Os trabalhadores da Soporcel estão a sofrer, desde 2004, altura em que a empresa foi adquirida pelo grupo Semapa, cada vez mais ataques aos seus direitos laborais e aos seus rendimentos.
Seguindo uma lógica de lucros máximos e direitos laborais mínimos ou nenhuns, a empresa está a impor aos trabalhadores duras penalizações, enquanto, por outro lado, os accionistas do grupo recebem cada vez mais dividendos.
A Soporcel, fundada em 1984, é a maior empresa do concelho da Figueira da Foz e uma das principais exportadoras do país. Emprega cerca de 700 trabalhadores, os quais integram o quadro efectivo da empresa, e produz aproximadamente 800 mil toneladas de papel por ano.
Em 2001, a Soporcel foi adquirida pela Portucel, formando o grupo Portucel Soporcel, e, em 2004, a Portucel foi comprada pela Semapa (que detém 75% das acções da Soporcel). Ao todo, o grupo tem mais de 48 empresas.
Ataques aos direitos laborais intensificam-se após aquisição da Portucel pela Semapa
“Estamos a perder tudo”, afirma Victor Abreu, 48 anos, trabalhador da Soporcel desde 1989, explicando que, desde 2004, foi implementada na empresa uma política de cortes e ataques aos direitos dos trabalhadores. Os ataques a esses direitos também foram facilitados, de certa forma, pelas medidas tomadas pelos últimos governos do país, que impuseram cada vez mais alterações à legislação laboral em prejuízo dos trabalhadores e uma lógica de flexibilidade/precariedade.
O rol de direitos perdidos nos últimos anos é grande: nenhum trabalhador pode mais reformar-se por problemas de foro psicológico; houve congelamento das carreiras; os prémios de produção passaram a ser penalizados em 15% caso ocorra um acidente de trabalho; há suspensão do pagamento do Fundo de Pensões sempre que um trabalhador estiver de baixa por acidente de trabalho ou em gozo de período de maternidade ou paternidade; as comparticipações do seguro de saúde foram reduzidas e este contempla menos especialidades e teve ainda o seu plafom diminuído; aumentaram as taxas das consultas e os funcionários deixaram de poder trocar os óculos de um em um ano (agora é de três em três anos), uma necessidade constante, visto que o ambiente corrosivo de trabalho danifica rapidamente as lentes dos óculos.
O “sentimento de injustiça” sentido pelos trabalhadores é cada vez maior, refere Carlos Oliveira, 50 anos, a trabalhar na Soporcel desde 1985, destacando que a “degradação social” na empresa está a crescer. Só em 2013, houve uma redução de 2,5 milhões de euros na despesa com pessoal.
Trabalhadores com contrato de trabalho temporário em condições ainda mais precárias
Além dos ataques aos direitos dos trabalhadores com contrato directo com a empresa, a partir 2004, o grupo Portucel Soporcel criou também mais de 48 empresas com o objetivo de contratar trabalhadores em condições mais precárias. A Soporcel passou então a substituir os seus trabalhadores por colaboradores contratados das outras empresas do grupo e também por trabalhadores temporários de empresas de outsourcing.
Actualmente, há cerca de 300 trabalhadores a exercer actividade laboral na Soporcel (sobretudo funções de manutenção e operação) com contratos temporários de trabalho através da empresa Randstad. Estes trabalhadores encontram-se numa situação ainda mais precária: não possuem vínculos contratuais directos com a empresa, ganham aproximadamente três vezes menos que os contratados directamente pela Soporcel (mesmo que exerçam as mesmas funções), não têm direito ao Fundo de Pensões, têm menos três dias de férias, seguro de saúde com piores condições e mais horas semanais de trabalho.
Empresa avançou com alteração ao Fundo de Pensões nas costas dos trabalhadores
Como se não bastassem todos estes ataques, a Soporcel avançou também com a alteração do Fundo de Pensões (FP) dos trabalhadores contratados directamente pela empresa desde a sua criação, transitando este Fundo para a Portucel SA, sob um novo regime e condições, com alterações profundas, em prejuízo dos direitos dos trabalhadores.
