Os mineiros e o povo contra os cortes de Rajoy e da União Europeia

Embora bastante reduzido pelo processo de desindustrialização promovido pelos sucessivos governos do PP e do PSOE, o sector mineiro espanhol ainda conta com cerca de dez mil trabalhadores na área do carvão e mais vinte mil postos de trabalho indiretos. Com as famílias e os milhares de pequenos negócios que sobrevivem à custa da indústria carbonífera, a economia das chamadas “cuencas mineras” e de parte importante das Astúrias sofreu um rude golpe com o anúncio de que o governo de Rajoy vai reduzir substancialmente os subsídios para a indústria do carvão.

Com efeito, ao cortar quase 600 milhões de euros antes comprometidos e negociados com o anterior governo, Rajoy e Soria (o atual ministro da Indústria) condenam os mineiros, as famílias e as “cuencas” a grande incerteza económica, desemprego e desertificação no curto e no médio prazo.

Escudando-se na argumentação espúria da crise económica geral e dos custos financeiros e ambientais da indústria carbonífera, o governo do PP esquece-se de referir que a suposta falta de dinheiro não o impediu de oferecer 22 000 milhões de euros para salvar os seus amigos especuladores da Bankia, que os gastos com a exploração de outra fontes energéticas são mais elevados ou que os mecanismos para controlar mais eficazmente a saída de dióxido de carbono para a atmosfera estão a ser boicotados pelos próprios responsáveis do PP. Por trás da aceleração da data prevista para o termo da indústria do carvão (2018), parecem estar não só os planos geoestratégicos das multinacionais da energia na UE, mas também interesses de empresas espanholas ligadas à produção de energia nuclear.

Os mineiros asturianos: sempre à frente das lutas

Poucos sectores laborais e operários terão uma história tão rica em lutas, conquistas e derrotas como o dos mineiros asturianos. Em 1934, chegaram a tomar provisoriamente o poder nas Astúrias e enfrentaram diretamente o exército em duras refregas cujo saldo trágico redundou em dois mil mortos, milhares de feridos e dezenas de milhares de detidos. Em 1962, um levantamento por aumentos salariais transformou-se na primeira greve de massas que a ditadura franquista teve de enfrentar após o seu triunfo na Guerra Civil. Desde os anos 70 até à atualidade uma série de greves, manifestações e outras ações conseguiu conquistas importantes, como aumentos salariais, indemnizações e pensões acima da média de outros sectores laborais menos organizados e combativos, mas sem reverter de modo decisivo o processo de desindustrialização das “cuencas mineras”.

Agora, as decisões desastrosas do governo de Rajoy obrigaram os mineiros a sair novamente à luta com a união, combatividade e coragem que todos lhes reconhecem. Estão em greve há quase cinquenta dias e a taxa de adesão é de 100%. Promoveram manifestações locais, regionais e em Madrid. Fizeram centenas de cortes de estradas e ferrovias com barricadas, com armamento artesanal típico da autodefesa operária e com amplo apoio das populações locais.

Numa situação de ofensiva brutal do gabinete de Rajoy (antes do governo do PSOE) contra os trabalhadores, de uma taxa de desemprego perto dos 25% (mais de 50% entre os jovens) e de ajudas massivas à banca para salvar os especuladores à custa dos trabalhadores e do povo, a luta dos mineiros tornou-se um símbolo da resistência popular à política recessiva e neoliberal. De conflito sindical localizado a luta com alcance político nacional foi um passo.

Daí que a campanha mediática de denúncia da violência dos mineiros não tenha produzido qualquer resultado, pois a maior parte dos trabalhadores e do povo sabe que a violência está do lado das duras medidas do governo e da brutalidade da polícia de choque. Daí que a “marcha negra” provinda das “cuencas mineras” até Madrid tenha sido rodeada de mostras de solidariedade ativa por parte de dezenas de milhares de pessoas ao longo dos 400 quilómetros que separam os centros mineiros asturianos da capital espanhola.

As manifestações mineiras em Madrid a 10 e 11 de Julho

Na noite de 10 de Julho, Madrid viveu um cenário bastante invulgar. Passava das onze da noite quando algumas centenas de mineiros equipados com os fatos de trabalho e com as lanternas dos capacetes acesas foram recebidos sob aplausos por dezenas de milhares de pessoas e marcharam desde o palácio governamental da Moncloa até à Plaza del Sol. Ao longo do trajeto outros milhares de madrilenos concentravam-se nas margens das avenidas para saudar os mineiros e ouviram-se desde o hino tradicional “Santa Barbara Bendita” a palavras-de-ordem como “Madrid obrero apoya los mineros” ou “Huelga, huelga, huega general”, passando por vozes de descontentamento que se centraram no ataque ao PP sem esquecer o papel nefasto que o PSOE tem vindo a jogar.

