Os acontecimentos ocorridos na praia do Meco trazem a nu uma realidade já conhecida por muitos, mas infelizmente apenas discutida quando a gravidade dos acontecimentos e a cobertura mediática assim o justificam.
À semelhança do que se perspectiva para este caso, muitos outros causaram polémica e foram julgados, terminando em tribunal com meras consequências legais e sem impactos políticos ou sociais reais. Está nas nossas mãos, enquanto estudantes, fazer com que desta vez haja uma mudança efectiva da situação.
O que se espera e o que se tem
O ingresso na Universidade é um dos principais momentos da vida académica e pessoal dos jovens, especialmente agora num contexto em que o ensino superior é tomado pelo Governo como um privilégio em vez de um direito. Marca inclusivamente a passagem para as responsabilidades da vida adulta, o que deve implicar uma maior actuação no meio estudantil e na sociedade; e traz a expectativa de que adquiram conhecimentos úteis para o futuro próximo.
A praxe é apresentada logo desde início como o único processo possível de integração dos novos estudantes, que aceitam serem praxados não por gostarem mas por acharem que de outra forma não vão conseguir uma rápida integração na vida universitária. A praxe, querendo chamar a atenção para as dificuldades da vida, não faz mais do que mostrar que estas são absolutas e que nada pode ser feito para as alterar. Promove antes a estupidificação e o recurso à violência física e verbal, métodos contrários à elaboração intelectual e ao desenvolvimento pessoal que se esperam dos estudantes universitários.
Contra a submissão, pela associação!
Não somos contra o convívio, a associação e a integração dos estudantes, posição radical que colocaria em causa a existência de Associações Académicas. Defendemos exactamente o contrário. Veja-se por exemplo a campanha anti-discriminação da Lista R para a Associação Académica de Coimbra1, da qual fizeram parte os militantes do MAS, já com projecção internacional. Destacamos aqui o espírito construtivo da iniciativa, que pode ser demonstrado em outras acções nesta e noutras Universidades.
Opomo-nos é a quaisquer formas de humilhação e de submissão dos novos estudantes face aos “veteranos”, “doutores” e detentores de outros graus. O facto de uns terem mais matrículas ou estarem mais inseridos ou organizados que outros não deve ser factor de domínio ou hierarquização. Sociedades secretas com métodos e práticas restritas não servem o movimento estudantil que se quer democrático, aberto e transparente. A horizontalidade das relações entre estudantes é essencial para a sua boa relação e para o avanço do movimento estudantil.
Apelamos ao debate
O debate nacional tem gerado a indefinição do conceito de “praxe”. Se excluirmos a origem da palavra, certas práticas consideradas pela maioria como praxe não são reconhecidas pelos Conselhos de Praxe ou pelos praxistas como tal. O próprio Dux da COPA da Lusófona, João Gouveia, afirmou que as acções passadas na praia do Meco não foram praxe. É certo que esta afirmação é uma tentativa desesperada para se livrar da culpa, mas então o que eram? Seguindo esta lógica, então apenas uma elite participou em praxes e estas são uma raridade pontual e imperceptível em Portugal. Neste sentido é necessário debater na comunidade estudantil o que é a praxe e como podemos actuar. Não consideramos que a proibição das praxes resolva o problema, pois é provável que não terminassem. Devem ser os estudantes e não o Governo a regular e a decidir sobre as práticas dos estudantes.
O que os outros pensam (?)
Repudiamos desde já as acções ocorridas na praia do Meco e exigimos que as Reitorias e as Direcções das Universidades condenem toda e qualquer prática de humilhação e submissão de estudantes sobre os seus colegas. Apesar de se querem manter neutrais perante a iniciativa dos estudantes, o seu silêncio é um sinal evidente de cumplicidade. Será que têm a mesma visão do Reitor da Lusófona, Manuel Damásio, que disse em entrevista que “as praxes são uma brincadeira”? O que acontece dentro das instalações universitárias é sua responsabilidade, especialmente quando se tratam de práticas que prejudicam o percurso escolar dos alunos e colocam em risco a sua integridade.
Exigimos também que as juventudes partidárias (JS, JSD e JCP) e as Associações de Estudantes se pronunciem sobre este caso e sobre as praxes em si. Por muito que se demonstrem tolerantes, é certo que são por si vistas como um mercado lucrativo para empresas e para o Estado; para além de serem uma forma de submissão de novos estudantes como distracção face à crise que se abate sobre o ensino superior público, impedindo qualquer iniciativa de contestação e luta por parte do movimento estudantil.
Tomemos acção!
O caso do Meco é passível de se prolongar durante anos em tribunal, dada a sua complexidade e dados os factos que ainda estão para serem esclarecidos. Incentivamos por isso o seguimento deste processo judicial com consequências reais. Porém esta seria só uma pequena vitória face à realidade das praxes. As acções do Meco serviram de gatilho para a actual discussão sobre a condição dos estudantes e está nas suas mãos, desde que esclarecidos e organizados, associarem-se e criarem meios alternativos para lutarem pela questão fundamental – o direito à educação universal, gratuita e de qualidade!
Diogo Trindade, estudante na Universidade Lusófona
João Sousa, estudante na Escola Superior de Comunicação Social
João Matos, estudante na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – UNL
Joana Salay, estudante na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – UNL
Notas