O FP, financiado com recursos monetários produzidos pela empresa, foi criado em 1988 com o objetivo de garantir uma boa qualidade de vida para os trabalhadores no final do tempo de trabalho e início da reforma. O Fundo foi regulamentado publicamente, num sistema de direitos adquiridos. Todos os trabalhadores tinham direito a usufruir do FP quando completassem dez anos de trabalho na empresa. A partir deste momento, os trabalhadores poderiam reformar-se recebendo 15% do salário pensionável, mais 1% por cada ano de trabalho até ao máximo de 30% e tinham outros benefícios bem definidos.
Um decreto-lei publicado em Diário da República em 2006 estipulou também que qualquer alteração feita ao Fundo de Pensões só pudesse ocorrer depois da criação de uma comissão de acompanhamento em que estivessem representados os trabalhadores e a empresa, para avançar com um processo de negociação. Contudo, apesar desta regra claramente explícita no documento, a empresa tentou contornar a lei e alterar o Fundo nas costas dos trabalhadores.
Plano de alteração do Fundo de Pensões começa a ser engendrado em 2004
A Soporcel começou a planear, já em 2004, o processo de transição/alteração do Fundo de Pensões, sem criar uma comissão de acompanhamento; e, se inicialmente o Instituto de Seguros de Portugal (ISP), autoridade pública de supervisão de seguros e fundos de pensões, travou o processo (devido ao não cumprimento do decreto-lei que obriga à criação da comissão de acompanhamento pela Soporcel), no final de Dezembro de 2013, a entidade já tinha emitido duas autorizações para a empresa avançar com as mudanças, depois de ter sido forjada uma comissão que funcionava sem conhecimento de todos os trabalhadores da empresa.
A referida comissão só foi criada em Abril de 2013, com a realização de uma eleição para escolha dos representantes dos trabalhadores, tendo a empresa avançado então com reuniões para a alteração do FP. Contudo, os dois membros escolhidos (um efectivo e um suplente) para representar os trabalhadores foram eleitos num processo pouco claro e passaram a reunir com os responsáveis da empresa sem o conhecimento dos demais trabalhadores. E a escolha de pelo menos um desses representantes (o efetivo) não foi feita ao acaso: trata-se de um trabalhador reformado que não sofreria com as novas penalizações impostas pela empresa ao Fundo para os trabalhadores em funções.
O conjunto dos trabalhadores da Soporcel só soube da ocorrência dessas reuniões (houve pelo menos três entre Abril e Dezembro de 2013) em Dezembro do ano passado por fuga de informação. As alterações estavam a ser feitas sem conhecimento dos trabalhadores, que denunciam a ilegalidade e irregularidade do processo, acusando não só a empresa como também o ISP de ter permitido alterar as regras do Fundo, revogando inclusivamente direitos adquiridos.
Alterações realizadas no Fundo de Pensões prejudicam fortemente os trabalhadores
As principais alterações realizadas no Fundo de Pensões pela empresa foram: deixou de existir a pensão de sobrevivência; os trabalhadores têm agora direito à pensão não aos 60 anos, mas a partir da idade da reforma imposta pelo Governo, 66 anos; o montante a que têm direito no âmbito da pensão atribuída passou a ser variável consoante as oscilações de mercado da empresa e não com base nos valores fixos definidos no documento original; as contribuições da empresa para o Fundo foram reduzidas em mais de metade: passaram de 8,6% para 4% da massa salarial geral dos trabalhadores; em caso de maternidade e acidente de trabalho, a empresa deixa de descontar os 4% para o Fundo durante um ano, e as novas regras do Fundo prevêem que o documento possa ser alterado unilateralmente, sem necessidade de negociação com os trabalhadores.
Os trabalhadores tiveram conhecimento, pela primeira vez, das alterações que estavam a ser realizadas ao Fundo através de um e-mail (circular interna) oficial enviado pela empresa a 11 de Dezembro de 2013. Contudo, Vítor Abreu revela que este e-mail só foi enviado porque os responsáveis pelo grupo Portucel Soporcel souberam, entretanto, que todos os trabalhadores já tinham conhecimento, por via informal, do processo de alteração em curso. Tratou-se apenas, portanto, de uma formalização forçada da informação.
Neste e-mail, a Portucel Soporcel justifica a alteração do Fundo com o facto deste ser “muito oneroso para a empresa” e com a premência de permitir “adequa-lo às necessidades dos tempos presentes, à semelhança do que tem sido feito em muitas outras empresas e no Estado”, o que contrasta com os lucros crescentes desta empresa.
