Foi tornado público um manifesto em defesa da reestruturação da dívida portuguesa. 70 personalidades, que vão do CDS -Adriano Moreira – ao Bloco de Esquerda – Francisco Louçã e Fernando Rosas – ao PS e PSD, com João Cravinho, Ferro Rodrigues, Manuela Ferreira Leite ou António Capucho assinam o manifesto, assim como independentes como Boaventura de Sousa Santos, Manuel Carvalho da Silva ou Viriato Soromenho Marques.
O Manifesto ganhou visibilidade e trouxe a questão da dívida pública a debate. Infelizmente as suas virtudes terminam aí. O Manifesto afirma que “Há Alternativa”, mas dentro do euro e pagando a dívida pública… Será isso tão diferente do caminho que nos trouxe aqui?
O manifesto assume-se como “responsável”. O manifesto afirma que a dívida é insustentável, mas “esquece-se” que ela é injusta, que vêm dos negócios dourados do betão, das PPP, dos buracos do BPN, do BPP e do BANIF, assim como da dívida da Madeira ou dos swaps. Na verdade o Manifesto assume que “Portugal pode e deve, por interesse próprio, responsabilizar-se pela sua dívida”. Mais: afirma-se que Portugal deve cumprir, “sem hesitação” com “as boas práticas de rigor orçamental” – o que significa isso dentro da zona euro, senão mais austeridade?
Na verdade o Manifesto, em vésperas de eleições, procura unir representantes de todos os que defendem a permanência de Portugal no Euro. Procura desviar as atenções da questão central das próximas eleições: Portugal deve, ou não, ficar no euro? O Manifesto afirma que sim. “o eventual incumprimento por parte de um país do euro acarretaria (…) custos difíceis de calcular, mas provavelmente elevados, incidindo sobre outros países e sobre o próprio euro. Prevenir as consequências nefastas desta eventualidade é, de facto, um objectivo de interesse comum”. Esta afirmação resume todo o espírito do manifesto: reestruturar a dívida para poder continuar a pagá-la, para assim… salvar o euro! A saída do euro continua a ser tabu para os 70 signatários.
Uma renegociação responsável… para quem?
A renegociação proposta pelos signatários é irrealista. Estes querem ficar bem com deus e o diabo, com o povo português e os credores, a Sra.Merkel e companhia. Por isso querem um perdão de cerca de 50% da dívida e outras benesses sem tomar nenhuma posição de força. Os economistas de renome que assinam sabem que isso não é possível, pensam sobretudo nas europeias. Outros, porventura, serão verdadeiramente ingénuos.
As renegociações possíveis são poucas. Renegociações responsáveis, com extensões de prazo e diminuição dos juros são, por exemplo, as “idas aos mercados” que o Governo tem feito, aliás foi isso que Passos Coelho respondeu aos signatários. “Responsável” foi também a renegociação da dívida Grega, feita em acordo com os credores e a UE, em que foi “cortada” cerca de 60% da dívida – a Grécia hoje tem o défice no 4%, a dívida nos 170% do PIB e um desemprego de 27%. Ou seja, os interesses dos devedores são incompatíveis com os dos credores, pelo que só se responde a uns enfrentando os outros.
Uma renegociação soberana da dívida, com o objectivo de recuperar o emprego em Portugal teria de passar por uma suspensão do pagamento, assim como uma auditoria à dívida e a saída de Portugal do euro. Embora muitos dos signatários o saibam, o manifesto nega-o.
A posição do PCP
O único partido parlamentar que parece ficar de fora deste manifesto “responsável” é o PCP. Infelizmente este partido podia subscrever o Manifesto, aliás, Arménio Carlos, que além de Secretário-Geral da CGTP é dirigente do PCP, afirmou que “se tivesse sido convidado assinava o manifesto”. Bate certo com as declarações de Jerónimo de Sousa que afirmou “nós não dizemos não pagamos, dizemos qualquer dia não podemos pagar” ou de João Oliveira, novo Líder Parlamentar do PCP que afirmou: “O que desequilibra o nosso défice são os encargos com os juros da dívida, as PPP, os SWAPS. E, este ano, se não pagássemos um cêntimo dos juros da dívida tínhamos um superavit (…) Não podemos deixar de pagar mas temos de reduzir esse encargos”. A tragédia da política portuguesa é que nenhum dos partidos parlamentares quer verdadeiramente desobedecer à Europa de Merkel.
O que fazer com esta dívida?
A dívida é injusta e impagável. Vem de negócios corruptos e políticas ruinosas. Consome cerca de 8 mil milhões de euros ao ano só em juros. Só pode ser paga com décadas de austeridade. Para poder falar como um país soberano na Europa há que suspender o pagamento da dívida, canalizar esses milhões de euros para criar emprego e auditar a dívida. Uma auditoria independente da dívida provaria que esta foi imposta pelas regras financeiras da UE e pela ganância dos grandes grupos económicos nacionais e estrangeiros. Seria necessário prender e confiscar os bens de quem roubou e endividou o país.
Ao mesmo tempo uma suspensão soberana do pagamento levaria a uma reacção: a UE e o BCE poderiam “fechar” o financiamento ao estado e aos bancos portugueses, como fizeram em Chipre. Seria necessário renacionalizar a banca, com uma nova moeda nacional emitida pelo Banco de Portugal, o que acarreta a saída do euro. Porém uma saída soberana, recuperando o controlo da economia nacional, para criar emprego.
Por isso a primeira questão, que nem o manifesto nem os principais partidos levantam é: devemos ou não sair do euro? Por isso o MAS levantará nas eleições europeias a proposta de Referendo ao Euro. Um manifesto que exija este referendo é, este sim, urgente.