A abstenção de 66% nestas eleições europeias é o primeiro dado que salta à vista: o descrédito enorme destas eleições e das instituições europeias é a primeira conclusão óbvia destas eleições.
O castigo aos partidos do poder é a outra conclusão: os partidos do governo, PSD/CDS têm um resultado miserável (27,7%) e o PS – o “grande vencedor” – tem uns humildes 31,5% (recorde-se que dias antes vários elementos do PS diziam que ter 30% seria uma derrota enorme, para o PSD/CDS…). Por outro lado, a oposição de esquerda tradicional – CDU e BE – não capitaliza o descontentamento, pelo contrário, o conjunto perde votos – CDU e BE passam juntos de 21% em 2009 para 18% agora. É claro que a CDU ao crescer 30.000 votos não deixa de obter uma vitória nesta noite eleitoral. Por sua vez, a novidade é o surgimento de novos fenómenos como o MPT e Marinho e Pinto, o único vencedor da noite, mas também de algum modo o LIVRE e o PAN. O que reflecte esta votação? Reflecte um divórcio paulatino mas irreversível dos partidos tradicionais com a sua base eleitoral, sobretudo com os partidos da direita, mas também com PS e BE (CDU resiste melhor ainda não inverta completamente a tendência). Ao mesmo tempo este resultado reflecte o hiato entre a negação do velho e a construção de novas alternativas: a revolta e a esperança, na ausência de lutas e mobilizações, são capitalizadas sobretudo pelo “fenómeno” Marinho e Pinto (uma espécie de Beppe Grillo à portuguesa), como antes o foi por Fernando Nobre e José Manuel Coelho (presidenciais de 2011). Porém, existe uma procura por novas alternativas, que também se expressa no terreno eleitoral, mas que é ainda lenta e cheia de contradições. Num momento em que as lutas arrefeceram, num terreno em que a visibilidade mediática é tudo, estranho seria que fosse um novo partido revolucionário como o MAS a capitalizar o desgaste do governo.
Governo em queda livre mas PS não se levanta
O desgaste do governo apesar de expectável é surpreendente. PSD e CDS ficaram abaixo de qualquer expectativa, tendo o seu pior resultado em europeias. O governo só não cai de podre porque tem Cavaco Silva como padrinho e porque há muito que a esquerda tradicional – a começar pelo PCP e a CGTP – desistiram de o derrubar (CGTP adiou todas as lutas para depois das eleições…). Porém é também a fraqueza do PS como alternativa que mantém o governo no poleiro. O resultado do PS também aquém de qualquer espectativa. Muitos “culpam” o sucesso eleitoral de Marinho e Pinto e do MPT por ter roubado votos ao PS, mas a verdade é o oposto: é o desgaste do PS que possibilita o fenómeno Marinho e Pinto. Na verdade foi a austeridade que Sócrates executou assim como a que Seguro promete os maiores aliados do MPT. Apesar deste desgaste de PSD, CDS e PS não ser ainda total (e menos ainda comparável com o esboroamento do PASOK na Grécia) nem os seus frutos caírem automaticamente na mão de verdadeiras alternativas de esquerda, este desgaste é muito positivo e significa que após 40 anos, sectores massivos do povo começam a completar a experiência com o regime corrupto de Cavaco, PSD, CDS e PS. Serão os revolucionários a aproveitar esse desgaste ou, cedo ou tarde, poderá repetir-se (em Portugal) o fenómeno europeu de crescimento da extrema-direita (que não acontece por agora).
CDU uma vitória curta
A CDU, como sempre, canta vitória. Se o faz quando perde votos e eleitos, estranho seria se não o fizesse agora, em que ganhou votos e eleitos. Mas têm a CDU e o PCP assim tanto para comemorar? Façamos uma análise mais objectiva. O PCP resiste, cresce um pouco, é inegável, mas não capitaliza tanto quanto o poderia fazer. Num cenário em que o governo é castigado, o PS não é visto como alternativa e o BE perde 230 mil votos, a CDU cresce… 30 mil! É muito pouco. Comparativamente com outros países sob ajustamento e uma austeridade demolidora, a CDU não acompanha a tendência da esquerda: na Irlanda o Sinn Fein teve 17% e na Grécia o Syriza obteve 26,51%, vencendo as eleições. Por cá a CDU paga o preço de se manter um partido monolítico, que paga caro o seu funcionamento antidemocrático, as alianças que faz (com o partido do governo, o PSD) em Municípios de forte composição operária e popular (veja-se Loures recentemente) ou as suas posições internacionais de apoio a Putin na Ucrânia ou a regimes como o Norte-Coreano e Chinês. Mas sobretudo, CDU e BE, pagam caro, sobretudo este último, o preço por se manterem divididos, se recusarem a ser alternativa de governo e assim prolongarem a vida e a governação da direita e do PS. Cabe à CDU em primeiro lugar abrir-se a uma aliança de esquerda não para suportar um novo governo PS mas precisamente para criar uma verdadeira alternativa à esquerda. Um diálogo à esquerda com o Marinho e Pinto, o BE e o Livre é urgente para travar o regresso do PS ao poder, o que seria mais do mesmo que o país assiste há mais de 35 anos.
Bloco continua em crise!
