“Ó Crato vai-te embora já!”

Os números são brutais: dos mais de 51 mil candidatos aos concursos de professores, 40 mil não foram colocados. Destes, pelo menos 6 mil eram professores com mais de dez anos de serviço. Trata-se do “maior despedimento coletivo realizado em Portugal”, diz a Fenprof.

As razões para esta hecatombe na Escola pública já são conhecidas: era preciso cortar 102 milhões de euros na Educação para cumprir os ditames do memorando da troika, e o ministro Crato diligentemente preparou, no último ano letivo, as medidas que conduziram a este resultado:

– aumentou o número de alunos por turma;

– decretou uma revisão curricular que diminuiu horas de ensino em várias disciplinas;

– reorganizou o horário letivo para pôr os professores a trabalharem mais horas, diminuiu as horas para a direção de turma, etc.;

– criou 150 novos mega-agrupamentos.

Quem tinha ilusões nas promessas de Nuno Crato dum ensino “de rigor e exigência” tem aí o verdadeiro conteúdo da sua política: rigor nos cortes no ensino público para satisfazer as exigências dos mercados financeiros. Nada mais.

Para pagar a bancos e boys despedem no ensino

Nuno Crato não tenciona ficar por aqui. Em entrevista ao semanário Sol de 6 de setembro, e um dia antes de Passos Coelho anunciar mais um devastador pacote de austeridade para 2013, afirmou que há professores a mais e que “a redução de professores é inevitável nos próximos anos”.

Não seria de esperar outra coisa. Quando o governo pagou em junho a bancos credores da dívida portuguesa (a maioria dos quais alemães e franceses) “obrigações no valor de 8,7 milhões de euros do tempo do governo PSD-CDS de Durão Barroso” (DN, 29/8/12); quando assessores e boys do governo continuam a usufruir de benesses escandalosas e os bancos privados a receber ajudas estatais; quando enfim a dívida pública, pela qual os trabalhadores e reformados deste país não são responsáveis, disparou para mais de 188 mil milhões de euros – mais 55 milhões de euros do que há ano e meio! – que pode Crato prometer senão mais desemprego e piores condições nas escolas? A troika dixit e os ministérios cumprem: sangrem-se os serviços públicos e os salários de quem trabalha ou trabalhou para acudir a bancos, especuladores e boys do governo.

Protestos simbólicos em vez de luta efetiva

Infelizmente, as próprias direções sindicais alimentam ilusões em Nuno Crato. No final duma vigília em frente ao ME em 27 de julho, o secretário-geral da Fenprof, Mário Nogueira, afirmou que a tutela “reconheceu” que os horários-zero e a vinculação dos professores contratados eram “problemas para os quais (iria) procurar resposta rápida” (citado pela Lusa) e considerou estas ocas palavras … “uma vitória” (sic!).

Assim, em vez de preparar uma mobilização em setembro que marcasse o início do ano letivo com a revolta dos professores – contratados, efetivos e desempregados – os sindicatos da Fenprof limitaram-se a organizar “protestos simbólicos” nos centros de emprego no dia 3. E no dia seguinte, já depois de conhecidos os gravíssimos números dos despedimentos, a Fenprof escreveu ao ministro pedindo-lhe “uma reunião com carácter de urgência” para tratar, entre outras coisas, do “regime extraordinário de vinculação de professores. Perante o desastre, a maior federação sindical de professores continua a privilegiar a via da (falsa) negociação.

A resposta de Crato é lapidar: não só anuncia que o despedimento de professores continuará e é “inevitável”, como arrogantemente afirma, na mesma entrevista ao Sol, que “a contestação na rua não vai acontecer”.

Pode ser que se engane. Pois o que está na ordem do dia para a classe docente é – com ou sem Fenprof – retomar a contestação na rua, reivindicar a reintegração dos colegas despedidos, exigir que os sindicatos rompam o quadro de “diálogo” com o ministro, pedir a demissão deste. Foi o que gritaram milhares de professores nas manifestações de julho em Lisboa e Coimbra: “Ó Crato, vai-te embora já!”.

Ana Paula Amaral (professora)

Construir a alternativa pela base

No dia 3 de setembro, mais de 80 pessoas, em sua maioria professores, reuniram-se na Praça da República, em Coimbra, no Encontro pela Defesa da Escola Pública (foto). Neste espaço, onde todos puderam falar e apresentar as suas propostas, aprovou-se:

– Juntar forças às iniciativas da Plataforma pela Educação: a) dinamizando em Coimbra a distribuição aos encarregados de educação de informações sobre as consequências nefastas que as recentes medidas vão ter na qualidade de ensino das crianças e jovens deste país (na abertura das aulas entre 10 a 14 de setembro); b) dinamizando uma vigília com plenário, dia 17 de setembro, às 21h ,novamente na Praça da República (que será em simultâneo com outras vigílias/plenários previstas em outras cidades do país).

– Pressionar os sindicatos, através de cartas, e-mails, abaixo-assinados, etc., para que façam um aviso de greve por tempo indeterminado a começar no primeiro dia de aulas, dando assim oportunidade aos professores de gerirem os seus tempos de greve, seja individualmente ou em grupos.

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