“Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”, artigo 65º da Constituição Portuguesa. Este artigo, como muitos outros, não tem qualquer valor, face aos superiores interesses dos mercados financeiros, imobiliários, do capitalismo e dos governos que os sustentam, sejam eles locais ou centrais.
Este é o caso do Bairro de Santa Filomena, situado no coração da cidade da Amadora e habitado, na sua maioria, por cidadãos oriundos de Cabo Verde. São pessoas de escassos recursos financeiros, muitos deles desempregados, um pouco à imagem do resto do país, mas numa situação agravada pelo fato de muitos deles serem imigrantes e negros, os setores mais explorados da sociedade. O salário médio dos habitantes do bairro ronda os 250 euros.
É este bairro que a Câmara Municipal da Amadora (CMA) está a demolir, de acordo com o Plano Especial de Realojamento (PER), baseado no censo de 1992/93, ou seja, um censo de há 20 anos. Desta forma, cerca de 60 famílias ficaram fora do Plano de Realojamento.
Para “solucionar” este problema, a CMA propôs às famílias excluídas o pagamento das três primeiras rendas, no valor de cerca de 350 euros, ou, em alternativa, pagar a viagem só de ida para Cabo Verde. Resumindo: “ou vais para a tua terra, ou ficas a dormir com a tua família debaixo da ponte”.
Mobilização popular
No passado dia 14 de Junho, várias dessas famílias foram notificadas individualmente para comparecer à Junta de Freguesia da Mina. Contudo, numa reunião no bairro decidiram criar uma comissão de moradores, a quem delegaram o poder de os representar nas negociações com a CMA.
Assim, os moradores de Santa Filomena, os notificados e tantos outros que não estavam nestas condições, dirigiram-se à Junta de Freguesia.
Os que estavam notificados recusaram-se a participar na reunião com as assistentes sociais e fizeram notar que quem devia ser recebida era a Comissão de Moradores, o que foi liminarmente recusado por estas. Igualmente viram gorada a pretensão de serem recebidos pelo presidente da Junta de Freguesia da Mina.
Depois disso, os moradores regressaram ao bairro, tendo reunido para definir os próximos passos da luta, no sentido de encontrarem uma solução coletiva e não caso a caso, como tem sido feito, com a intenção de fragilizar o poder reivindicativo das famílias do bairro.
Recebidos, mas pelos bastões da Polícia Municipal
No dia 21 de junho, os moradores de Santa Filomena dirigiram-se pacificamente à CMA para entregarem uma carta na qual apelavam ao retorno das negociações, com o objetivo de ser encontrada uma solução para o problema criado pelo PER. Ao chegarem ao edifício da Câmara, foi chamada a Polícia Municipal, que compareceu em massa e começou a hostilizar e agredir violentamente os presentes. O resultado foi um ferido, levado pelo INEM para o hospital, e um outro morador levado à força para a Esquadra da Mina, tendo ainda sido destruídas pela polícia as fotos e vídeos que provavam as agressões.
Esta é a forma de diálogo que a CMA tem com quem reivindica o cumprimento do Artigo 65º da Constituição Portuguesa.
Câmara não quer resolver os problemas dos bairros
A CMA orgulha-se de “ser bem comportada” com as contas, de ser dos poucos municípios que não têm prejuízos. Mas não se pode orgulhar de ser o concelho do país que tem o maior numero de bairros degradados. E de pouco ou nada ter feito para resolver o problema das pessoas que lá vivem.
Bem pelo contrário, a Câmara Municipal e a Polícia têm contribuído para a “guetização” dos bairros que apelidam de “problemáticos”, cercando-os de forças policiais e de câmaras de vídeo-vigilância.
Criando o estigma que os seus habitantes não são mais do que delinquentes e marginais, passando para a comunicação social que “todos os males do mundo” são oriundos destas “ilhas”. Lançando, o medo, a desconfiança e fazendo nascer sentimentos racistas e xenófobos na população da cidade e do país contra os habitantes dos bairros.
Para a Câmara Municipal a melhor solução para resolver o problema dos bairros seria a sua demolição e a deportação dos moradores, na sua maioria imigrantes. Bem à maneira dos Sarkozy e Le Pen desta Europa liberal.
Os bairros são verdadeiramente “problemáticos”, mas para os seus habitantes, vítimas de exclusão social, racismo, xenofobia, desemprego, falta de escolas, creches e centros de saúde. O que não lhes falta é a repressão.
A política social da CMA para os bairros é a “caridadezinha”, do tipo “que bonzinhos que nós somos, até vamos aos bairros problemáticos, ajudar os pobrezinhos”, tanto do agrado dos governantes locais e nacionais, que dá sempre muitos votos nas campanhas eleitorais.
É necessário inverter esta situação! É necessária a unidade e mobilização dos moradores e a solidariedade da população da Amadora, na luta pela resolução dos problemas dos bairros, que é um problema básico de habitação e de justiça social.
Z.F.