O Orçamento foi aprovado, e agora?

Ainda o Orçamento não tinha sido votado, a CGTP dava os sinais habituais de que a manifestação em frente à Assembleia da República tinha terminado. Eram cantados o hino da central, o nacional e a Internacional, enquanto boa parte dos manifestantes caminhava em direção aos autocarros que os tinham levado para lá.

Quem esteve na manif viu: foi um final melancólico de uma batalha perdida de antemão. Já todos sabiam que o Orçamento de 2013, o tal que rouba pelo menos 1 salário de todos os trabalhadores, taxa o subsídio de desemprego em 6% e o de doença em 5% e deixa no desemprego 50% dos contratados da Função Pública seria aprovado.

Isso apesar de os trabalhadores terem ido às ruas aos milhares e feito uma forte greve geral a 14 de novembro. Não foi suficiente. A maioria de direita (PSD-CDS-PP) – mesmo sem o PS, como foi o caso desta vez – é suficiente para aprovar os assaltos arquitetados pela troika e o seu ajudante Vítor Gaspar. Era preciso mais, era preciso ter “demitido” o governo, como exigiu o povo que lotou as ruas a 15 de setembro.

Para isso, para forçar o governo a ir embora e não continuar a roubar o povo, é necessário que à força da mobilização de rua corresponda uma alternativa de poder. Uma resposta política credível, que apresente uma saída para a população. Vejamos: que partidos dizem querer que o governo de Passos Coelho e a troika vão-se embora: Bloco e PCP. É claro que, além dos dois, há outros partidos de esquerda sem assento parlamentar, como o Movimento Alternativa Socialista (MAS), e movimentos sociais que também o querem, mas é nesses dois partidos que se concentra o olhar do povo, por serem os maiores e mais representativos.

O PS, como todo mundo sabe, quer manter Passos Coelho em São Bento, pelo menos por enquanto. É mais conveniente para o partido de Sócrates e Seguro que a coligação de direita execute o programa da troika, e se desgaste com isso, para que possa recuperar o poder em condições menos complicadas. O problema de fundo é que o PS concorda com a receita da austeridade e o memorando da troika.

É no Bloco e no PCP – que dizem querer a demissão do governo – que está o nó da nossa situação política. Um nó que só poderia ser desatado se esses partidos unissem as suas forças para criar um amplo, democrático e radical movimento de combate ao governo e à austeridade que apontasse para a formação de um governo de esquerda que rompesse com a troika e o seu memorando e revogasse as medidas de austeridade que castigam a população.

Um movimento que se apoiasse fundamentalmente na mobilização de rua e na organização dos trabalhadores e da juventude, e não no Parlamento e em outras instituições do regime, como a Presidência da República ou o Tribunal Constitucional. Que  utilizasse o Parlamento para potenciar as mobilizações de rua, e não o contrário.

Mas, infelizmente, não é isso que esses dois partidos fazem. O Bloco mantém o PS como seu alvo preferencial na política de alianças, como ficou claro na sua última convenção, alimentando a ilusão de ser possível trazer esse partido para o campo da oposição à troika e à austeridade; e o PCP continua a reivindicar um vago governo patriótico e de esquerda, sem esclarecer a sua composição.

É verdade que os dois estão juntos em várias ocasiões. Na maior parte das votações no Parlamento contra os ataques do governo – com toda a legitimidade – e na condução da luta social, neste caso com o Bloco a secundar o PCP, através de um apoio acrítico à direção da CGTP.

Esta procura controlar o movimento social, esvaziando-lhe do seu potencial de rutura com o regime. Não por acaso CGTP e PCP não convocaram as duas maiores manifestações populares já realizadas no país desde o 25 de Abril, o 12 de Março de 2011 e o 15 de Setembro deste ano. O Bloco esteve aí, mas não deu prosseguimento a essas mobilizações, desviando-as para as iniciativas da CGTP. Na luta social e sindical, o Bloco aceita um papel coadjuvante, procurando demarcar-se do que considera mais radical.

Um exemplo: CGTP, Bloco e PCP não condenaram formalmente a violenta repressão policial que se abateu sobre os manifestantes reunidos a 14 novembro em frente à Assembleia da República. Por quê? A repressão de 14 de novembro não foi um ato de rotina, foi simplesmente uma das mais violentas cargas policiais já desferidas sobre manifestantes desde o 25 de Abril. À violência dessa repressão, cujo objetivo é dividir e atemorizar a população, não correspondeu de forma alguma um protesto à altura por parte desses dois partidos.

Temos agora, nesta quinta-feira, a manifestação dos estivadores no dia da votação do projeto de lei que institui a precariedade e o desemprego nos portos do país, por expressa recomendação da troika. Os estivadores protagonizam hoje a luta mais consequente contra o governo e a austeridade e prometem não parar o seu movimento, mesmo com a aprovação dessa lei.

Assim como os estivadores, os demais trabalhadores e jovens portugueses vão continuar a lutar contra esse governo e a austeridade. Assim como na Grécia e no Egito – onde uma verdadeira enchente de manifestantes toma conta da Praça Tahrir a demonstrar que o povo não aceita novos “Mubarak’s” -, as manifestações vão continuar a enfrentar o governo de Passos Coelho.

Aí estaremos, a tentar construir, nas ruas e nos locais de trabalho, uma alternativa para impedir a destruição do país. Não será o Tribunal Constitucional, nem o Parlamento, nem muito menos o presidente Cavaco Silva que enfrentará a troika e o seu governo. Os únicos capazes de o fazer são os trabalhadores e os jovens, é neles unicamente que devemos confiar.

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