Unir a esquerda contra a troika e o governo

“Quando a esquerda está dividida, e a direita continua unida, o povo é que paga!” Este foi um dos refrões com mais sucesso nas últimas manifestações. Não foi só a música engraçada que ficou no ouvido, o refrão foi um sucesso porque explica o que salta à vista de todos: perante a troika, o governo e até o PS coligados a favor da austeridade, a esquerda dividida nada conseguirá.

A vida do povo não para de piorar. O desemprego destrói o país e é usado como ameaça para impor mais exploração nas empresas. O governo diz que não há margens para cedências, que tudo é imposto pela troika ou pelos mercados. E que por isso o governo tem de cortar nos de baixo para dar aos de cima.

As gigantescas manifestações de 15 de Setembro demonstraram que os trabalhadores, os reformados e a juventude discordam da austeridade e das medidas do governo e estão dispostos a lutar contra elas. As últimas manifestações revelaram também que o povo quer mandar embora o governo. Diante disso, a pergunta que se impõe a todos é: mas para colocar o que no lugar? O PS que acabou de ser “despedido” pela “geração à rasca” no 12 de Março do ano passado? Claro que não.

As últimas sondagens da Universidade Católica, feitas uma semana após o anúncio das novas medidas de austeridade, mostraram uma queda a pique do PSD de 12 pontos percentuais (passa de 36% a 24% nas intenções de voto), a refletir a insatisfação popular e as mobilizações de rua.

O PS também perdeu votos, passando de 33% para 31%, uma indicação de que o povo também não o vê como alternativa, já que não só trouxe a troika para o país como também vem aprovando, com a sua sistemática abstenção no Parlamento, a austeridade do governo Passos Coelho. Mesmo a sua oposição às novas medidas anunciadas pelo governo, nomeadamente o aumento do descontos dos trabalhadores para a Segurança Social e a redução da Taxa Social Única (TSU) para as empresas, não foi suficiente para convencer a população.

O único partido do arco da austeridade a não baixar e até subir, ligeiramente, nas sondagens foi o CDS-PP, de 6% para 7%, talvez pelo facto de Paulo Portas ter-se mantido afastado dos principais atos da governação, numa pasta, o Ministério dos Negócios Estrangeiros, que lhe permite ficar longe do país e ter – cinicamente – criticado a redução da TSU.

A esquerda parlamentar antitroika – PCP e Bloco de Esquerda (BE) – foi quem cresceu nessa sondagem, demonstrando que a população começa a reconhecer também no plano eleitoral quem são os que estão realmente contra a austeridade. O PCP passa de 9% para 13%, um crescimento de 4 pontos percentuais, e o BE, de 9% para 11%, 2 pontos percentuais. Isso significa que os dois partidos juntos têm hoje 24% das intenções de votos, a maior percentagem até aqui registada.

Só não haverá alternativa se estes dois partidos mantiverem-se divididos, na oposição, sem unirem-se para enfrentar o governo. Unir a esquerda – BE, PCP, socialistas, independentes e partidos e movimentos de esquerda, como o MAS – contra a austeridade é essencial para quebrar o discurso da inevitabilidade. Vimos um pouco disso nas eleições gregas, com a esperança que o Syriza gerou. E vimos como a hipótese de um governo de esquerda, contra o memorando da troika, saiu furada devido à política do Partido Comunista Grego de recusar a unidade. É preciso imitar os bons exemplos da esquerda grega, mas sem repetir os seus erros. Essa é a responsabilidade do BE e do PCP. É para dizê-lo que o MAS irá participar no Congresso Democrático das Alternativas (CDA) no próximo dia 5 de outubro.

Duas propostas para unir a esquerda

Depois das eleições gregas, muitos falam da unidade de esquerda. Mas estas palavras escondem projetos opostos. O MAS propõe uma unidade entre BE e PCP para romper com a troika e acabar com a austeridade. Infelizmente , a proposta que está em cima da mesa para alguns, como o BE e a chamada “esquerda do PS”, não é essa. A unidade de esquerda que está a ser proposta pelos organizadores do CDA e pelo BE é a repetição do desastre de Manuel Alegre. Mais grave, é perder uma oportunidade histórica de criar um governo realmente de esquerda no país.

