1maio2013

Passos morde, Portas assopra e Seguro comenta

Nos últimos dias assistimos a mais um capítulo revelador da sordidez dos que nos governam e daqueles que com eles compactuam.

Passos Coelho deu a conhecer as medidas que pretende implementar para reduzir os gastos públicos em 4.800 milhões até 2015: despedimento de 30 mil funcionários públicos; ampliação do horário de trabalho e outras penalizações na Função Pública; nova taxa sobre pensões e reformas; aumento da idade da reforma; cortes brutais na saúde, educação, segurança social, etc.

Essas medidas foram pactuadas pelo governo com a troika e terão um efeito devastador no já frágil equilíbrio dos serviços públicos prestados à população, nomeadamente na saúde, educação e prestações sociais. Ao mesmo tempo, retira direitos conquistados com o 25 de abril, como a idade da reforma e a garantia no emprego, e penaliza, mais uma vez, os reformados e pensionistas, como se o envelhecimento fosse um crime.

Mais uma vez, as novas medidas deixaram de fora os que, nos últimos anos, lucraram com a crise e a austeridade e roubaram descaradamente os cofres públicos, como os banqueiros, os ladrões do BPN e das Parcerias Público Privadas (PPPs), os conhecidos políticos e empresários corruptos. Esses vão continuar a usufruir das benesses públicas, pois o dinheiro que nos tiram servem justamente para manter intocados os seus lucros e regalias.

A reação de Portas

Dias depois de Passos Coelho, foi a vez do ministro dos Negócios Estrangeiros e líder do CDS, Paulo Portas, fazer a sua declaração à nação. Como se do governo não fizesse parte, mas sem em nenhum momento ponderar a rutura com a coligação, criticou uma das medidas apresentadas pelo primeiro-ministro – a nova taxa sobre pensões e reformas -, justamente aquela que o primeiro-ministro já admitiu alterar.

A encenação de Portas tem um duplo objetivo: por um lado, tentar salvar a cara do seu partido junto a uma parcela da população que, supostamente, simpatiza com o CDS, cuja oportunista defesa em campanhas eleitorais dos direitos dos reformados e pensionistas vem sendo desmascarada com a sua presença no atual governo; por outro lado, cria um tema de debate para atrair os setores mais dóceis da oposição – UGT e PS – para a mesa de negociações e, desta forma, legitimar as medidas desse novo pacote de austeridade.

O comentário de Seguro

António José Seguro, secretário-geral do PS, também disse o que pensa desse novo ataque do governo aos direitos dos trabalhadores e ao que resta do estado social em entrevista à TVI: ele não concorda, mas, como é um democrata, e a Assembleia da República recusou a moção de censura do PS ao governo, nada lhe resta a fazer senão… não fazer nada. Mais um ator, como Portas, a tentar posar de oposição.

Seguro explicou que o seu objetivo é igual ao do governo, qual seja, a consolidação das contas públicas. A diferença entre o seu partido e o governo estaria nas formas de alcançá-lo. Para ele, é preciso renegociar com a troika – em suas palavras, os “nossos parceiros europeus” – mais tempo para cumprir o memorando e baixar o défice; a indexação da consolidação fiscal à evolução da economia nacional e a redução da taxa de juros dos empréstimos.

Em síntese, continua a apoiar o cumprimento do memorando com a troika, aliás firmado pelo seu antecessor no PS, José Sócrates, mas quer mais tempo para cumpri-lo e juros mais baixos para continuar a pagar a dívida pública. Diz não concordar com as medidas de austeridade do governo, mas não aponta nenhuma saída para romper com essa mesma política a não ser esperar pelas próximas eleições legislativas que, de acordo com os desejos do secretário-geral do PS, deveriam dar maioria absoluta ao seu partido.

Mas a solução proposta por Seguro tem vários problemas, e o principal deles é não ser solução nenhuma. Ele quer que o país continue amarrado à troika, ao compromisso de baixar o défice custe o que custar e ao pagamento da dívida. Ele não fala em revogar as medidas de austeridade, em cancelar as PPPs ou punir os responsáveis pelo escândalo do BPN e outros. Desta forma, dá o seu aval, tacitamente, à política de cortes de salários e empregos e destruição do Estado social, aplicada também pelo anterior governo socialista. Se o país continuar a pagar a dívida, não romper com o memorando e se mantiver no euro, não haverá solução à austeridade.

