Ao tentar explicar a problemática das taxas do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) encontramos ligações que se perdem numa densa nebulosa de interesses que é difícil de compreender se não conseguirmos vermos todo o painel onde esta comédia trágica se desenrola.
Nesta altura uma pergunta se levanta acima de tudo: ‘porque é que as taxas implementadas pela Portaria 138-A/2010, de 4 de Março, ainda estão de pé?’ ‘Porque resistem mesmo após os dois partidos sustentadores da actual maioria decadente terem referido que esta deveria ser revogada e substituída o mais depressa possível?’ ‘Porque depois de serem governo insistem na manutenção das taxas e viram as costas às promessas feitas?’ Em suma, que interesses se movem por detrás de todo este cenário?
Talvez não seja possível entender as taxas somente olhando para elas no seu contexto e sem introduzir outros elementos, tais como o Plano de Ordenamento do Parque Nacional da Peneda-Gerês e a Fundação Pan Parks. Será que as outras áreas protegidas em Portugal estão reféns de um acordo feito entre o Estado Português e a Pan Parks? Será que as taxas surgem em seguimento de acordos entre a Pan Parks e o então Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade?
O Plano de Ordenamento do Parque Nacional da Peneda-Gerês foi aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 134/95, de 11 de Novembro, para vigorar por um período de 10 anos. O actual Plano de Ordenamento do Parque Nacional da Peneda-Gerês foi publicado no Diário da República através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 11-A/2011, de 04 de Fevereiro (Diário da República n.º 25, Suplemento, Série I de 2011-02-04 – Presidência do Conselho de Ministros) e resulta de largos meses (senão anos) de uma acalorada discussão que a certo ponto levou à verdadeira catástrofe que se viveu no Parque Nacional no Verão de 2010.
Um pormenor interessante que mereceu uma discussão pública acesa foi a introdução da fórmula matemática do conceito ‘wilderness’ que tinha como objectivo a identificação de uma grande área sem influência do homem e que no Plano de Ordenamento está quase representada pela Zona de Protecção Total (ZPT). Esta tentativa de isolar parte do parque nacional mereceu uma grande contestação por parte das populações e não só, encontrando apenas defensores nas hostes mais conservacionistas a nível ambiental e nos seus promotores dentro do PNPG. A contestação foi de dimensão tal, que o conceito acabou por ser aparentemente abandonado.
Nesta altura coloca-se a questão? De onde surge o conceito ‘wilderness’? O actual POPNPG não pode ser compreendido se ser relacionado com o contrato realizado entre Portugal e a Pan Parks. Este contrato foi assinado a 12 de Novembro de 2007 em Lisboa ao fim de vários anos de negociações e envolveu o ICNB, o PNPG e a Fundação Pan Parks. O que é a Fundação Pan Parks? Esta é uma fundação europeia que tem como objectivo certificar a gestão de áreas protegidas. A Pan Parks diz que tem como missão a protecção dos habitats naturais e ecossistemas frágeis; o trabalho em cooperação com áreas protegidas europeias para utilizar a sua certificação para garantir a salvaguarda das áreas selvagens (wilderness); a promoção de um turismo sustentável e responsável para a expansão do amor, respeito e orgulho pelas áreas selvagens na Europa.
Apesar de todas estas boas intenções, a Pan Parks em tempos já referiu que a “PAN Parks does not want to make nature ‘available to all’. PAN Parks is the European wilderness protection organisation”, simplesmente “A PAN não quer tornar a natureza ‘disponível para todos’. A PAN Parks é a organização europeia de protecção da vida selvagem.”
Com a assinatura do contrato com a Fundação Pan Parks, o Estado Português comprometia-se a criar uma zona wilderness no Parque Nacional da Peneda-Gerês. Isto levou à criação de uma fórmula matemática que criou na versão original uma área wilderness que se estendia entre parte da Serra Amarela e a parte superior do Vale do Homem, apostando na sua expansão ao longo dos anos partindo do princípio do abandono das actividades de pastorícia por partes das populações serranas. A ideia era simples: com o desaparecimento da pastorícia na Serra do Gerês e a sua manutenção junto dos núcleos populacionais com um intuito meramente turístico (pois a imagem da pastorícia é vendida como um factor promocional pela Pan Parks para atrair os visitantes para os seus parceiros), seria mais fácil criar zonas totalmente interditas nas quais somente os visitantes Pan Parks pudessem aceder ao solicitar serviços dos parceiros turísticos credenciados pela própria Pan Parks.
No entanto, a criação destas zonas no imediato não seria possível por várias razões, sendo a principal a presença transumante dos gados na Serra do Gerês através das vezeiras. Assim, o POPNPG teria de criar as barreiras que ao longo do tempo levasse ao abandono destas actividades e ao abandono da presença de visitantes em determinadas zonas do parque nacional. Isto levou à implementação de diferentes áreas de protecção, sendo a Área de Protecção Total a área mais restrita em termos de protecção. No entanto, o espírito com o qual o POPNPG foi lavrado indicava uma abertura do PNPG à visitação, algo que parece estar em contradição com as intenções da criação de uma zona wilderness na qual a influência e presença humana fosse mínima.
