gatuno

A propósito do populismo à esquerda

A esquerda política no país tem, entre outros, um grande defeito: o de querer ser mais “papista que o papa”. Se uma organização de esquerda inclui no seu programa uma reivindicação em defesa dos pequenos proprietários – hoje também na mira do tsunami fiscal de Vítor Gaspar/Passos Coelho e Paulo Portas -, da mesma forma que a direita (demagogicamente) também o faz, é porque resvala para o terreno do populismo.

Vem tudo isto a propósito de novas observações sobre o populismo à esquerda, vindos de dirigentes políticos da esquerda portuguesa. Desde já chamemos à atenção que destes paladinos do purismo ideológico não vem um centro de ataque sobre a demagogia da direita. Na hora de uma despedida, num momento em que o país vive um processo de destruição coletiva orquestrado por um governo de maioria de direita, o que se esperava era um discurso duro sobre o estado em que o PS e a direita deixaram o país nas últimas décadas.

E, já agora, de alternativas de governo e não de um abstrato desejo de um abstrato “governo de esquerda”, que ninguém sabe como é composto, nem como se poderá construir. Mas não. Nem se vislumbra no horizonte um diálogo sério e consequente para a formação de uma ampla unidade de esquerda dos que se opõem à troika e ao memorando de entendimento (de que os maiores partidos da esquerda, o Bloco e PCP são responsáveis).

Nem sequer a preocupação de preparar seriamente a rutura com o rotativismo crónico entre governos PS e PSD há mais de 30 anos no governo do país. O que ouvimos e lemos, com desolação, é a caricata preocupação de alguns parlamentares à esquerda de se demarcarem dos que à sua esquerda podem levantar novas “causas fraturantes”, como a denúncia da impunidade de quem roubou sistematicamente o país e deixou um rasto de dívidas colossais para que o povo em geral (menos os banqueiros, ministros ou ex-ministros, políticos ao serviço de construtores civis ou empresários ao serviço de partidos do poder) venha a pagar nos próximos 30 ano, sob o terror de uma guerra de austeridade permanente.

Ou seja, se uma nova força política ou um novo movimento (o MAS, Movimento de Alternativa Socialista, por exemplo) levantar a consigna de que há que acabar com a corrupção, levar primeiros-ministros ou ministros aos tribunais e às prisões, principalmente alguns – Alberto João Jardim ou mesmo José Sócrates – que deixaram um rasto de dívidas de dezenas de milhares de milhões de euros para os outros pagarem, onde um se passeia por Paris e outro se mantém à frente de um governo regional, deixando entretanto “buracos” por pagar, de nome BPN, PPPs ou túneis e mais túneis ou auto-estradas e mais auto-estradas, então corre o risco de ser censurada como uma organização populista.

Se o MAS levantar, e bem, que é um escândalo a existência de reformas vitalícias, que se continuam a pagar, ou milionárias, que se continuam a pagar também; se se gastam milhões de euros com salários parlamentares e subvenções aos partidos de milhares de milhões então é porque incorre no pecado do discurso supostamente populista.

Conclusão: os nossos (acomodados) parlamentares à esquerda habituaram-se às mordomias salariais, e os seus partidos, às milionárias subvenções, sem se questionarem se algo desta realidade deve mudar. Para a nossa esquerda parlamentar falar nestes temas ou é populismo ou matéria intocável.

Ou seja, o centro do poder político e de quem nos governa pode impor sacrifícios desumanos de desemprego, fome e miséria, mas propor atacar a base dos seus privilégios particulares não passa de populismo. E, no preciso momento de ataque ao populismo à esquerda, afirmar-se “que saio exatamente como entrei, com a minha profissão, sem qualquer subsídio e sem qualquer reforma”, não pode ser lido também como um discurso populista? O que nos parece, para sermos sinceros e claros é que muita da liderança à esquerda em Portugal, dentro e fora do parlamento, esses retóricos republicanos, tendem a defender um regime, não o progressivo da sua história inicial, mas o do capitalismo decadente, predador e selvagem. Então os que escreveram “não faço qualquer cedência ao populismo antiparlamentar: os partidos e personalidades que esperam obter ganhos com essa demagogia terão sempre a minha frontal condenação”, que nos perdoem, mas não há paciência. Uma outra esquerda deve nascer e dar esperança de justiça a quem já não espera nada.

Gil Garcia

 

Anterior

Solidariedade com os moradores do Bairro de Santa Filomena

Próximo

A receita da austeridade falhou para quem?