EUA usam Google e Facebook para vigiar o mundo

“Em minha opinião, não houve na história americana um vazamento mais importante do que a denúncia por Edward Snowden de material da NSA [Agência Nacional de Segurança] – o que certamente inclui os «Papéis do Pentágono» há 40 anos.” Quem escreveu isso no jornal inglês The Guardian, em 10 de junho último, foi Daniel Ellsberg, justamente o funcionário do Pentágono que, em 1971, entregou ao New York Times documentos secretos a demonstrar que a guerra do Vietname estava perdida, que o governo americano tinha consciência disso e, mesmo assim, insistia em mantê-la.

Edward Snowden também foi um espião, como Daniel Ellsberg, a serviço da CIA, primeiro, e da NSA, a seguir, até resolver denunciar nos últimos dias que esta agência do governo americano tem a capacidade de ter acesso a tudo o que dizem ou escrevem, por telefone ou pela Internet, todas as pessoas do mundo. “A NSA criou uma infraestrutura que lhe permite intercetar praticamente tudo e capturar a imensa maioria das comunicações humanas de maneira automática e sem selecionar objetivos. Se, por exemplo, eu quero ver os seus correios eletrónicos ou o telefone de sua mulher, a única coisa que preciso é usar métodos de intercetação, que me permitem obter correios, contra-senhas, registos de telefone, dados de cartões de crédito”, descreveu Sonwden em entrevista ao Guardian.

Questionado, na mesma entrevista, sobre a razão que o levou a denunciar esse gigantesco “grande irmão”, denominado Prism, montado com a colaboração dos gigantes da informática e da Internet – Microsoft, Google, Skipe, YouTube e Facebook – ele explicou: “Não quero viver num mundo em que se grava tudo o que digo e faço. É algo que não estou disposto a defender nem com o qual queira viver.”

Crise na Casa Branca

A denúncia de Snowden caiu como uma bomba no já desgastado governo de Barack Obama. Dias antes da denúncia do ex-espião havia sido revelado que a Casa Branca ordenara o registo de milhares de chamadas da maior companhia telefónica americana, a Verizon. Sem saber como se livrar da pecha de ser um novo Bush, Obama defendeu os programas de vigilância das comunicações com o surrado argumento da luta contra o terrorismo.

O diretor dos serviços secretos dos Estados Unidos, James Clapper, por sua vez, chamou a imprensa de irresponsável por revelar os meandros dos dois programas de espionagem de comunicações privadas utilizados pelo governo americano. O programa de registo de chamadas telefónicas dos EUA com o estrangeiro entrou em vigor em 2006, e o Prism, em 2008, ambos aprovados pelo Congresso americano.

“Não se pode ter 100% de segurança e 100% de privacidade. É preciso fazer concessões, e estas pequenas concessões nos ajudam a prevenir ataques terroristas”, disse Obama. O problema é que não são pequenas concessões, pois trata-se de controlar nos mínimos detalhes a vida privada de grande parcela da humanidade, nem está provada a eficácia desse controlo para impedir supostas ações terroristas. Até porque, e que o digam os iraquianos e afegãos, os EUA são campeões na utilização de métodos terroristas para reprimir a legítima revolta dos povos contra as suas forças de ocupação.

Um novo Bradley Manning?

O que terá levado Edward Snowden, um jovem de 29 anos com um salário de 200 mil dólares por ano, a viver tranquilamente com a namorada no Havai, a correr o risco de ser condenado a prisão perpétua por denunciar o Prism? Ele mesmo respondeu ao dizer que não quer viver num mundo sem liberdade, onde tudo que se diz e faz é registado pelo serviço secreto do país mais poderoso do planeta. Snowden afirmou que não poderia, “com a consciência tranquila, permitir que os EUA destruam as liberdades fundamentais de pessoas em todo o mundo”.

Ele não foi o único a entrar em conflito com a sua atividade de peão do imperialismo americano e arriscar a própria liberdade para denunciar a privação da liberdade e da vida de outros. Antes dele houve vários, entre os quais o já citado Daniel Ellsberg e o protagonista de um caso bem mais recente, o soldado Bradley Manning.

Manning, que prestava serviço militar no Iraque, repassou documentos ao site Wikileaks em 2010 a denunciar os abusos sofridos por prisioneiros iraquianos e divulgou um vídeo, conhecido como “Collateral Murder” [Assassinato Colateral], no qual se veem militares americanos num helicóptero Apache a assassinar 12 civis desarmados, entre os quais dois jornalistas da Agência Reuters.

Manning está preso há três anos e agora responde em tribunal militar a várias acusações, entre as quais a de colaborar com o inimigo, cuja pena é prisão perpétua, num julgamento que é uma verdadeira farsa. “Supus que, se o público, principalmente o público norte-americano, assistisse àquele vídeo, talvez surgisse algum debate sobre os militares e a nossa política externa em geral, como era aplicada ao Iraque e ao Afeganistão”, explicou ao tribunal. Ele contou que ficou muito perturbado ao ver a reação dos soldados americanos diante das mortes que provocavam: “Parecem não dar valor algum à vida humana e referem-se [aos seus alvos] como «filhos da puta mortos»”.

Julian Assange, jornalista australiano e porta-voz do Wikileaks, desde o final de 2012 refugiado na embaixada do Equador em Londres para evitar a extradição para a Suécia e, a seguir, para os Estados Unidos por ter divulgado os documento enviados por Manning, considera Snowden “um jovem heroico”. A mesma opinião tem Ellsberg.

São, de facto, todos eles, heróis de milhões de outros heróis anónimos que enfrentam exércitos nas praças e ruas por esse mundo, de Taksim, em Istambul, ao Sol, em Madrid; de Tahrir, no Cairo, à sangrenta guerra civil na Síria contra a ditadura de Assad.

É a luta contra a opressão e a exploração em todo o mundo que explica a atitude de Ellsberg, Manning e Snowden de denunciar os seus antigos patrões.

Cristina Portella

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