O Bloco de Esquerda continua em declínio. Só se salvou de uma crise galopante que iria ameaçar a integridade do partido por ter conseguido eleger Marisa Matias por escassos votos. Mas comparativamente às eleições anteriores, o BE perdeu mais de metade dos votos e passa de 3 para 1 eleito. Não haverá crise estrondosa mas continuará a crise paulatina de um partido que ainda não se adaptou aos tempos de austeridade e pobreza. O BE não tem, nem um projecto de ruptura anticapitalista, como não leva às últimas consequências a vontade de parte dos seus dirigentes em aliar-se ao PS. É um partido que não tem, não quer ter e não pode ter enraizamento social, que se divorciou inclusive da classe média urbana que o apoiava. Pelo que paga bem mais caro que a CDU a recusa permanente em unir a esquerda e ser alternativa. O povo, ao contrário do que dizem muitos dirigentes de esquerda desiludidos, não é burro. Para quê votar em quem não quer ser alternativa, apenas oposição?
E agora Marinho?
Já o MPT e Marinho Pinto são os grandes vencedores da noite. O MPT não fez a diferença, mas Marinho e Pinto. Já vimos que dos partidos tradicionais ninguém capitalizou o descontentamento e alguns foram penalizados por ele. A grande expressão do descontentamento foi a abstenção, mas alguém teria que expressar em votos. Marinho e Pinto tinha tudo para absorver esses votos: é uma figura conhecida, fora da política tradicional, com destaque mediático há anos, verbalmente crítico do actual sistema político e da corrupção, estranho seria se não tivesse uma grande votação. 234 mil e 500 votos, 7, 15%, é uma expressão, digamos, natural, do desgaste dos partidos do centro e da estagnação da esquerda tradicional. Marinho e Pinto vem na senda de Fernando Nobre e José Manuel Coelho, com traços de um “Beppe Grillo” à portuguesa. É mais provável eu seja um epifenómeno que um projecto duradouro, ainda que o verdadeiro objectivo do ex-bastonário é ser deputado nacional, o que lhe daria rapidamente o estatuto de ministeriável num governo PS. De resto é preciso lembrar que este protegeu e defendeu Sócrates no caso Freeport, assim como é um defensor acérrimo do euro. Percebemos o sentido de voto de muitos que votaram neste ex-bastonário sem “papas na língua”. Mas o que fará este senhor com os 12 mil euros que receberá por mês no Parlamento Europeu? Continuará um crítico das mordomias e benesses dos políticos? (parece que não pelas declarações recentes em que afirmou que é ‘populismo’ defender a redução dos salários dos deputados europeus) Ou caminhará para os braços do PS como Fernando Nobre caminhou para os do PSD? Quem votou neste senhor deve estar atento e exigir dele mais coerência e independência!
LIVRE, PAN e MRPP, separados ficam aquém
LIVRE e PAN tinham tudo para ser também novidades mas ficaram aquém. O LIVRE obtém um óptimo resultado para primeira eleição, porém um partido que fez centro da sua política eleger Rui Tavares (sem ter nenhuma proposta para além disso) e que contou com um apoio inaudito dos média para o fazer, começa mal o seu percurso. O pior é que o mais provável é os próximos passos do LIVRE serem ainda menos auspiciosos. Rui Tavares disse em campanha que o seu objectivo era ajudar à formação de um governo de “centro-esquerda” em 2015, ou seja, governar com o PS. De que serve votar no “CDS” do PS? Só se quisermos ajudar Seguro a formar mais um governo da austeridade! Já o PAN, assim como o MRPP, tem votações interessantes, acima do 1%. É caso para dizer que se estes partidos não se tivessem recusado a fazer uma coligação de esquerda alternativa, como lhes propôs o MAS em reunião, haveria possibilidade de, em vez de partilharmos algumas dezenas de milhar de votos, alcançar mais de uma centena de milhar de votos unidos. Pode ser que a experiência ajude a que mudem de ideias.
O MAS chegou para ficar!
O MAS foi pela primeira vez a eleições. Somou 12 440 votos, 0,38% da votação (praticamente 0,40%). É um resultado humilde mas positivo. Enquanto outros novos partidos – como o LIVRE ou Marinho e Pinto – têm espaço ilimitado e permanente em jornais e televisões, já o MAS sofre de um boicote mediático. Por exemplo: o lançamento da campanha do MAS contou com 350 pessoas, não teve direito a uma linha no jornal, já o PPM juntou 20 pessoas para lançar a sua candidatura e teve direito a uma página no Público. Rui Tavares do LIVRE foi praticamente patrocinado por jornais como o I, e Marinho e Pinto tem uma coluna regular no JN assim como uma aparição permanente na TV. Por outro lado, ao contrário destes partidos, assim como de BE e CDU, o MAS disse aquilo que todos estes sectores sabem e concordam, mas calam para ganhar votos: que o euro afunda o país e não há saída para Portugal na moeda única. Por fim tivemos uma votação semelhante a outros partidos em situação semelhante (como a Política XXI, UDP e PSR em 1994 antes de formarem o Bloco de Esquerda; por exemplo, a Política XXI de Miguel Portas obteve então em 1994 pouco mais de 12.000 e Francisco Louçã (!) com o PSR 15.000). O que é certo é que mais nenhum dos “pequenos partidos”, nem sequer LIVRE ou MPT, faz comícios com centenas de pessoas ou anima as principais manifestações do país como o MAS. Nas grandes lutas que podem mudar o futuro esses partidos não aparecem. E propostas não têm: ou alguém conhece as alternativas propostas pelo MPT, LIVRE ou PAN? As lutas que se seguem, assim como as próximas legislativas, mostrarão quem é uma alternativa para mudar o país e quem é um epifenómeno eleitoral.
Às dezenas de trabalhadores que, já hoje, sabem que o MAS é diferente, chegou para ficar, e que vem crescendo significativamente, devem já hoje dar um passo em frente e juntar-se a um novo partido, por um novo 25 de Abril. Adere ao MAS!