Ser mãe, um direito que patrões e governo não reconhecem

Para a edição em que se comemora o Dia da Mulher Trabalhadora, o 8 de Março, o jornal Ruptura entrevistou Neuza, de 28 anos, operadora de call-center, com contrato temporário renovável semanalmente até um prazo máximo de dois anos, e mãe de duas filhas, uma de 7 anos e outra de 6 meses.

Como é a situação de uma mãe trabalhadora precária hoje?
A situação legal enquanto mãe continua exatamente a mesma. Por exemplo, para a amamentação e aleitamento a lei dá 2 horas por dia. Enquanto estava efetiva no meu anterior trabalho, no meu contrato coletivo de trabalho só me davam uma hora para aleitação e obrigavam-me a apresentar comprovativos médicos, o que ia completamente contra a lei geral do trabalho. Além disso, impediram-me de gozar as horas durante algum tempo e fiz queixa na ACT. Mesmo assim, a resposta da ACT foi que os meus patrões tinham razão porque é “consoante lei aplicável”, ou seja, tem prioridade o que está no meu contrato e não a lei geral. Depois foram-me pagas como horas extras, mas nada paga o tempo que eu não tive com a minha filha. Atualmente, as horas de aleitação estão a ser-me dadas, mas não as estão a pagar corretamente no meu salário base.

Além dessa questão, que outros problemas encontras?
O outro grande problema são as faltas dadas por cuidados imprescindíveis e inadiáveis a menores de 12 anos. Segundo o artigo que rege essa situação, tens direito a que esses dias te sejam pagos, mas na verdade não são. Não eram na minha antiga empresa e não são na atual, mesmo apresentando a justificação do médico.

O facto de ser mãe influenciou o seu despedimento no anterior trabalho?

Sim, porque eles alegaram que eu tinha mais que 10 faltas injustificadas. Aleguei despedimento ilícito e, mesmo assim, avançaram e despediram-me em 2011 com faltas relativas a 2010. Lá está! Eles preferem pagar indemnizações e meterem-te na rua do que terem uma mulher mãe a trabalhar, porque a mulher mãe dá despesa na medida em que apresentas baixa quando tens de apresentar.

No teu atual trabalho pudeste gozar a licença de maternidade?
Gozei licença maternidade e voltei para o mesmo posto de trabalho e o mesmo salário. No entanto, notei muita diferença entre a licença de maternidade que gozei na primeira vez e agora, que foi um terço da primeira, devido à alteração do cálculo e também porque hoje tenho um salário mais baixo.

E como é a situação em termos de creches e infantários?
O berçário e o pré-escolar [públicos] têm uma lista de espera de dois anos. No privado pagas no mínimo entre 200€ e 300€ e tens que levar tudo (comida, lençóis, fraldas, etc.). Por isso, tenho colegas que trabalham quase só para pagar a creche. Alem disso, os infantários da Segurança Social passaram para a Santa Casa, que fechou parte deles, quando já havia poucos. E nas IPSS, como pagas consoante o rendimento, preferem dar as vagas a quem tem mais rendimentos para ganharem mais. Eu, se não me tivesse mexido para fazer valer os meus direitos, ainda teria até hoje a minha filha numa escola longe, porque a IPSS perto da minha casa não a queria aceitar.

Quais são as principais consequências da austeridade para uma mãe trabalhadora?
A subida dos preços e a instabilidade no trabalho. Uma criança é um gasto extra enorme porque gastas mais gás para o biberão, luz para a máquina de lavar roupa que nunca para, são as fraldas, as toalhitas, os medicamentos quando estão doentes. Cortaram em tudo. Hoje compro tudo em segunda mão, pois os artigos para bebés são muito caros. Não há sequer dinheiro para o passe. Eu pago 450€ de renda e vou a pé para o trabalho e para o berçário e escola das crianças.

E o apoio à maternidade?
Não há nenhum apoio significativo à maternidade, ao contrário de outros países da Europa como a Alemanha ou a Inglaterra. Produtos como as fraldas até deixaram de poder entrar para o IRS. Os abonos de família são muito pequenos e, devido ao aumento dos preços e baixos salários, aquilo que poderia ser diretamente para as minhas filhas tem de ir para os gastos gerais da família. Além disso, há cada vez menos apoio à prevenção da gravidez, porque os centros de saúde levaram cortes grandes e só têm pílulas e preservativos irregularmente e cada vez menos.

A instabilidade é também um dos grandes problemas…
Os salários estão cada vez mais baixos, e o que tu pensas é: se ficas desempregado como garantes tudo? E nos empregos fazem uma pressão psicológica enorme para, se não forem eles a despedir-te, sejas tu por não aguentares mais. É um facto que as mulheres recebem menos. Além disso, não sobem de posto por serem mulheres. Não te valorizam como trabalhadora, como mulher e nem como mãe. Eu vejo as minhas filhas e penso que estamos como há vinte e tal anos, como quando eu era pequena. Nada mudou. Nós, trabalhadoras, se não conhecemos os nossos direitos e lutarmos por eles, não conseguimos nada!

Entrevista de Flor Neves

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