Depois de ter executado a maior e mais violenta repressão sobre uma manifestação popular, a 14 de Novembro, o governo de Passos Coelho passa a encenar o segundo ato da sua grande farsa, na tentativa de criminalizar os protestos contra o seu governo.
Ninguém foi poupado no 14 de novembro. No mesmo dia em que os trabalhadores realizaram uma grandiosa greve geral, uma das maiores que se tem notícia em Portugal, o governo resolveu agir. Com o pretexto das pedras lançadas sobre os polícias, ordenou que estes avançassem sobre as 5 mil pessoas reunidas em frente à Assembleia da República. A grande maioria dessas 5 mil pessoas não atiraram pedras; apenas protestavam contra o corte dos seus salários e de suas reformas, contra o desemprego e a pobreza que arruínam as suas vidas
O resultado foi aquele que se viu em direto pelas tvs ou pelos vídeos espalhados na net: pessoas ensanguentadas, jovens e idosos feridos, pais a suportarem bastonadas para proteger os filhos, manifestantes presos sem qualquer motivo e depois impedidos de se comunicar com advogados e pressionados a assinar folhas em branco. O raio de ação policial estendeu-se da Assembleia da República ao Cais do Sodré, onde também foram feitas detenções.
Diante da violência policial, vozes levantaram-se para repudiá-la, entre elas a do presidente do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados, Vasco Marques Correia, que acusou a polícia de ter cometido “ilegalidades que não são próprias de um Estado de Direito”, e a Amnistia Internacional, a considerar a intervenção da PSP “desproporcional”.
A Plataforma 15 de Outubro (15.O) e vários outros movimentos sociais, como o Movimento Sem Emprego e Precários Inflexíveis, entre outros, também denunciaram a repressão do governo e da sua polícia. “Toda esta ação de brutalidade é usada pelo governo para assustar e intimidar todos os trabalhadores que esta tarde decidiram manifestar-se em frente ao Parlamento. A Plataforma 15.O considera que tais factos – fortes cargas e dispositivos policiais, aumento do desemprego, cortes nos salários, cortes na saúde que levarão à morte de pessoas – revelam a agressividade e a provocação que está a ser feita ao povo pelo governo atual e pela troika”, escreveu o 15.O em seu site.
No mesmo dia 14, o MAS repudiou a violência policial: “Nós, do MAS, repudiamos com veemência a carga policial sobre os manifestantes; exigimos a imediata absolvição de todos os acusados; e afirmamos como, temos certeza, a grande maioria da população portuguesa, que não serão provocações como essas feitas pelo governo e a sua polícia que nos impedirão de continuar a luta contra Passos Coelho/Portas/Gaspar e Relvas até que sejam demitidos, a troika expulsa de Portugal, o memorando rasgado e uma nova política, favorável aos trabalhadores e ao povo, seja posta em prática”.
Os apoiantes da repressão e os neutros
O governo saiu logo em defesa da repressão policial, de Cavaco Silva – a louvar o “profissionalismo” da polícia (Público, 15 nov.)– ao ministro Miguel Macedo – a responsabilizar “meia dúzia de profissionais da desordem” (JN, 14 nov.). Até aí nada a estranhar, pois a ordem da violência partiu do governo.
O PS, através do seu secretário-geral, António José Seguro, teve idêntica atitude, apoiando a repressão: “Daquilo que vi, a partir dos elementos de que disponho, parece-me que a polícia agiu de forma adequada” (Lusa, 15 nov.). Também não podemos nos espantar por Seguro ter essa opinião, afinal, o PS é o partido da troika e da austeridade q.b.
O que sim devemos estranhar e questionar é o silêncio ruidoso do PCP e do Bloco de Esquerda (BE), que até agora não condenaram a violência policial. A própria imprensa registou essa atitude: “O “I” tentou obter comentários oficiais do PCP e do BE, mas nenhum dos partidos – os únicos que apoiaram claramente a greve geral – quis falar sobre os desacatos em frente ao parlamento” (I online, 16 nov.).
Mas não houve só silêncio por parte dos dirigentes desses dois partidos. Em entrevista ao programa “De Caras”, na RTP, João Semedo e Catarina Martins, questionados sobre as cenas de violência após a manifestação da CGTP, responderam que “nada apaga a força de quem fez uma greve geral tão grande e foi isto que marcou o dia” (Catarina Martins) e que o Bloco lamenta os incidentes ocorridos e “a violência não acrescenta nenhuma razão seja a que causa for” (João Semedo). Conclusão: nenhum dos dois condenou a repressão da polícia nem se colocou ao lado dos jovens e trabalhadores agredidos brutalmente pela polícia.
Como disse um militante do MAS: “A tentativa desenfreada de puxar o PS à esquerda está a ter o efeito contrário: o BE é que está a ir para o campo da direita”.
Posição idêntica sobre a violência policial teve o secretário-geral da CGTP, Arménio Carlos, quando limitou-se a dizer, frente aos incidentes que provocaram inúmeros feridos e dezenas de detidos ilegalmente: “lamentamos profundamente aquilo que se está a passar na Assembleia da República”.
O segundo capítulo da farsa
Ao agirem assim, BE e PCP facilitam a manobra de diversão que o governo está a montar para desviar as atenções, dividir a oposição ao seu governo, semear confusão na população e amedrontar a esquerda. A capa do Diário de Notícias de hoje (16/11) é bastante elucidativa sobre isso: “PSP tem lista de 30 radicais para deter nos próximos dias”.
O que a esquerda, os sindicatos e movimentos sociais têm de responder numa só voz frente a essa provocação é que “radicais” são Passos Coelho, Paulo Portas, Vítor Gaspar, Miguel Relvas, Cavaco Silva, José Sócrates e todos da sua laia, que estão a destruir o país e os portugueses em troca de manter os seus privilégios.
“Radical” é um governo que corta salários e pensões de 500 euros enquanto mantém os subsídios de férias de quase 1500 “boys” recém nomeados para cargos nos gabinetes ministeriais. Tudo isso quando se sabe que, num ano e meio, o número de portugueses com salários inferiores a 310 euros aumentou 11%, devido à pressão do desemprego e à recessão provocados pelas medidas de austeridade que só beneficiam a banca, as grandes empresas e a senhora Merkel.
Mas o governo não vai amedrontar os jovens, os trabalhadores e a esquerda. Todos continuaremos a lutar pela sua demissão e pela expulsão da troika do país e estaremos presentes na manif da CGTP convocada para o dia 27 de novembro, em frente à Assembleia da República, dia da votação final do Orçamento do Estado para 2013.