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Subconcessão dos ENVC é mais um passo na destruição da indústria nacional

O Governo liderado por Pedro Passos Coelho avançou com a subconcessão dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC), através de um processo que se tornou num escândalo não só pelas negociatas obscuras em que está envolvida, mas também, e, principalmente, porque faz parte de uma política de destruição da indústria pesada em Portugal que ainda pertence ao Estado e de uma estratégia mais alargada da União Europeia (UE) para acabar com o tecido industrial português, ligado à produção de equipamentos/infraestruturas chave, como navios, comboios, ferrovias e maquinaria pesada.

O próprio presidente da Câmara de Viana do Castelo, José Maria Costa, disse publicamente que “parece ter havido uma intenção clara de descapitalizar e desativar” os estaleiros, já que “Portugal não tem ativado os fundos para apoiar a indústria naval e a União Europeia não tem dado atenção a uma indústria do Sul da Europa que está a ser desmantelada, transferindo-se as encomendas para o Extremo Oriente”.

Depois da EDP, ANA e CTT, o Governo, sob a tutela da Troika (FMI, CE e BCE), abre portas agora à subconcessão/privatização dos ENVC, com o objetivo de fazer com que Portugal se transforme cada vez mais num mero mercado consumidor de produtos industriais de empresas privadas e/ou de outros países da União Europeia ou fora do espaço europeu.

ENVC subconcessionados à Martifer num processo obscuro e duvidoso

Os ENVC foram já subconcessionados ao grupo português Martifer até 2031, num processo obscuro e duvidoso, marcado por “estranhas coincidências” que parecem revelar uma estratégia bem planeada para privatizar os Estaleiros.

Vejamos então:

A Martifer foi a única empresa que se apresentou ao concurso público de subconcessão dos ENVC, depois da exclusão de um investidor russo, alegadamente por incumprimento dos requisitos do concurso. O grupo venceu o concurso e vai assumir, desta forma, já em janeiro de 2014, a subconcessão dos terrenos, infraestruturas e equipamentos dos Estaleiros.

Há também indícios que apontam que a Empordef, a ‘holding’ do Estado português que controla os ENVC, terá sido assessorada, no âmbito do processo de subconcessão dos Estaleiros à Martifer, pelo escritório de advogados JPAB – José Pedro Aguiar-Branco & Associados, do qual o atual ministro da Defesa Nacional é sócio principal.

Como se não bastasse, a Martifer vai pagar um valor quatro vezes inferior pelos terrenos dos ENVC, quando comparado com uma empresa vizinha. Segundo os acordos do contrato de subconcessão, o grupo vai pagar ao Estado uma renda anual de 415 mil euros pelos 245.162 m2 de terrenos dos Estaleiros, ou seja, cerca de 12 cêntimos por metro quadrado. Trata-se de um valor muito inferior ao pago pela multinacional alemã Enercon, do setor eólico, a quem os ENVC subconcessionaram, em junho de 2006 e até 2031, uma parcela com 106.607 m2 para a instalação de duas fábricas e pela qual paga 55 cêntimos por metro quadrado.

Estado pede empréstimo de 30 milhões de euros para despedir trabalhadores e só vai receber, no total, 7 milhões da Martifer pela subconcessão

Mais estranho ainda é o facto de que a Martifer, cuja viabilidade financeira já foi questionada no Parlamento, vai pagar ao Estado, no total, 7 milhões de euros pelo negócio, enquanto o Estado vai desembolsar cerca 30 milhões de euros, através de um empréstimo bancário, para suportar o pagamento das indemnizações aos mais de 600 trabalhadores que serão despedidos no âmbito do processo de subconcessão.

Os ENVC são uma empresa viável (ao contrário do que faz crer o Governo) e fundamental para a indústria e a economia portuguesa, mas chegou a um situação limite por culpa do próprio Executivo, por má gestão, e por uma estratégia que parece clara de levar a construtora naval pública a uma condição de falência, com o intuito de viabilizar a sua privatização.

Falta de vontade política e má gestão atrasaram construção e entrega de navios

A má gestão, os atrasos burocráticos, bem como a falta de vontade política para manter os Estaleiros em bom funcionamento e garantir os postos de trabalho levou ao atraso, por exemplo, da construção de dois navios asfalteiros encomendados em 2010 pelo Governo da Venezuela e que, devido a sucessivos atrasos na compra de materiais, nunca chegaram a avançar, levando a um processo de descredibilização da empresa, pelo não cumprimento de prazos.

Em junho de 2012, o presidente da Câmara de Viana do Castelo denunciou a existência de uma “estratégia clara de descredibilização” da empresa e acusou o Governo e a Empordef de “empurrar o problema com a barriga, para ver se os navios não são construídos”. O negócio com a Venezuela implica um montante global de 128 milhões de euros.

Também devido aos processos de reprivatização e de subconcessão dos ENVC, a Empordef e a administração dos Estaleiros gastaram cerca 300 mil euros em várias assessorias contratadas desde 2011, segundo dados divulgados pela Lusa.

Já no passado mês de novembro, José Maria Costa, reeleito para a Câmara de Viana, denunciou o Governo Regional dos Açores por ter encomendado recentemente aos ENVC dois novos navios de transporte de passageiros e viaturas, depois de ter renunciado e rescindido contrato, anos antes, com os Estaleiros para a aquisição do ferryboat Atlântida, que está a “apodrecer” desde 2009 nos seus armazéns, ano em que foi rejeitado pelo Governo Regional, e do navio Anticiclone, tendo os Estaleiros arcado com os prejuízos da rescisão.

Trabalhadores lutam para travar privatização da empresa e exigem suspensão da subconcessão

Apesar da estratégia bem planeada que parece ter sido montada para privatizar os ENVC e do processo de subconcessão dos Estaleiros à Martifer, os trabalhadores da construtura naval estão a lutar para tentar travar a sua subconcessão/privatização e garantir que os ENVC continuem a pertencer ao Estado e a assegurar os postos de todos os trabalhadores.

Já foram realizadas várias manifestações e ações de protesto para denunciar o negócio ruinoso para o país que representa a subconcessão dos ENVC à Martifer e o despedimento de mais de 600 trabalhadores e para exigir a suspensão desse processo.

Os trabalhadores dos ENVC afirmaram, no final do protesto realizado no dia 18 de dezembro em Lisboa, que a Martifer “não dá garantias de que a construção naval continua a ser estratégica para Viana e para o país” e que o “despedimento representa um crime contra a região, a construção naval e a economia local”.

O MAS está solidário com a luta dos trabalhadores dos ENVC e contra a subconcessão/privatização da empresa, os despedimentos e a destruição de mais uma grande empresa do tecido industrial português pertencente ao Estado. Estamos ao lado de todos os trabalhadores dos ENVC para exigir:

Anulação imediata da subconcessão dos ENVC à Martifer!

Manutenção de todos os postos de trabalho!

Não à privatização do ENVC!

Investimento público nos ENVC!

 

Maria Castro

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