As propostas do BE

Na área da esquerda parlamentar, o Bloco de Esquerda insiste na tese da renegociação da dívida, acrescentando agora que se deve anular parte dela. “Cortar na dívida e cortar nos juros”, repetiu o coordenador do BE, João Semedo no comício deste partido no 25 de abril. Isso significa – e nesse aspeto há acordo entre BE, PCP e PS – continuar a pagar a dívida.

Nessa mesma intervenção, Semedo reconheceu que hoje há muitas razões para olhar com ceticismo o futuro da Europa, mas diz que não desiste de lutar por uma outra Europa. Disse recusar a tese que a defesa do euro exige uma Europa federal, mas garantiu que “pode haver euro sem troika, sem austeridade”. Portanto, e também junto com o PS, continua a defender a manutenção de Portugal no euro contra todas as evidências de que foi a moeda única o meio privilegiado para impor a destruição da economia e a subordinação dos países do sul da Europa ao imperialismo franco-alemão.

A resposta do Bloco à crise e à austeridade é fraca, ineficiente e irrealista. Diz que a solução para tirar o país da crise é derrubar esse governo. É verdade, começa por aí, mas como e com que programa? O discurso de Semedo só falou em eleições, nenhuma palavra sobre a luta nas ruas, sobre a força da mobilização popular para derrubar governo. Como aconteceu com a manif da Geração à Rasca, em março de 2011, e quase com a manif de 15 de setembro do ano passado.

Sobrou no discurso do dirigente do BE, mais uma vez, um desafio ao PS para compor um governo de esquerda que rejeite a austeridade, que ponha termo ao memorando da troika e imponha aos credores uma renegociação da dívida. Faltou um chamamento à unidade de toda a esquerda para fortalecer a luta popular para derrubar esse governo e expulsar a troika.

As propostas do PCP

Jerónimo de Sousa, assim como o BE, defende a renegociação da dívida pública, mas, ao contrário do BE, trabalha com a hipótese de saída de Portugal do euro em seu programa de soluções para o país. Em sua intervenção após o anúncio dos cortes do governo na semana passada, o secretário-geral do PCP propôs a adoção de medidas que preparem o país “face a uma saída do euro, seja por decisão do povo português, seja por desenvolvimentos da crise da União Europeia”.

Apesar de apelar à mobilização popular, manteve-se, como sempre, irredutível frente aos chamados à luta do movimento social que não seja controlado pelo PCP. A convocação de uma manif para 1 de Junho pela plataforma Que Se Lixe a Troika (QSLT) foi solenemente ignorada por Jerónimo, que se limitou a apelar à participação na manif da CGTP de 25 de maio, em Lisboa, exatamente uma semana antes da marcada pela QSLT.

As propostas do MAS

O Movimento Alternativa Socialista (MAS) defende, como pontos centrais do seu programa, a unidade da esquerda (sem o PS, mas com socialistas) e dos movimentos sociais para radicalizar a luta e conseguir impor o fim desse governo e a rutura com a troika, o memorando e as medidas de austeridade; a suspensão do pagamento da dívida pública, seguida de uma auditoria independente para averiguar quem foram os responsáveis pelo seu crescimento nos últimos anos; a prisão para quem roubou e endividou o país; o fim dos privilégios dos políticos; a nacionalização da banca; e um referendo para Portugal sair do euro.

Em nossa opinião, a unidade da esquerda e dos movimentos sociais para lutar sem tréguas contra esse governo teria capacidade – como o teve, e desperdiçou, na conjuntura aberta com as gigantesca manifs de 15 de setembro do ano passado em todo o país – de impor a demissão do governo. Não será através de decisões do Tribunal Constitucional nem por via do resultado das próximas eleições autárquicas que conseguiremos pôr um fim nessa governação que está a destruir o país.

Não podemos continuar a pagar uma dívida construída artificialmente com o objetivo de destruir os direitos conquistados pela revolução do 25 de Abril e consolidar o papel de Portugal como país colonizado pelo imperialismo franco-alemão. A construção da UE e do euro foi e é negativa não só para os portugueses e demais povos do sul da Europa, mas também para todos os trabalhadores europeus, inclusive alemães e franceses.

Devemos, ainda, não ter medo de destruir tabus. Queremos, sim, a prisão daqueles, como os donos do BPN e das PPPs, que nos vêm roubando durante todos esses anos, assim como a confiscação dos seus bens. Queremos que a política deixe de ser um instrumento da burguesia para cooptar apoiantes para o regime, mais ou menos críticos, mas acabando sempre por se submeter ao calendário eleitoral e às benesses do exercício de algum poder.

Diante de mais esse ataque do governo da direita, é urgente organizar uma resposta unitária e forte!

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