Não há volta a dar, o governo Passos Coelho encontra-se “entalado”. De um lado tem tido um desempenho orçamental para lá de catastrófico, que deixa bem distante a meta acertada com a troika de fechar o fim deste ano com um défice de 4,2% do PIB. Por outro, tem um nº 2 para lá de tostado, o licenciado Relvas, cujas peripécias devem ter tirado o sono do seu colega de ministério, o “meritocrático” Crato. Mas tem mais: depois de uma aparente letargia, o movimento social português começa a dar sinais de vida. São os médicos numa greve nacional de dois dias com 95% de adesão; são os professores a marchar em Lisboa contra os horários zero, a precariedade e os despedimentos; são as populações pelo interior afora a protestar contra a falta de médicos e o fecho dos tribunais; são as vaias a acompanhar o primeiro-ministro e os seus pares para qualquer lugar que vão, etc.
Para piorar as coisas para o governo português, a vizinha Espanha encontra-se em meio a um vendaval. Rajoy, depois de muita bravata, anunciou a intervenção da troika e as medidas habituais para resolver o problema do endividamento da banca e cumprir o receituário da União Europeia e do FMI: aumento do IVA, corte do subsídio de Natal dos funcionários públicos, redução do valor do subsídio de desemprego, entre outras que vão aumentar o desemprego e a pobreza da população.
Mas a reação veio rápida. No mesmo dia do anúncio das medidas, milhares de funcionários públicos concentraram-se em vários pontos de Madrid, inclusive em frente à sede do PP, e cortaram ruas, a demonstrar que não estão dispostos a aceitar que sejam eles a pagar a crise dos capitalistas. “Ahí está la cueva de Alí Babá”, “Hunden al obrero, rescatan al banquero” ou “Rajoy, si no tienes soluciones, convoca elecciones”, são algumas das palavras de ordem gritadas pelos manifestantes. Na véspera, a população de Madrid já tinha se juntado aos mineiros, para solidarizar-se com a Marcha Negra, numa luta pela manutenção das minas e dos postos de trabalho.
Banho-maria deve acabar
Até agora, Passos Coelho e a sua trupe estavam sempre a vangloriar-se da “paciência” e da “compreensão” do povo português. E tinham uma certa razão. A resposta dos trabalhadores e da população às medidas impostas pelo governo estava (e ainda está) bastante aquém da necessidade. O governo roubou metade do subsídio de Natal de 2011 de todos os assalariados; depois anunciou o roubo dos dois subsídios na Função Pública; tudo isso acompanhado de cortes orçamentais na saúde, na educação e nas ajudas sociais; reduziu a quase zero os investimentos públicos e causou o aumento da recessão e do desemprego, que atinge níveis históricos. Aumentou o IVA, as tarifas de água, luz, gás e transportes. Há cada vez mais portugueses a ter de recorrer à caridade para não passar fome; há cada vez mais portugueses a emigrar; a população reduz-se a olhos vistos, porque enquanto os imigrantes fazem as malas, poucos e poucas têm coragem – e suficiente esperança – para colocar mais um português no mundo.
O governo PSD/CDS-PP fez tudo isso com a desculpa de que era o único caminho. Antes dele o governo PS tinha dito o mesmo ao assinar o acordo com a troika. Afirmou-se também que os sacrifícios eram para todos e que em 2013 tudo ia melhorar. Mas os trabalhadores, apesar de aturdidos e sem enxergar alternativas, começaram a perceber que não era bem assim. O exemplo da Grécia estava ali, todos os dias nos telejornais, a demonstrar que o caminho seguido pelo governo grego – em tudo semelhante ao português – levou aquele país a um beco sem saída de ruína social, que só a luta podia alterar. Começou a ficar claro, também, que os privilégios da elite eram mantidos e que os homens do governo não eram para confiar. É aí que entra o caso Relvas.
O caso Relvas funciona como uma espécie de catalisador da raiva popular contra esse governo. Ao mesmo tempo em que o deixa numa encruzilhada: se o mantém, Passos Coelho arrisca-se a tê-lo a abrir diariamente os telejornais, numa “fritura” que não poupa nenhum elemento do executivo, mas incide com particular violência sobre o próprio primeiro-ministro; se o afasta, dá mostra de fraqueza e abre o flanco para novas investidas – dos de baixo, mas também dos de cima, muitos dos quais nada satisfeitos com o desempenho do seu partido no poder.
Não há, felizmente, volta a dar: é muito pouco provável que tenhamos um segundo semestre a repetir o primeiro. Já era hora de o banho-maria se acabar.
Cristina Portella