Com uma grande adesão, superior, segundo as entidades representativas da classe, a 90%, os médicos realizaram o primeiro dia de greve para exigir do governo a suspensão do concurso público para contratar médicos pelo menor preço-hora, entre outras medidas que visam destruir o Serviço Nacional de Saúde. Na foto, a concentração que reuniu cerca de 2 mil médicos em frente ao Ministério da Saúde, em Lisboa.
Muito se tem dito sobre os médicos nos últimos dias – que são privilegiados, que querem direitos que os outros trabalhadores não têm… Esta tem sido a manobra do governo para destruir o Serviço Nacional de Saúde (SNS) como o conhecemos – denegrir médicos e outros profissionais de saúde para desviar a atenção daquilo que está de fato a acontecer.
Várias têm sido as medidas que privam a população de cuidados de saúde: o aumento das taxas (i)moderadoras, o fecho de serviços em vários hospitais (neurologia, infeciologia, cirurgia, entre outros), o fim das comparticipações nos transportes dos doentes, etc.
As nossas reivindicações são pela defesa do SNS!
Porque é que é mau para o SNS e para os utentes a contratação de médicos através de empresas de prestação de serviços?
1º Se há falta de médicos no país, se há listas de espera, se há milhares de doentes sem Médico de Família porque é que não são contratados médicos definitivamente? Disseram que iam contratar 2000 médicos, mas isso apenas corresponde à manutenção de 2000 médicos internos que agora são especialistas, mas que já estavam a trabalhar no SNS… Isso claramente não vai resolver o problema.
2º Se são precisas as tais 2,5 milhões de horas de serviços médicos porque é que o Estado não contrata os médicos diretamente em vez de pagar a empresas para o fazer? Essas empresas, para terem lucro, fazem-no pedindo ao Estado mais dinheiro do que o que pagam aos médicos, ficando depois com a diferença – esse dinheiro poderia ser utilizado para os gastos do SNS e não para dar de mão beijada a essas empresas, que não acrescentam riqueza nenhuma ao país. E ainda diz o ministro que é preciso poupar!
3º Se os médicos forem contratados por empresas como “prestação de serviços”, têm apenas de cumprir o estipulado no contrato – por exemplo, 20 consultas por dia, independentemente da qualidade das mesmas.
4º Os médicos nestas condições deixam de estar integrados em equipas estáveis, de responder perante chefes e diretores de serviço e não são sujeitos aos regulamentos internos dos hospitais porque são contratados por empresas e não pelo hospital. Tudo isto condiciona uma ausência de controlo sobre a atividade do médico, bem como transforma o exercício da profissão em contabilização de números: tantas consultas, tantas cirurgias, etc…
Mentiras do governo para virar a população contra os médicos
Mentira 1: os médicos só pensam nos salários milionários…
Ainda dizem por aí que os médicos recebem muito. Na verdade, um interno tem um ordenado médio líquido de 1300 euros para 40h de trabalho semanal, o que dá cerca de 8 euros/hora. Grande fortuna, tendo em conta a responsabilidade, a necessidade de estudar diariamente (porque somos sujeitos a avaliações regulares), o tempo que precisamos de estudar para chegar a médicos (12 anos de escola até à entrada na faculdade mais 6 anos de licenciatura) e depois a especialistas (4 a 6 anos de internato). Mesmo médicos especialistas há vários anos nunca chegam a ganhar o mesmo que um juiz ou professor universitário e já estão a contratar recém-especialistas com ordenados inferiores aos de um interno (e tendo que assumir muito mais responsabilidades).
Mentira 2: as carreiras médicas não têm nada a ver com a defesa do SNS…
As carreiras médicas foram uma conquista da classe e do SNS. Ao instituir uma forma de hierarquizar a posição de um médico em relação a outro, permitia-se uma avaliação continuada das capacidades e conhecimentos de um médico (era preciso prestar provas para mudar de graduação), promovia uma hierarquização das responsabilidades o que auxiliava também na organização dos serviços. Se só tivermos médicos tarefeiros, nenhum médico tem que dar provas daquilo que está a fazer a ninguém (a não ser à empresa que o contratou, que pouco se importa com o que acontece aos doentes, desde que sejam cumpridos os números…).
Todos pelo SNS
Esta campanha contra a greve dos médicos tem o claro propósito de pôr a população contra os médicos e enfraquecer as lutas, enquanto vão destruindo paulatinamente o SNS.
É essencial que nos juntemos todos, médicos, enfermeiros, técnicos de saúde (técnicos de meios auxiliares de diagnóstico e terapêutica, nutricionistas, dietistas, fisioterapeutas), psicólogos e outros profissionais da área da saúde, bem como toda a população, numa luta pela manutenção do SNS, contra os ataques do governo e da troika. Porque a saúde não tem que dar lucro – é um direito de todos!
Os cortes na saúde não são inevitáveis. Suspendam as ruinosas Parcerias Público-Privadas (PPPs) e a transferência de centenas de milhões de euros da ADSE para os grupos privados e, aí sim, não será preciso cortar, mas haverá recursos para investir no SNS.
Pela defesa da Saúde! Pela unidade na luta contra estas medidas!
F. P. (médica)