A poderosa luta dos trabalhadores da saúde em Espanha tingiu de branco as ruas do país.
Devido à crise económica europeia, também em Espanha se aplicam os draconianos planos de privatizações na saúde por parte do governo. A privatização da gestão dos hospitais (que tem sido mais um buraco financeiro em Portugal, por exemplo) está posta em marcha, e, além dos ataques gerais aos trabalhadores, outras medidas específicas têm sido dirigidas ao sector da saúde.
Ignacio Gonzalez, presidente da Comunidade de Madrid, anunciou o “Plano de Sustentabilidade do Sistema de Saúde Público”, um nome pomposo para uma série de ataques que mais não visam do que destruir o sistema de saúde espanhol, como por exemplo a subida do preço dos medicamentos e a taxa de um euro por receita (já aplicada na Catalunha), que só pode ter por objetivo a dissuasão da prescrição médica.
A “sustentabilidade” do sistema de saúde espanhol, segundo o governo de Rajoy, implica também a privatização de muitos hospitais e inclusive a remodelação do Hospital de la Princesa, um dos principais hospitais da capital do país vizinho. As medidas, segundo os sindicatos, podem atingir mais de um milhão de utentes do sistema de saúde. A privatização dos hospitais precarizará médicos, enfermeiros e técnicos de saúde, em mais uma violenta e desumana maneira de “salvar” o sistema de saúde.
A resposta dos trabalhadores
Este conjunto de medidas originou rapidamente respostas em hospitais por todo o país, assembleias de trabalhadores multiplicaram-se, discutindo formas de luta para salvar postos de trabalho e para preservar um sistema de saúde essencial à vida da população.
Em vários hospitais foi convocada greve geral por tempo indeterminado, uma prova viva de que, em Espanha como em Portugal como no resto da Europa, os trabalhadores não só estão cansados dos “planos de sustentabilidade” que lhes arrasam as vidas, como têm coragem e força para lutar e dizer não.
Em muitos hospitais, o dia-a-dia passou a ser de reuniões e manifestações que paravam o trânsito e tinham o apoio da população, que percebeu que o sistema de saúde é sustentado pelos seus trabalhadores, não pelos governantes que mais não querem que privatizar um bem essencial para entregá-lo como um negócio lucrativa à patronal.
“Este conflito tem características diferentes dos que temos vivido historicamente”, disse María José García, enfermeira do Centro de Saúde Vicente Soldevilla, de Madrid, ao jornal Página Roja, do partido Corriente Roja. “Até agora sempre foram dirigidos pelas centrais sindicais, mas agora são os próprios trabalhadores nos centros que se organizam através de assembleias e mecanismos de coordenação, entre os quais cumprem um papel importantes as novas tecnologias: foros, Internet…”
Apesar da força da resposta, muitas das lutas têm sido canalizadas para negociações, e falta um esforço conjunto de união dos trabalhadores da saúde entre si e que junte ainda a população. O arrastar da situação – desde novembro – só beneficia o governo; é preciso uma greve geral da saúde, que diga em uníssono que a saúde pública, universal e de qualidade é um direito imprescindível e ao qual nenhum corte pode chegar.
E em Portugal?
Após a greve dos médicos em meados do ano passado e de um acordo que a classe vê com desconfiança, as lutas da saúde estão num ponto de estagnação. O governo, pelo contrário, não para de atacar a saúde pública e os direitos da população. Na véspera do Natal, divulgou um compromisso feito com a troika, na sexta revisão do memorando, para eliminar mil camas do Serviço Nacional de Saúde (SNS), através de fusões e fechos de hospitais e departamentos, iniciados em 2011. Sobre esta medida, a Ordem dos Médicos lembrou que Portugal tem apenas 3,3 camas por mil habitantes, contra uma média de 4,9 nos 34 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e 8,2 na Alemanha. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o ideal são 4,5 camas por mil habitantes.
Mas os cortes não vão parar por aí. Dos 4 mil milhões que o governo já disse querer cortar nas despesas do Estado este ano, 3,5 mil milhões são para cortar nos ministérios da Saúde, Educação e Segurança Social.
Após o anúncio de novos cortes na saúde e das inenarráveis declarações do secretário de Estado Adjunto do ministro da Saúde, Leal da Costa, praticamente pedindo aos portugueses para não adoecerem e recorrerem menos aos serviços de saúde, é tempo de trabalhadores e utentes se organizarem e lutarem nos seus postos de trabalho e nas ruas, contra um governo que não merece crédito e confiança, mas sim a demissão.
M.N. (médico)