O dia 18 de dezembro de 2013 foi memorável para milhares de professores: impulsionados pela sua ação de base e combatividade, foram capazes de, em dezenas de escolas, concretizarem o boicote à famigerada Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades (PACC) que o ministro Crato quer, nesta fase, impor aos professores contratados, como mais um passo para o seu despedimento e posterior manutenção como mão-de-obra de reserva no ensino. No futuro, se a PACC não for derrotada, uma prova semelhante poderá igualmente ser aplicada aos professores do quadro, como “critério” para enviar milhares de docentes para a mobilidade especial – tal como propõe um relatório do FMI de janeiro de 2013.
“Uma derrota política profunda do ministro”
Nesse dia e por todo o país, os professores fizeram cordões humanos à volta de escolas, cumpriram greve às vigilâncias, ocuparam escolas, boicotaram a prova no interior das próprias salas. Em resultado destas ações, pelo menos um terço dos colegas inscritos não realizou a prova. Para se ter a verdadeira noção da dimensão da derrota das intenções iniciais de Crato, deve-se realçar que o número de professores que realizou a prova é inferior a 25% dos docentes a quem o ministro Crato queria impor a prova até inícios de dezembro passado (no total, 40 mil professores contratados)!
As ações de boicote foram a “resposta solidária de rejeição dos professores por todo o país” (DN, 19/ dezembro/13), da qual resultou “uma derrota política profunda do ministro da Educação” (idem). Depois disso, muitos concluíram – entre dirigentes sindicais e conhecidos comentadores da nossa praça – que a PACC está “ferida de morte”.
As decisões jurídicas dos Tribunais do Porto e do Funchal, que vieram dar razão às providências cautelares interpostas pelos sindicatos – suspendendo assim todos os atos relacionados com a PACC, inclusive a correção das provas já feitas – acrescentam ferimento ao ferimento, crise à crise… Mas cabe aqui perguntar se estas últimas decisões não foram influenciadas pela extraordinária mobilização do 18 de dezembro. Recordemos que, de entre as 20 providências cautelares apresentadas pelos sindicatos, só as duas últimas – anunciadas após o dia 18 – se manifestaram favoráveis aos professores. Será simples coincidência? Ou, pelo contrário, demonstra que foi a luta dos professores que obrigou os tribunais a jogarem esse papel?
O que esperar de Nuno Crato?
Seria de contar que os sucessivos desaires do ministro levassem, se não à sua demissão, a que pelo menos desferisse o golpe final na PACC. Muitos colegas, extremamente moralizados após as ações de boicote de dia 18, o diziam: “Agora é que a prova vai abaixo!”.
Nada disso. Nuno Crato insiste no braço-de-ferro com a classe docente, quer manter a prova, e inclusive recusa-se a devolver o dinheiro da inscrição aos mais de 13 mil colegas que se inscreveram (mais de 270 mil euros que ficam retidos nos cofres do MEC, sabe-se lá para quê!).
Mas os professores já tiraram algumas lições dos últimos processos de luta, e estão a perder as ilusões na seriedade deste ministro. Por exemplo, à greve das avaliações de junho passado, que se saldou numa vitória parcial da classe, sucedeu-se uma série de diretivas abruptas do MEC de cortes de turmas e cursos e, consequentemente, de horários, assim como de aumento do número de alunos/ turma – tudo isto em pleno mês de agosto, beneficiando do facto de as escolas estarem esvaziadas de professores nessa altura. Ou seja, o que Nuno Crato foi obrigado a ceder nessa altura em resultado duma luta de base altamente participada, logo recuperou com medidas administrativas, verdadeiramente ditatoriais, de “compensação”.
Portanto, agora não podemos contar com cedências e recuos do ministro pelo simples facto de ter sofrido uma derrota política, mesmo que pesada. Ele está num governo que não hesita em enfrentar-se à maioria do povo, e que, para isso, chega a passar por cima da normalidade democrática mais elementar. Crato não reconhece nem recuará perante manifestas ilegalidades (como por exemplo as condições em que decorreram algumas provas, em refeitórios e sem os necessários vigilantes) ou irregularidades chocantes (como o facto de a prova ter sido tornada pública muito antes do seu final, inclusive em canais de televisão!). Isso não será decisivo para o ministro. Ele tenderá a deixar passar o tempo para que as “hostes” se acalmem e esperar por uma boa ocasião para desferir novo golpe…
Esta tem sido a sua prática, à semelhança aliás do que faz o resto do governo (veja-se como agem a cada estocadazita do Tribunal Constitucional).
A ação nefasta das direções sindicais
O que é decisivo para a derrota definitiva da PACC é a continuação da luta, a persistência da ação de base e seu controle democrático, e que os professores permaneçam alerta e organizados. Por isso, alguns dos grupos Boicote&Cerco que se constituíram em diversas cidades do país para impulsionar as ações de boicote do dia da prova, voltaram a reunir a 27 de dezembro, em Coimbra.
Se é verdade que o PS apoia e dirige a FNE, e o PCP e BE apoiam e dirigem a FENPROF (e naturalmente os respetivos métodos de atuação) o MAS não esconde que apoia a ação desses grupos de professores independentes, na linha do sindicalismo de base, democrático e combativo que sempre defendeu onde, nomeadamente, todos os professores têm direito à palavra, como se viu por exemplo na manifestação de 30 de novembro nos Aliados no Porto, ou na concentração de 5 de dezembro frente ao Parlamento.
Não é este o sindicalismo que defendem as atuais direções sindicais dos professores. Estas ignoraram vergonhosamente, nas suas páginas e comunicados pós-18 de Dezembro (ver por exemplo a página da Fenprof) o contributo decisivo das ações de boicote para o fracasso da PACC, não mostrando a realidade do que verdadeiramente se passou nesse dia, onde ficou demonstrado que a greve dos professores vigilantes não teria sido suficiente para tamanha derrota do ministro. E mesmo após o contributo importantíssimo do boicote (que a FENPROF nunca apoiou mas que, oportunistamente, tentou passar para a opinião pública como iniciativa sua!) propõem-se agora continuar na senda das pressões “institucionais” (ex., irão pedir reuniões com o MEC e a Comissão de Educação da AR para “solicitar a anulação da prova”!) e duma greve divisionista: “nova paralisação”, caso o MEC convoque outra prova, exatamente nos mesmos moldes, i.e., só de professores vigilantes, deixando de fora os colegas vigiados. Nunca falam da necessidade de novo boicote.
Organizar localmente, coordenar nacionalmente
Outra das lições a tirar da greve às avaliações de junho e que pode ajudar-nos a estarmos mais aptos para o prosseguimento da luta contra a PACC, é o facto de nessa luta não ter havido uma coordenação nacional, apesar da enorme participação dos colegas escola a escola. Certamente que uma mínima organização unificada nacionalmente ter-lhe-ia dado maior eficácia, e talvez até possibilitado uma resposta conjunta aos ataques de Crato no início do ano letivo, quando foram impostas as tais medidas de redução de turmas e cursos. Teremos a ganhar se, a partir da organização local dos grupos Boicote&Cerco nas várias cidades do país, se constituir uma coordenação nacional da luta, que em qualquer momento pode lançar uma iniciativa ou propor uma ação unida de todos os professores do país.
As lições da luta tiram-se no próprio processo de luta. Não baixemos os braços até que esta ignóbil prova seja revogada, e demitido o ministro Crato!
Ana Paula Amaral (professora)