É preciso azedar este sorriso!

Por que Carlos Moedas, o secretário de Estado de Passos Coelho, anda tão sorridente? A resposta é simples: porque já está a mexer os cordelinhos para aplicar mais uma pancada na vida dos portugueses. Com evidente alegria, anunciou há pouco que parte dos 4000 milhões que a troika quer roubar da saúde, educação, reformas e prestações sociais em 2014 vão começar a ser descontados já este ano.

Mas a alegria deste senhor – o mesmo que fez elogios rasgados ao relatório do FMI com sugestões sobre como cortar estes 4000 milhões – pode durar pouco. Vai depender da nossa luta e capacidade de resposta. Se fizermos como em 15 de setembro do ano passado, quando forçamos o governo a recuar dos seus planos para a TSU (Taxa Social Única), este sorriso vai azedar rapidamente.

A ofensiva do governo

Como a luta social desencadeada a partir do 15 de setembro não teve continuidade e não foi capaz de derrubar o governo de Passos Coelho, este ganhou fôlego para prosseguir os seus ataques. Continua a enterrar o nosso dinheiro no BPN, cujos envolvidos continuam a viver à grande e à francesa. Dias Loureiro, por exemplo, passou o fim de ano no Copacabana Palace, um luxuoso hotel do Rio de Janeiro, ao lado do amigo Miguel Relvas, o mesmo que, depois de um período na penumbra, já se sente capaz de enfrentar os holofotes para falar em nome do governo.

É só ler o noticiário para ver que as coisas vão mal! O governo repescou um ex-gestor do BPN, Franquelim Alves, para secretário de Estado e ainda lançou mão de mentiras para tentar passar a ideia de que este senhor fora contra às falcatruas ali praticadas; o banqueiro Fernando Ulrich, presidente executivo do BPI, detentor da renda mensal de 60 mil euros e conhecido pelas calinadas que produz, afirma que o país “aguenta” mais austeridade, porque “se os sem-abrigo aguentam porque é que nós não aguentamos?”; e, como quem não quer nada, o ex-presidente da Câmara de Lisboa Carmona Rodrigues e uma ex-vereadora do PSD, acusados de terem lesado a autarquia em pelo menos 13 milhões de euros, têm a sua defesa judicial paga pela própria Câmara de Lisboa.

Esses três exemplos traçam o panorama da situação da classe política e empresarial deste país, justamente no momento em que os trabalhadores e a população passam por mais dificuldades, causadas por este mesmo governo dos empresários/banqueiros que se estão a beneficiar da crise e dos milhões injetados na banca pelo governo.

Os lucros da banca

Basta ver que os lucros registados pelo BPI de Ulrich em 2012 – de 249,1 milhões de euros – foram bastante superiores ao resultado previsto pelas agências financeiras. Isso e o facto de ter recebido 1.500 milhões do Estado não o impediram de despedir mais de 200 trabalhadores nesse mesmo ano.

Outro grande resultado obteve o Santander Totta, que fechou o ano de 2012 com lucro semelhante ao de Ulrich, 250,2 milhões de euros, quase quatro vezes o valor registado em 2011. O BES, com prejuízos em 2011, conseguiu dar a volta em 2012, com um lucro de 96 milhões. De acordo com os analistas, esse desempenho positivo deve ser atribuído às operações financeiras envolvendo a dívida pública. O BES, como a banca em geral, ganhou, e não foi pouco, com a engenharia financeira montada em torno da dívida, que consistia na concessão de empréstimos por parte do BCE a juros de 1%, utilizados para comprar dívida pública a juros muito superiores.

Voltamos ao mercado, e daí?

Enquanto os banqueiros nada têm a reclamar do governo, não é isso que acontece com a maioria da população, cada vez mais esmagada pelos cortes salariais (mal disfarçados pelos duodécimos), pelo aumento de preços e a falta de esperança. Apesar de nada ter a exibir de concreto em termos de melhorias para a população – pelo contrário, os indicadores dão conta que o desemprego e a pobreza não param de crescer –, o governo tem a lata de montar uma grande campanha publicitária em torno do retorno ao mercado e da redução dos juros.

O objetivo era apresentar como uma vitória de sua política económica a redução dos juros da dívida (para 4,9%) e o “regresso aos mercados”, isto é, a emissão de obrigações do tesouro (títulos da dívida) com prazo de reembolso (maturidade) de 5 anos, coisa que não fazia desde a assinatura do memorando de entendimento, em junho de 2011.

A verdade é que tudo isso se deveu à decisão do BCE de alterar a sua forma de financiar a dívida dos estados. Simplificando bastante, podemos dizer que, em vez de emprestar à banca para que esta compre os títulos da dívida (o que não estava a acontecer, pois havia o risco bastante real de incumprimento), o BCE passou a comprar diretamente esses títulos da própria banca. Desta forma, os títulos da dívida passaram a ter um comprador seguro, e os juros baixaram, porque o risco diminuiu. Com a perspetiva de juros menores, o Estado pôde financiar-se nos mercados, isto é, voltar a vender títulos da dívida à banca, em vez de depender exclusivamente dos empréstimos previstos pelo memorando de entendimento com a troika.

Isso é bom ou ruim? Para os trabalhadores e a juventude da Europa, em particular da Grécia, Portugal, Espanha e Itália, isso não significa rigorosamente nada, porque a contrapartida dessa intervenção do BCE não representa uma alteração de política. O objetivo de destruir as conquistas sociais nas áreas do emprego, da saúde, da educação e das prestações solidárias por parte do FMI, BCE e Comissão Europeia não foi desviado um milímetro sequer.

No caso da dívida portuguesa, ela só vai aumentar porque os juros cobrados pelos mercados (4,9%) são superiores aos da troika (média de 3,4%, segundo os economistas).

A alteração de política do BCE prende-se às necessidades de salvaguardar os interesses da banca e do grande capital, ameaçados pela instabilidade do euro e de grandes economias, como a da Espanha e Itália. Não tem por objetivo acabar, muito pelo contrário, com a guerra social imposta aos povos. É através dessa guerra social, que se resume na transferência das conquistas sociais para os cofres da grande burguesia e da banca, que o BCE/FMI pretendem resolver a crise capitalista.

Mas mesmo do ponto de vista dos objetivos do BCE/FMI, o mais provável é que essa alteração de políticas não dê certo. A crise capitalista desencadeada em 2007/2008 nos EUA não dá mostras de acabar e, mesmo nesse país, onde uma gigantesca injeção de capital permitiu uma frágil recuperação económica, os analistas mais sérios não acreditam no seu fim tão cedo. O problema, para o BCE/FMI, é que os trabalhadores, apesar de não conseguirem vitórias estruturais, também não permitem que os seus inimigos as conquistem.

É nesse complexo panorama – que o marxismo denomina luta de classes – que temos os avanços e recuos das mobilizações em Portugal. É verdade que Carlos Moedas sorri, mas depende de nós fazer com que esse sorriso dure pouco tempo. Vem aí o 2 de Março, que devemos tentar transformar num novo “15 de Setembro”!

Cristina Portella

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