Retemperadas as forças e reforçadas amplamente as hostes mineiras pela chegada a Madrid de quinhentos autocarros vindos das Astúrias e de outras regiões de Espanha com mineiros, familiares e apoiantes, a mobilização prosseguiu na manhã do dia 11 de Julho com uma marcha de vários quilómetros entre a Plaza de Colón e o Ministério da Indústria. Ao longo de todo o trajeto no Paseo de la Castellana, mais de 50 000 manifestantes responderam ao ato organizado pelas centrais sindicais maioritárias (UGT e CCOO) e apoiado também pelos sindicatos alternativos.

A chegada ao Ministério da Indústria transformou-se rapidamente em batalha campal com a polícia de choque a dispersar a bastonadas e balas de borracha os mineiros, as famílias e os apoiantes. A brutalidade policial redundou em 76 feridos e em vários detidos. Por seu lado, as negociações entre as cúpulas sindicais e o ministro da Indústria não trouxeram nada de novo, mantendo-se a inflexibilidade do governo.

Nas ruas, parte dos mineiros e dos outros manifestantes apontavam o caminho para fazer dobrar Rajoy: “Se não há solução, mais barricadas”, gritavam em língua asturiana os mineiros e operários agrupados na Corriente Sindical de Izquierda (sindicato asturiano formado nos anos 80 por dissidentes das CCOO), “A Toxo y Mendez [secretários-gerais das CCOO e da UGT] les queremos perguntar cuantos recortes hacen falta más para convocar otra huelga general”, cantavam em uníssono alguns milhares de trabalhadores e jovens.

Por volta das oito da noite, realizou-se a segunda manifestação do dia. Convocada por fora das burocracias sindicais da UGT e das CCOO, e sem contar inclusive com o apoio dos anarquistas da CGT, este ato, que foi chamado pela plataforma Hay que Pararles los Pies (entre várias organizações sindicais e políticas da esquerda alternativa, formam parte dessa plataforma os sindicatos filiados às CO.BAS e o grupo trotskista Corriente Roja) e foi apoiado por várias assembleias do 15-M e pela própria Corriente Sindical de Izquierda, contou com cerca de vinte mil pessoas e teve a presença de dezenas de mineiros e familiares à cabeça da marcha que partiu de Atocha e terminou na Plaza del Sol. Durante o percurso, o ódio acumulado contra a repressão policial da manhã e o aumento do ataque do governo contra o mundo do trabalho e a juventude traduziu-se em palavras de ordem a pedir a demissão do executivo (“Mariano, Mariano [Rajoy] no pasas del verano”) e a ameaçar com a explosão social (“Si no hay solución, habrá revolución”, “Dinamita, Dinamita”).

No fim do ato, foi lido um manifesto a apelar não só à manutenção dos montantes acordados para subsidiar o carvão, mas também à nacionalização das minas sob controlo dos trabalhadores e à generalização e unificação das lutas numa nova greve geral. Além disso, um orador mineiro explicou as razões do protesto da classe e denunciou a campanha de criminalização do protesto por parte do PP, da comunicação social de direita e da polícia.

Entretanto, o conflito continua em aberto e tende agora a unificar-se com a luta da Função Pública e do povo na sequência dos novos cortes anunciados pelo governo de Rajoy no próprio dia 11 (retirada do subsídio de Natal aos funcionários, aumento do IVA de 18 para 21%, diminuição do valor do subsídio de desemprego). Desde que os novos cortes se tornaram conhecidos tem havido vários protestos espontâneos em Madrid e noutras cidades com manifestações e cortes de trânsito improvisadas. As cúpulas das principais centrais sindicais viram-se obrigadas a convocar rapidamente uma manifestação nacional para o próximo dia 19 de Julho.

Com o PSOE desacreditado pela anterior governação de Zapatero e pela postura conciliadora do atual secretário-geral que pretende um pacto de unidade nacional com o PP; com a Izquierda Unida (IU) a governar a Andaluzia em unidade com o PSOE e a aplicar algumas das medidas da direita neoliberal (corte de salários dos funcionários, aumento do número de horas de trabalho para os professores, etc.); e com os principais dirigentes sindicais a adiar sine die uma nova greve geral, resta a esperança de que as bases trabalhadoras e populares se auto-organizem, pressionem as burocracias sindicais a radicalizar os protestos, fortaleçam o sindicalismo alternativo e haja uma reorganização política que venha a unificar as várias forças à esquerda da IU, faça girar esta força à esquerda e promova a rutura dos sectores do PSOE adversos à deriva neoliberal das sucessivas direções do partido.

Caso contrário, o titular de um jornal madrileno (“La Unión Europea ya manda”) tornar-se-à rapidamente uma realidade incontornável, a espiral da dívida prosseguirá indómita e todos os atropelos aos salários, às condições de trabalho, ao direito à educação, à saúde, à segurança social ou à habitação continuarão a empobrecer a maioria esmagadora da população.

João Lopes, de Madrid

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