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BES, o Buraco dos Espírito Santo (4/5) – A face política

A face política do buraco BES/GES

Existe uma pergunta que subsiste: como é que uma instituição como a família Espírito Santo, uma das mais importantes, se não a mais importante do presente Regime, que sobreviveu com uma importância semelhante a todos os regimes dos últimos 140 anos, presente em 4 continentes, apelidada de “dona disto tudo”, perde o seu poder abruptamente, em apenas 3 meses?

 

A complexidade da resposta envolve um conjunto de intervenientes.

Primeiro a questão: qual tem sido o papel dos intervenientes externos? Através da Troika, o BCE tem exercido uma enorme pressão para que a banca europeia se dote de maiores níveis de capitais, pressão à qual o BES não ficou alheio. Desde 2008, o BES reforçou o seu capital em cerca de 3,4 mil milhões €, forçando as suas holdings a endividarem-se para ir tentando manter a posição de controlo da família Espírito Santo, enfraquecendo o grupo de conjunto.

Esta constante pressão é acompanhada de fortes restrições à concessão de crédito e de um prolongado escrutínio interno ao sector.

O Banco de todos os regimes, habituado a negociar, pressionar e manobrar vários governos, encontra-se com um interlocutor cujo interesse é defender os interesses da banca internacional, mais poderosa. Um interlocutor que, para salvar o Euro, pretende adensar o processo de dependência dos países periféricos da Europa. Um interlocutor que, sob este projecto, não negoceia, impõe.

Segundo, no caso português, o Governo de Passos Coelho, composto por uma série de tecnocratas, sempre se pautou pela determinação em ir mais longe que a própria Troika. O memorando assinado com o FMI, Comissão Europeia e BCE formaram a base do programa do Governo de Passos Coelho e, como tal, os interesses aí espelhados distanciaram banqueiros e governantes. A banca ficou agrilhoada pela crise, demasiado exposta às dívidas públicas e ao sector empresarial do Estado, factores que, conjugados com sucessivos reforços de liquidez, fragilizaram os bancos nacionais. A sua capacidade financeira e, consequentemente, negocial saíram diminuídas.

O primeiro episódio foi registado logo em Agosto de 2011, quando o Governo de Passos Coelho contratou, por ajuste directo, o Banco de Investimento da Caixa e o Banco de Investimento americano Perella Weinberg para assessorar o Estado nas privatizações da EDP, REN e Galp. Apesar de o BES, após pressão sobre do Governo, ter conseguido vários contratos para assessorar o Estado noutras privatizações, o episódio evidencia alterações nas relações.

Em meados de 2013, numa reunião da Associação Portuguesa de Bancos, o Ministro das Finanças, Vítor Gaspar, também conhecido como “o quarto elemento da Troika”, perante dúvidas levantadas por Ricardo Salgado quanto à sustentabilidade da dívida pública portuguesa, retribui duramente: “Se eu fizesse declarações sobre a dívida do BES tinha muito a dizer.” É a maior reprimenda ao banqueiro de que há memória, se é que existiu outra.

Para além de denunciar, já na altura, o que se viria a desenrolar, esta é apenas a demonstração de que Vítor Gaspar, com uma vida profissional intimamente ligada às mais altas instituições europeias, é uma das faces dos grandes interesses europeus. E esses interesses ditam que a estabilidade do centro financeiro internacional será feita à custa de um abrupto processo de aprofundamento da dependência da periferia. Não haverá espaço à defesa de interesses periféricos. Na sequência deste episódio, Ricardo Salgado chega mesmo a desculpar-se ao Ministro.

Mas Vítor Gaspar não seria o único elemento do Governo altamente alinhado com os planos da Troika. Após a demissão de Vítor Gaspar, em Julho de 2013, como forma de assegurar a continuidade do trabalho desenvolvido, é nomeada para o seu lugar o seu braço direito, a então Secretária de Estado do Tesouro, Maria Luís Albuquerque.

Em meados de 2013, os dois, Gaspar e Albuquerque, protagonizaram o episódio dos “contratos swap”, evidenciando a sua proximidade à alta finança internacional em detrimento das empresas públicas. A dupla terá tido conhecimento, desde o início do seu mandato, das perdas potenciais acumuladas para o Estado com este tipo de contratos, sem nada ter feito, acumulando perdas potenciais calculadas em 3 mil milhões €. Entre os bancos que beneficiaram e beneficiam com a venda de tais contratos encontramos o Merril Lynch, JP Morgan, Goldman Sachs, Credit Suisse, Deutsche Bank, Santander, Barclays, ABN Amro ou o BNP Paribas.

Vítor Gaspar seria apenas a cara mais visível do interesse da grande finança. Álvaro Santos Pereira, por seu turno, no Ministério da Economia e do Emprego, sob o mote de “fazer tudo para continuar a diminuir a despesa do Estado”, acompanhou parte do escrutínio das contas públicas que colocou a nu os negócios por detrás das parcerias público-privadas (PPP). Os encargos do Estado com as PPP foram considerados excessivos pelos credores externos e, como tal, acabaram por ser renegociados impondo uma redução substancial dos lucros garantidos às concessionárias e aos financiadores – a banca nacional.

