a restringir bastante os genéricos. Neste panorama, os serviços estatais já não poderão suportar esses custos acrescidos.
Um outro campo de conflito respeita à liberdade e privacidade na utilização da Net, grandemente ameaçadas pelas grandes operadoras como a Amazon e outras.
Estes são apenas alguns dos aspectos em discussão nas negociações que decorrem no maior secretismo. Não se pode compreender nem aceitar que, sendo os propalados benefícios do Tratado tão generosos (segundo a imprensa da direita), tudo continue a ser negociado no segredo dos gabinetes, longe do olhar do público e até dos políticos, sem qualquer resquício de transparência.
Não podemos esquecer que o TTIP se articula com outros tratados semelhantes como o Transpacífico que agrega uma dúzia de países da zona Ásia-Pacífico, o CEPA que inclui o Canadá e a UE e o TISA que inclui os EUA, a UE e uma vintena de países terceiros. Trata-se portanto de uma estratégia global, tendo como objectivo a constituição e legitimação de um novo paradigma de poder absoluto ilimitado, sem rosto e sem centro que fará com que os valores da cidadania, da democracia, da soberania e da própria liberdade passem a fazer parte do passado.
Lembramos ainda que os estudos já publicados sobre os impactos do Tratado se baseiam em modelos matemático-económicos e em cenários de base bastante questionáveis, assumindo a maioria que os actuais níveis do desemprego se vão manter, que os orçamentos dos estados são sempre equilibrados e que as medidas a aprovar só têm impactos positivos, minimizando ou até ignorando por completo os elevados custos dos ajustamentos pretendidos, sobretudo no curto prazo. Assim, é natural que os resultados surjam positivos para os PIB. Curiosamente, a imprensa não se refere ao facto de os propalados benefícios só ocorrerem plenamente após o longo período de transição (10 a 20 anos), claro indicador do seu caracter extremamente marginal. Do mesmo modo nada se diz sobre a distribuição desses supostos benefícios que, a existir, se repartiriam de modo bastante assimétrico, com vantagem evidente para as empresas e economias mais robustas e em detrimento de todas as outras
Face a esta ameaça, os cidadãos de todos os países precisam unir-se numa luta comum contra esta verdadeira guerra comercial.
José Oliveira