Dezanove dias de greve dos professores às avaliações surpreenderam toda a gente – ministério e sindicatos incluídos – e fizeram abanar Nuno Crato e o seu governo. Os professores estão de parabéns. Eles demonstraram que lutar afinal vale a pena e pode alcançar resultados!
Grande participação dos professores
Com uma greve que levou a que, entre 7 a 25 de junho, não se realizassem 90 a 100% dos conselhos de turma na grande maioria das escolas do país, deixando em suspenso pais e alunos, à espera das notas; que foi capaz de boicotar um exame nacional (Português, a 17 de junho) apesar das intimidações do Ministério da Educação (ME) e das inúmeras irregularidades cometidas (e autorizadas pelo próprio ME!) na sua realização – com essa luta, mantida à custa duma enorme participação da base e uma auto-organização constante, os professores conduziram a um desfecho que pode ser considerado uma vitória, mesmo que parcial, e que só não foi mais longe devido à “pressa” das direções sindicais em colocar um ponto final na mobilização antes da greve geral de 27 de junho. E porque essa direções insistem em não consultar a classe para sufragar (ou não) os acordos com a tutela.
Ganhámos ou perdemos?
Os trabalhadores são práticos. Quando uma luta chega ao fim fazem um balanço: ganhámos ou perdemos? As reivindicações foram totalmente satisfeitas, parcialmente satisfeitas ou derrotadas? Na luta dos professores o que estava em causa era a aplicação da mobilidade especial (antecâmara do despedimento) a partir do próximo ano letivo; o aumento do horário semanal para as 40 horas; a passagem da Direção de Turma para a componente não-letiva (só esta medida significava 3000 horários a menos).
Na ata negocial assinada a 25 de junho entre o ME e as direções sindicais, ficou acordado que:
1. A mobilidade especial dos professores é adiada para fevereiro de 2015. Um ganho de tempo, ainda que não de princípio, pois as direções acabam por aceitar a aplicação da medida, apenas adiando-a;
2. O horário letivo não será alargado, pelo menos para já, embora seja aceite o aumento das 35 para as 40 horas (no caso dos professores reflete-se na componente não-letiva, o que não contribui para a perda de postos de trabalho);
3. A Direção de Turma regressa à componente letiva, com 100 minutos atribuídos;
4. A mobilidade dos professores do quadro fica limitada aos 60 km (a proposta anterior era de 150 km);
5. Os professores que pediram a aposentação ficam a aguardá-la sem horário atribuído, o que permite libertar alguns horários para contratação (ou para os colegas com horário-zero).
Em suma, entre recuos do governo e cedências dos sindicatos, ganhámos mais do que perdemos, tendo em conta que as exigências da troika são para avançar já e em força com as medidas de “reforma” (leia-se, destruição de direitos) dos trabalhadores da Administração Pública, sem adiamentos nem concessões.
Uma greve que “fez mossa”
A haver algum sentimento de vitória entre os professores, ele deve ser imputado à sua auto-organização e mobilização escola a escola. Nem o governo nem, possivelmente, os próprios responsáveis sindicais esperavam uma tal capacidade de resistência, após as derrotas nos enfrentamentos com Sócrates/ Mª de Lurdes Rodrigues. Noutra greve às avaliações que os professores fizeram nos anos 90, e de que guardam boa memória (porque também ganharam) os docentes lutaram uma semana… desta vez, numa relação de forças muito mais difícil, aguentaram quase três, e com elevados níveis de participação! Ficou evidente que a luta dos professores “estava a fazer mossa” no ME e que, “de forma simples e relativamente barata, o boicote aos conselhos de turma estava a ser muito eficaz” (Expresso, 29/ junho).
Hoje sentimos que se tratou duma vitória parcial porque se poderia ter ido mais longe…se os professores tivessem sido consultados pelas suas direções no momento do fechar das negociações com o ME; se tivessem podido discutir a ata negocial, votar a sua aprovação ou não, decidir por eles próprios levantar ou continuar a greve, e inclusive discutir de como tomar parte na greve geral que se aproximava.
Bem sabemos que esse não é o sindicalismo praticado pelas atuais direções, que canalizam tudo para a mesa das negociações. Mas é o sindicalismo que o MAS defende.
Manter o alerta, não confiar em promessas
Com base no exemplo desta luta, apelamos a que os professores se mantenham alerta e organizados nas escolas, para não serem surpreendidos por qualquer volte-face, deste ou doutro governo; e que exijam das direções sindicais a convocação de mobilizações para setembro, caso as promessas contidas na ata negocial não se transformem em atos legislativos claros. De facto, essa ata contém apenas “compromissos” (…) em como o ME irá “apresentar, nos casos aplicáveis, as necessárias propostas de alteração ao projeto-lei apresentado à Assembleia da República e ao Despacho normativo 7/2013” (da organização do próximo ano letivo). Dito de outro modo, o ministro “compromete-se” a fazer alterações ao projeto-lei que impõe a mobilidade especial e o aumento do horário de trabalho, assim como ao despacho que organiza o próximo ano letivo.
Nuno Crato pode fazer gato sapato do que assinou e prometeu, e não seria a primeira vez. Estamos a falar dum ministro que autorizou ilegalidades flagrantes na realização dum exame nacional, e dum governo que ignora e trapaceia decisões do Tribunal Constitucional! Não podemos adormecer à sombra das promessas deste ministro/governo.
Repercussões da luta na crise do governo
Uma coisa é certa: a luta dos professores foi tão forte que teve eco na crise política que o país atravessa. Foi o próprio ex-ministro Gaspar, demissionário desde 1 de julho, que viu nas cedências do ME aos professores “um grave precedente” (DN, 2/julho). Do seu gabinete “terá saído a notícia (…) de que, por causa dos professores, a troika já não acreditava nas reformas” (idem).
Tanto pior para a troika, tanto melhor para os professores e restante classe trabalhadora. Vítor Gaspar que, como sabemos, foi sempre pela aplicação pura e dura das medidas de austeridade, quis demitir-se em outubro de 2012 após a enorme manifestação de 15 de Setembro que derrotou a TSU. Acabou por sair agora do governo, após as “cedências” aos professores. Fica provado que as mobilizações e greves podem levar a recuos nas medidas, a crises na classe dominante e até à queda dos seus governos (mais tarde ou mais cedo).
Ana Paula Amaral, professora