Quanto ao BES, este foi, desde a década de 1990, um dos principais bancos intervenientes nos aliciantes negócios das PPP: enormes somas de investimento público, financiadas pela banca, com risco praticamente nulo. Além do financiamento a projectos de grande envergadura, o BES foi estruturando o seu posicionamento no sector das PPP também como construtor (através da Opway) e gestor de infra-estruturas através da participação em várias concessionárias. Tendo o BES uma intervenção tão activa nos negócios com o Estado, o impacto da renegociação dos vários contratos terá sido igualmente considerável.

Em Julho de 2013, aquando da saída de Vítor Gaspar, Álvaro (como gostava de ser tratado), por seu lado, encontra-se num ministério vazio, cujas competências tinham vindo a ser distribuídas por outras pastas. Acaba também por sair nas alterações governativas desse verão.

Em Fevereiro de 2012, a renegociação das PPP, os processos das privatizações, a reestruturação do sector empresarial do Estado e a situação da banca eram pastas que tinham já sido retiradas das competências do Ministério da Economia e do Emprego e “privatizadas”, por Passos Coelho, a uma empresa do falecido António Borges. Este era um elemento que tinha a Troika no sangue: foi vice-presidente do banco americano Goldman Sachs, consultor do Departamento do Tesouro dos EUA, colaborou com a UE na criação da União Económica e Monetária e foi Director do Departamento Europeu do FMI. Perante este currículo, realmente, não se distingue onde começa o homem e onde acaba a Troika.

O Secretário de Estado Adjunto de Passos Coelho, que negociou (ou melhor, que aceitou sem dissonância) o programa da Troika foi Carlos Moedas. Para este, cumprir o memorando da Troika foi “executar políticas necessárias a bem dos portugueses” (palavras do próprio no site do Governo). Também Carlos Moedas passou pela alta finança, nomeadamente, o banco americano Goldman Sachs e o alemão Deutsche Bank.

João Moreira Rato, o homem escolhido por Vítor Gaspar para dirigir os destinos da emissão da dívida pública portuguesa como presidente do IGCP e o agora Administrador Financeiro do Novo Banco (activos bons do BES), fez também passagem pelo falido banco americano Lehman Brothers, pela financeira americana Morgan Stanley e pelo já repetido Goldman Sachs.

José Luís Arnaut, alto quadro do PSD, que esteve profundamente envolvido, e em simultâneo, tanto do lado do governo, como do lado das empresas interessadas nas privatizações da REN, ANA, TAP e CTT, envolveu-se ainda nas negociações dos swaps, representando a alta finança, e nas reestruturações do BCP e Banif. Embora não tenha ocupado nenhum cargo oficial no Governo de Passos Coelho, Arnaut foi uma sombra de tal envergadura, para os interesses da finança internacional, que acabou recentemente contratado para o Conselho Consultivo Internacional do Goldman Sachs. Sob a sua responsabilidade terá, entre outros, o mercado do sul da Europa e ainda Angola e Moçambique. Este conselho serve sobretudo para abrir portas a futuros negócios do banco americano.

Temos então um Governo com uma equipa nas finanças e economia, ministérios com que a banca mais se relaciona, altamente ligada e assessorada pelos interesses da alta finança mundial e da Troika. Para termos uma noção o banco Goldam Sachs é conhecido por colocar ex-funcionários nos lugares de topo que decidem o rumo da economia global – de tal forma que os concorrentes lhe dão a alcunha de Government Sachs.

O BES que durante os 40 anos de democracia teve 25 dos seus quadros nos vários governos, vê assim os interesses da finança mundial intrometerem-se entre si e o governo português. O próprio BES assiste, no seu último aumento de capital, à sua invasão por fundos de investimento americanos, altamente especulativos, através do aumento das suas participações que passaram a totalizar cerca de 16% do banco. São eles o Silchester, Capital Research, BlackRock e Baupost.

Fim dos privilégios para políticos e banqueiros, a casta rasca!

 

Nota: Na quinta e última parte serão explorados os terceiros e quartos intervenientes que contribuíram para a abrupta perda de poder pela família Espírito Santo e uma breve nota sobre o futuro do país.


José Aleixo

 

Parte 1: BES, o Buraco dos Espírito Santo

Parte 2: BES, o Buraco dos Espírito Santo – Prisão e confisco para quem roubou o BES!

Parte 3: BES, o Buraco dos Espírito Santo – Impunidade para os banqueiros, custo para a população!

Parte 5: BES, o Buraco dos Espírito Santo – A face política do buraco BES/GES

Este é um texto composto por 5 partes e esta é a quarta, a última será publicada amanhã. É um texto que pretende ajudar à compreensão geral da crise em que se encontra o Grupo Espírito Santo, o mais poderoso grupo privado financeiro português. Desde o seu enquadramento na crise internacional, passando pelo papel da Troika,pela função do Governo de Passos Coelho, pela influência das relações pessoais e terminando com as possíveis consequências para a economia, política e e quotidiano da sociedade portuguesa.

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