O coordenador indicado do BE, João Semedo, ao apresentar a sua lista para a próxima convenção do partido, esclareceu que, ao propor um governo de esquerda ao governo de Passos Coelho e Portas, estava a fazer um convite e um desafio à esquerda portuguesa, “ao PS em particular”. Disse ainda que não basta votar contra o orçamento para 2013, mas seria preciso romper com o memorando da troika, e que este era o desafio que o BE fazia ao PS.

Mas nenhum governo de esquerda será feito com o PS porque este partido está comprometido com as políticas da burguesia portuguesa e europeia para manter a sua taxa de lucro com a destruição do Estado social e das conquistas dos trabalhadores e a implantação das medidas de austeridade. Basta lembrarmos que foi o PS que trouxe a troika para Portugal. O que o PS quer, quando se opõe às mudanças na TSU, é discutir o grau da austeridade e ganhar as eleições. Ao endereçar “particularmente ao PS” o desafio da unidade da esquerda, o que o BE faz é alimentar a ilusão de que é possível ao PS mudar de lado e, ao mesmo tempo, desviar-se da necessidade real que seria apresentar a sério essa proposta ao PCP.

Uma coisa são os socialistas, votantes ou filiados, que também vão às ruas combater a austeridade, pois dela também são vítimas. Outra coisa é a direção do PS. Ao propor um governo de esquerda ao PS, o que o BE faz é desviar a experiência que milhões de portugueses estão a fazer com esse partido e alimentar a ilusão de que é possível mudar o PS. É, na verdade, tentar salvar o PS de um fim semelhante ao do seu congénere grego.

Unidade, propostas e responsabilidades

Bloco de Esquerda e PCP encaminham-se para os seus momentos de debate interno. O BE terá a sua Convenção em novembro, e o PCP, o seu Congresso em dezembro. Passou-se um ano e meio de governação destrutiva da troika e das direitas. A esquerda deve aproveitar para repensar a sua estratégia. Seria necessário inverter a política seguida até aqui, uma espécie de estratégia concertada de BE e PCP em se manterem… desunidos.

Perante a guerra social que tem sido movida ao povo é preciso unir todos os trabalhadores, desempregados e sectores populares esmagados pela austeridade e estes partidos têm aí uma grande responsabilidade. O MAS acredita que uma frente entre Bloco e PCP, na qual participaríamos com toda a energia, poderia servir de polo de atração a todos os descontentes e revoltados com a barbárie da austeridade.

Imaginemos por exemplo uma Greve Geral contra o roubo nos salários e pela devolução completa dos subsídios, convocada por um grande comício que juntasse Jerónimo de Sousa, Francisco Louçã e Arménio Carlos. A própria UGT seria obrigada a tomar posição. Podia-se unir nas empresas e nos bairros todos os ativistas de esquerda e reforçar assembleias, piquetes e manifestações. A confiança e vontade dos trabalhadores e da juventude para lutar seria mais que o dobro, porque não seriam movidos apenas pelo repúdio a este governo, mas pelo vislumbre de uma alternativa. Abria portas a uma maioria social para substituir os governos da austeridade.

Ao manterem-se desunidos, BE e PCP bloqueiam essa solução, contentam-se em fazer oposição e viver disso. Romper esse marasmo é o desafio que o MAS faz aos milhares de bloquistas e comunistas que compreendem a necessidade de unir a esquerda.

Algumas propostas para um Governo de Esquerda

– Romper com o memorando da troika e suspender todas as medidas de austeridade;

– Nenhum corte para salvar o euro;

– Suspender o pagamento da dívida pública para investir no emprego, na saúde e na educação;

– Prender quem afundou o país e roubou o povo;

– Baixar o IVA e taxar offshores e grandes empresas;

– Aumentar o salário mínimo;

– Renacionalizar empresas estratégicas, investir na indústria, pescas e agricultura;

– Nacionalizar a banca.

 Manuel Afonso e Cristina Portella

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