Os recentes acontecimentos de Ferguson, estado do Missouri, revelam a outra face de uma América cúmplice da mais violenta discriminação racial.
A execução de Michael Brown, jovem negro de 18 anos, às mãos da polícia de trânsito, as manifestações de repúdio reprimidas pelas forças de segurança e as suspeitas de que, uma vez mais, os autores deste bárbaro ato ficarão impunes, demonstram da forma mais cruel como, em plena era Obama, pouco ou nada se evoluiu na conquista da igualdade entre raças.
Na verdade, este episódio evoca outros capítulos tristemente célebres da história recente dos EUA. Falamos dos motins de Los Angeles na primavera de 1992, despoletados na sequência da absolvição dos polícias de trânsito envolvidos no espancamento de Rodney King no ano anterior. Falamos ainda da sublevação de Watts, ocorrida igualmente em Los Angeles em Agosto de 1965 motivados por um caso de abuso de autoridade e violência praticadas pela polícia de trânsito sobre a comunidade afro-americana. Desigualdades sociais a preto e branco.
As grandes assimetrias económicas e sociais existentes nos EUA ganham uma expressão ainda mais vincada quando se aborda a questão racial. Ferguson simboliza bem esta realidade. No subúrbio de Sant Louis, onde a maioria da população é negra, apenas três dos 53 polícias são afro-americanos. Em contraponto, 85 por cento da sua população prisional é negra. Este fenómeno surge amplificado à escala nacional. Um estudo revelado pela BBC indica que os homens negros recebem penas 19,5 vezes mais pesadas que os homens brancos em igualdade de circunstâncias assim como têm seis vezes mais hipóteses de serem presos.
Ao mesmo tempo que lotam as prisões, são expulsos das escolas e das universidades. No ensino liceal, os alunos afro-americanos são três vezes mais expulsos que os estudantes brancos e, no que toca ao ensino superior, os universitários negros são os que têm mais probabilidades de abandonar os cursos (34% contra 31%). A explicação destes números tem uma óbvia base material.
Com efeito, em 2010 os brancos eram, em média, detentores de seis vezes mais património que os negros e o seu rendimento era igualmente seis vezes superior. A persistência de um nível de desigualdade económica em função da cor da pele e a recorrência de violência policial mostram, a quem ainda tivesse dúvidas, que as mudanças necessárias vão muito para além da eleição do primeiro presidente negro dos EUA.
José Pereira