Empresa penaliza trabalhadores mas aumenta distribuição de lucros para os accionistas
Mas o que a empresa não disse na mensagem enviada aos trabalhadores é que, numa altura em que está a avançar com um forte ataque aos seus direitos laborais e aos seus rendimentos, equaciona aumentar os dividendos distribuídos pelos accionistas do grupo. Afinal há dinheiro, mas não para quem trabalha, gera riqueza e movimenta a economia real.
O conselho de administração da Portucel (que detém a Soporcel) anunciou, no final de Abril deste ano, que vai propor aos seus accionistas o pagamento de um dividendo bruto/ordinário de 22,20 cêntimos por acção (este valor representa um aumento de 38,75% relativamente ao valor pago no exercício de 2012 aos accionistas). Além disso, como complemento à proposta de distribuição de resultados, a empresa deverá ainda distribuir reservas livres no valor de 5,8 cêntimos para os accionistas. Ora, no total, são 28 cêntimos por acção, o que corresponde a 214,9 milhões de euros.
Trabalhadores unem-se para fazer frente aos ataques da empresa e travar penalizações
Para reagir aos ataques engendrados pela empresa, os trabalhadores, que se sentem injustiçados, traídos e explorados, decidiram unir-se para fortalecer a sua luta e melhor defender os seus direitos.
Os trabalhadores sentiram a necessidade de estarem sindicalizados. Em Dezembro de 2013, mais de 200 trabalhadores sindicalizaram-se num só dia. Foram também eleitos, pela primeira vez, delegados sindicais na empresa, e realizados plenários para discutir formas de luta e protesto, os quais contaram com a participação de mais de 300 trabalhadores.
A comissão de trabalhadores (inactiva há uma década) também voltou a existir, tendo sido oficialmente reactivada a 29 de Abril deste ano, com a realização de eleições.
A nova comissão de trabalhadores, criada em Abril, já teve uma reunião com os representantes da empresa, mas nada avançou ou foi solucionado até ao momento.
Entretanto, foram também interpostos dois processos judiciais contra o ISP e a Portucel Soporcel, por terem alterado, num processo irregular e duvidoso, o Fundo de Pensões da Soporcel e os direitos adquiridos nele previstos. Há ainda uma desconfiança, por parte dos trabalhardes, de que o ISP estará a ser defendido por advogados pagos pela empresa neste processo, facto que, a ser verdade, corresponde a uma irregularidade grave, visto que se trata de uma entidade pública que deveria ser isenta.
Trabalhadores avançam com formas de luta mais eficazes
Os trabalhadores tentaram, até ao momento, a via da comunicação e a via judicial para travar os ataques da empresa. A primeira não funcionou e a segunda é morosa e pode arrastar-se por anos e, enquanto isso, a empresa tenta impor as suas regras.
Por isso, os trabalhadores equacionaram uma terceira via: avançar com uma maior radicalização da luta, através de greves e protestos, que poderá ser mais eficaz e travar de forma mais rápida os ataques aos direitos laborais realizados pela empresa.
Em dois plenários de trabalhadores ocorridos nos dias 15 e 16 de Maio, ficou decidido, por unanimidade, avançar com a realização de uma greve. A Comissão Sindical da Soporcel já enviou o pré-aviso de greve à administração do grupo Portucel Soporcel. Pela primeira vez desde 1984, ano de entrada em funcionamento da fábrica de Lavos na Figueira da Foz, os trabalhadores da Soporcel irão paralisar a partir das 20h00 do dia 27 de Maio, até às 00h00 do dia 1 de Junho.
Na carta enviada à administração da empresa, os trabalhadores referem que os objectivos da greve são: “defender o direito ao Fundo de Pensões de benefício definido, lutar “pela negociação efectiva com a Comissão e Direcção sindicais do Caderno Reivindicativo apresentado à administração” e “defender a melhoria das políticas de pessoal da Soporcel”.
Os trabalhadores mostram-se unidos nesta luta e estão dispostos a recorrer a todos os meios para impedir que a empresa lhes retire, pouco a pouco, e de forma injusta, exploradora e irregular, os seus direitos laborais, e imponha também uma redução dos seus rendimentos, enquanto a riqueza gerada pelos trabalhadores é distribuída a mãos largas pelos accionistas do grupo.
Maria Castro