Porque é que marcou a CGTP a “manif da ponte”, em vez de uma manifestação com um percurso mais habitual? A CGTP, comandada pelo PCP e apoiada pelo BE, adiou todo o calendário de lutas para depois das autárquicas. O objectivo era “levar a luta até ao voto”, ou seja fazer as pazes com o Governo nas ruas para “enfrentá-lo” nas urnas. O resultado está à vista: o ano passado, depois de três grandes manifestações em Setembro o Governo estava na corda bamba e tinha recuado com a TSU. Já o castigo eleitoral nas autárquicas não fez nada de parecido.
A CGTP convocou a manifestação de dia 19 na ponte para “ficar bem na fotografia”. Depois de, com o BE, ter atrelado o movimento Que Se Lixe a Troika (QSLT) à sua agenda partidária, o PCP procura mostrar a CGTP como a promotora das maiores e manifestações em Portugal. A CGTP havia perdido esse lugar para os novos movimentos, que realizaram as grandes manifestações de 12 de Março de 2011 e 15 de Setembro de 2012. Agora que, temporariamente, as manifestações “inorgânicas” pararam, a CGTP queria “chegar-se à frente”. Foi por isso que quis fazer algo diferente das suas tradicionais marchas, por isso escolheu a ponte. Era um golpe de vista: tirando o belo cenário do Tejo, seria um desfile totalmente controlado pela CGTP a acabar num local inócuo: Alcântara. Era mudar algo para que tudo ficasse na mesma.
O Governo faz bluff e Arménio Carlos cede
Perante isto o governo decidiu mostrar a força que não tem: alegando falsos motivos de segurança, o governo decidiu “proibir” a manifestação, coisa que é, ela mesma, ilegal. Porque cedeu Arménio Carlos, que na retórica é tão duro com o governo?
Antes de mais convém perceber que, caso a CGTP quisesse, o governo teria pouca margem de manobra. Uma carga policial junto à ponte contra uma manifestação pacífica, em plena implementação do Orçamento de Estado mais duro de sempre, poderia desatar uma onda de indignação que não se sabe onde acabaria. O Governo, já odiado, arriscava-se a acabar como Cavaco em 1994. O mais provável era o governo ceder à última da hora. Caso o fizesse sairia altamente descredibilizado e a CGTP daria uma chapada de luva branca no governo. Caso reprimisse, não só cairia ainda mais no descrédito total, como se arriscava a desatar uma nova onda de mobilização popular, como aconteceu no Brasil ou na Turquia após a repressão policial…
Foi por isso mesmo que a CGTP recuou. Todo o esforço da CGTP, do movimento Que Se Lixe a Troika (QSLT), do PCP e do BE tem sido no sentido de garantir que todas as manifestações no país estão sob o seu controlo. E um confronto com o governo neste momento podia ter o efeito oposto: despertar a raiva acumulada, por fora do controlo de quaisquer partidos. E isso é a última coisa que o Arménio Carlos, Secretário-geral da CGTP, membro do Comité Central do PCP quer.
Ao ceder a CGTP deu um sinal do sindicalismo que quer: obediente e bem comportado. Nem sequer um sindicalismo que cumpre a lei, porque a lei diz que as manifestações não precisam de autorização. A CGTP alega com o perigo de carga policial. Não acreditamos que o governo mandasse a carregar, porém perguntamos: se manhã o Governo proibir manifestações na Avenida da Liberdade ou nos Aliados, a CGTP vai recuar mais uma vez? Isso seria ceder sem luta a um direito conquistado pelo suor e sangue de muitos sindicalistas e comunistas em particular.
Os ziguezagues da direcção da CGTP são o que descredibiliza os sindicatos e leva à desmobilização e desindicalização. E são o que faz com que as suas manifestações sejam mais pequenas do que poderiam ser, do que era necessário. A “manifestação” de dia 19 foi exemplo disso. Dezenas de milhares de pessoas são trazidas até à Margem Sul do Tejo (algumas vindas de Viseu), para atravessarem a ponte, pagarem portagem, ouvirem o discurso de Arménio Carlos e voltarem para casa. O governo ficou mais fraco, os trabalhadores mais fortes? Pouco ou nada, infelizmente.
É possível lutar para vencer
No Verão as fortes manifestações brasileiras mostraram como se podia vencer. Só a presença massiva e permanente nas ruas, livre das agendas partidárias, sem chefes que decidem tudo sem ouvir ninguém, sem medo das ameaças do governo, pode vencer. Em Itália nos últimos dias centenas de milhares saíram às ruas contra a austeridade, chamados pelos sindicatos alternativos e os movimentos sociais. Estão há dias acampados em Roma em protesto. Também em Portugal há vontade popular para protestos mais fortes e contundentes, como se viu o ano passado com o 15 de Setembro. Também cá há movimentos, activistas e sindicatos, que não estão presos ao QSLT, à CGTP nem ao BE e ao PCP.
Faz falta um movimento sindical independente e combativo. Faz falta que os movimentos “inorgânicos” saiam do controlo que o QSLT lhes impôs. Faz falta que a raiva popular se volte a expressar livremente. Essa é a forma de derrubar este Orçamento de Estado e o seu governo. É nisso que apostamos.
A manifestação de dia 26 de Outubro deve contar com todos. Deve também continuar, com todos, como no Brasil, como em Itália, como no ano passado em Setembro e Outubro em que manifestações sucessivas e greves como a dos estivadores deixaram o Governo à beira do precipício e derrotaram a TSU. Ao QSLT que convocou a manifestação cabe não repetir o modelo “Arménio Carlos” mandar todos para casa. Se o fizer há que construir as alianças necessárias para continuar a lutar. Não podemos ceder mais.