Foi anunciada a privatização da Silopor, após cerca de 10 anos “presa” nos tribunais. Esta empresa pública, crucial e lucrativa, é menos conhecida do que outras empresas públicas, apesar de sua antiga história. Alguns talvez se lembrem da EPAC (Empresa Pública de Armazenamento de Cereais), criada no 25 de Abril como resultado da nacionalização da FNPT (Federação Nacional dos Produtores de Trigo) e da FNIM (Federação Nacional dos Industriais da Moagem) – a Silopor é o que sobrou da cisão da antiga EPAC.
Estas duas federações serviam os interesses privados defendidos por Salazar, cujos salários de miséria e repressão provocaram fome durante décadas neste país, onde os pomares estavam rodeados de muros encimados por vidros de garrafa partidos e as crianças mais pobres se espetavam se tentassem ir às árvores. Para contrariar isto e evitar a especulação dos cereais (e respectiva subida nos preços) foi criada a EPAC. Durante algum tempo resultou e há muito menos fome do que no tempo da outra senhora. Agora isso está posto em causa.
É crucial que a Silopor (responsável pelo armazenamento de 50% dos cereais importados e cultivados) permaneça pública. Se é perigoso ter o fornecimento de electricidade em mãos estrangeiras (EDP e REN), pior ainda o é com os cereais usados para as rações animais e para o pão que comemos diariamente, quando actualmente importamos 80% dos bens alimentares. A especulação ou um “lockout” nesta empresa poria o país à fome tornando assim mais fácil este governo ou qualquer outro aceitar ou impor mais austeridade.
Empresa pública será igual a má gestão?
Muitos até aceitam as privatizações porque vêem nas empresas públicas má gestão e prejuízo. Os factos desta empresa são estes: fornecedores e clientes são pagos em 48 horas, os trabalhadores recebem no fim do mês, impostos e dividendos são entregues mensal ou anualmente, conforme o caso, mas com a privatização isso vai mudar. Anualmente, gera 1 milhão de euros de lucro, tornando-se, assim, mais um negócio apetecível, tal como assinala o presidente da administração em declarações ao Público a 16/1: “desde o dia de abertura das propostas as empresas digladiaram-se nos tribunais, com providências cautelares “uns contra os outros”.
Funcionários Públicos!
Sendo a empresa 100% estatal os seus trabalhadores são considerados funcionários públicos, ou seja, toda a austeridade e cortes têm-lhes sido aplicadas, apesar de alguns trabalhadores receberem o salário mínimo. As condições de trabalho são extremas no maior silo do país (200.000 TON), na Trafaria, na foz do rio Tejo: implicam suportar um calor excessivo no verão e muito frio no inverno, cerca de 5ºC, além da exposição aos ventos marítimos. Trabalham com horários com entradas das 8:00 às 24:00; quando há descarga de navio fazem turnos que podem ir até 8 horas seguidas, ultrapassando claramente o limite imposto pela lei de 5 horas; além disso, as avarias regulares nos equipamentos obrigam a longas noites de manutenção e reparação, sendo também por vezes instados a abdicar da hora de almoço ou de jantar. A somar a isto, há o trabalho em alturas de 70 metros, o que equivale a um prédio de 23 andares, coexistindo o fator de risco com o perigo das explosões do pó dos cereais, bem demonstrados nestes dois vídeos: http://www.youtube.com/watch?v=3XfwE2PCJlw; http://www.rtp.pt/noticias/?article=494372&layout=122&visual=61&tm=7&.
Tal como admitiu, em declarações ao jornal Público de 3 de fevereiro, o actual director dos silos da Trafaria: “Nós aqui prometemos trabalho e inferno”. A realidade vai para além dos 100 trabalhadores da Silopor, pois existem também os postos de trabalho paralelos representados pelos 200 camionistas que passam todos os dias no silo para, em seguida, percorrerem o país distribuindo os cereais, e só vêem as famílias ao fim de semana; e ainda os estivadores que também prestam serviço à Silopor. Tudo concertado para garantir que o abastecimento não pare e que não falte pão na mesa de ninguém.
E o povo da Trafaria, pá?
A população da Trafaria nunca perdoou a instalação dum “mamarracho” na sua praia e agora, com o futuro terminal de contentores, a história repete-se. Ninguém lhes pediu opinião, tal como na aplicação das medidas de austeridade o povo é ignorado.
Que fazer?
A EPAC foi dissolvida por imposição da União Europeia aquando da entrada de Portugal na UE, o que obrigou à criação da Silopor. Esta, por sua vez, para usufruir dos antigos silos da EPAC, acumulou uma dívida de 163 milhões de euros, da qual ainda restam pagar 9 milhões, uma dívida ilegítima, pois os silos deveriam ter transitado directamente para a actual empresa.
A Silopor gera 1 milhão de euros por ano, e este valor subiria para 4 milhões não fossem os 3 milhões de juros pagos anualmente, verdadeiramente asfixiantes. A privatização só vai encher os bolsos de banqueiros sem escrúpulos. Para a travar, apenas a luta dos trabalhadores da Silopor em conjunto com a população, saindo à rua para reverter mais um saque da riqueza nacional; a seguir, como o demonstrou a luta dos estivadores, a solidariedade internacional é o caminho a seguir. Politicamente, seria necessário uma unidade de esquerda nas próximas europeias, não uma unidade para defender deputados no parlamento europeu, mas uma unidade para combater o governo, as políticas de Bruxelas e defender as causas do povo. E que causa é agora mais necessária do que a nossa alimentação?
Parece impossível, mas não é: lembremos que a 15 de Setembro de 2012 saíram 500.000 pessoas à rua que forçaram o governo a recuar no aumento da TSU em 8% e, mais tarde, provocaram a demissão de Vítor Gaspar. Apenas uma vitória ao lado de tantos outros cortes. Falando de cereais, lá diz a sabedoria popular que grão a grão enche a galinha o papo.
Não à privatização da Silopor, investimento na agricultura!
A suspensão do pagamento dos juros da dívida fornece o dinheiro necessário!
Tony Almeida