As diferentes áreas de protecção estabelecem um factor carga na visitação ao estipularem os números mínimos de visitantes para os quais é necessária uma autorização. Assim, a visita à Área de Protecção Total requer uma autorização seja qual for o número de visitantes, enquanto que a Área de Protecção Complementar de Tipo I esse número é estabelecido num máximo de 10 (isto é, a visitação é permitida sem autorização até grupos de 10 pessoas) e na Área de Protecção Complementar de Tipo II esse número é fixado em 15 pessoas. Todas estas áreas estão dentro da denominada Zona de Ambiente Natural (na Zona de Ambiente Rural não há necessidade de qualquer autorização seja qual for o número de visitantes e o local a visitar).
Partindo do pressuposto que os visitantes teriam a iniciativa de solicitar esta autorização, previa-se que o número de solicitações fosse aumentando ao longo do tempo. No entanto, a abertura do PNPG à visitação (mesmo com a necessidade de autorização em determinadas zonas) levaria a que a maioria dos potenciais visitantes não utilizasse os serviços das empresas e entidades certificadas pela Pan Parks. Assim sendo, porque razão as empresas de animação de turismo de natureza se iriam associar à Pan Parks?
Esta situação é resolvida com o aparecimento da Portaria 1245/2009, de 13 de Outubro, na qual são estabelecidas taxas a pagar pelos pedidos de autorização para a realização de actividades de visitação dentro das áreas protegidas nacionais. Na altura a taxa é estipulada em €200,00, mas esta portaria acabaria por ser revogada passado algum tempo pela Portaria 1397/2009, de 4 de Dezembro, devido aos fortes protestos gerados. A 4 de Março de 2010 é publicada a Portaria 138-A/2010 que não estabelece qualquer taxa a pagar pelos pedidos de autorização para a realização de actividades de visitação dentro das áreas protegidas nacionais. No entanto, e ao contrário do que seria de esperar, a tutela desde então tem feito uma leitura abusiva, errada e ilegal de tal portaria, taxando todos os pedidos de autorização.
Porque é que isto ainda acontece? O que está escondido no contrato celebrado entre o Estado Português e a Fundação Pan Parks para que a taxação ainda se mantenha apesar de todas as promessas e protestos?
Será que no fundo as taxas são a ponta visível de mais um mau negócio realizado pelos governantes deste país? Será que as taxas foi uma tentativa falhada de empurrar os visitantes do Parque Nacional da Peneda-Gerês para as tais empresas e entidades certificadas pela Pan Parks e que tiveram o efeito perverso de colocar os visitantes de outras áreas protegidas a pagarem taxas?
Todas estas questões merecem uma resposta! É por estas questões e para exigir de uma vez por todas o fim das taxas e a revogação da Portaria 138-A/2010, que é importante terminar esta política que taxação abusiva e de má gestão das nossas áreas protegidas!
A Natureza é de Todos e para Todos! Junta-te à luta pelo fim das taxas!
Alguns factos:
– em 2011/2012 foi encetada uma série de lutas contra as taxas impostas pela Portaria 138-A/2012, de 4 de Março.
– em 2012 foram feitas várias reuniões com os grupos parlamentares e quase todos concordaram que a portaria era injusta, não fazia sentido e deveria ser alterada.
– em 2012 vários grupos parlamentares levaram à Assembleia da República propostas de alteração ou de revogação da Portaria 138-A/2012, de 4 de Março.
– em Julho de 2012 é realizada uma reunião com a Secretaria de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural na qual se debate a problemática das taxas, chegando-se à conclusão da alteração da Portaria 138-A/2010, de 4 de Março e breve publicação da nova portaria.
– a 2 de Agosto de 2012 a Assembleia da República emite a Resolução n.º 98/2012 na qual recomenda ao governo que proceda à revisão da Portaria 138-A/2012 e avalie a adequação das medidas restritivas ao acesso a actividades agrícolas e desportivas em áreas protegidas.
– em princípios de 2013 a problemática das taxas é de novo levantada na Assembleia da República com o governo a afirmar que as alterações serão publicadas “…em breve.”
– em Março de 2013, e após uma queixa apresentada devido à cobrança de taxas num trajecto dentro do Parque Nacional da Peneda-Gerês, o Provedor de Justiça declara que a cobrança de taxas não está definida para os pedidos de autorização para a realização de actividades de visitação dentro das áreas protegidas e como tal é ilegal a sua cobrança por parte do ICNF.
Assim, e perante todos estes factos, só mesmo uma tutela sem um pingo de vergonha na cara é ainda capaz de manter estas taxas em vigor e fazer tábua rasa da decisão do Provedor de Justiça, continuando a exigir aos seus funcionários a cobrança de uma taxa ilegal.
Perante este cenário só uma opção é possível e esta é a desobediência civil perante tamanho atentado à nossa liberdade de caminhar!
Rui Barbosa