Greves e protestos em tempos de bola

O Euro 2012, como muita gente supõe ou torce (o governo) por isso, não está a reduzir a capacidade de indignação dos portugueses. Sem traduzir-se, nos últimos tempos, em grandes mobilizações de rua, o descontentamento está a expressar-se em greves por classe profissional e fortes manifestações populares em várias cidades do país.

Foi o caso da greve dos trabalhadores da recolha de lixo urbano durante uma semana em Lisboa, das várias paralisações organizadas pelos trabalhadores da CP, da luta dos 800 trabalhadores do Call Center da EDP em Lisboa e Odivelas, da greve programada para 11 e 12 de Julho pelos médicos do Serviço Nacional de Saúde, entre outras. No caso das manifestações populares, as mais importantes nos últimos tempos foram as realizadas contra o novo mapa judiciário, além das vaias que não estão a dar trégua aos homens do governo, particularmente o presidente da República, Cavaco Silva, e o primeiro-ministro, Passos Coelho.

Mas é preciso unificar esse descontentamento sindical e popular numa grande luta contra o governo. Principalmente porque é possível, para breve, o anúncio de novos ataques aos trabalhadores e à população. É isso que se depreende do reconhecimento, por parte do ministro das Finanças, de que o cumprimento da meta fixada para o défice orçamental com a troika para este ano está ameaçado. Vítor Gaspar – vagarosa e cinicamente – disse o que todos já sabíamos. Mas não admitiu o óbvio: com a política recessiva do governo de cortar no investimento público, nos salários e pensões para pagar a dívida, dar dinheiro à banca e pagar a roubalheira organizada, como as Parcerias Público-Privadas, as receitas caem e a dívida sobe.

Contra o novo mapa judiciário

A ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, deu início a reformas no sistema judicial português. Dir-se-ia que as reformas fariam sentido e seriam necessárias. Mas não as da ministra: querem promover os julgamentos instantâneos, acelerar os processos, diminuir o número de funcionários e privar de serviço judiciário as populações do interior. Contribui, desta forma, para o isolamento e a desertificação do interior do país, para além de acentuar ainda mais as dificuldades sentidas pela população no acesso à justiça.

Surda aos protestos de centenas de cidadãos que já se viram privados de serviços de saúde, entre postos médicos e hospitais; estações de correio; serviços de transportes, tais como comboios suprimidos, linhas de caminho de ferro arrancadas, carreiras de autocarro que deixam de se efetuar e até transporte de doentes vem agora encerrar uma série de tribunais de comarcas como Alfandega da Fá, Boticas, Bombarral, entre outros. O governo planeia extinguir um total de 54 tribunais para a “justa” implementação do novo mapa judiciário, que também contempla a figura do juiz itinerante.

A desolação grassa neste país onde o dislate é tão profundo que os próprios autarcas afetos ao PSD, partido do governo, na pessoa de Fernando Campos, vice-presidente da Associação Nacional de Municípios, e ao PS, no seu papel de branda oposição e na pessoa do vice-presidente da bancada parlamentar, Ricardo Rodrigues, fazem, hipocritamente a parte de indignados, porque se ficassem indiferentes e acríticos perderiam ainda mais a confiança dos seus eleitores.

Greve do lixo

Os trabalhadores da recolha de lixo urbano, cantoneiros e motoristas realizaram entre 11 e 17 de junho uma greve pelo correto pagamento de subsídios e horas extraordinárias. Pelos efeitos visíveis – sacos e detritos acumulados por toda a cidade – e segundo informações do Sindicato dos Trabalhadores do Município de Lisboa, a greve foi acatada por grande parte dos trabalhadores. A Câmara de Lisboa terá tentado furar a greve promovendo recolhas pontuais a seguir às festas de Santo António, sem, no entanto, ter tido sucesso.

Esta greve, de grande importância para a defesa dos direitos e rendimentos dos trabalhadores para além da defesa de um serviço público municipal de qualidade, já teve efeitos positivos. De acordo com fonte sindical algumas reivindicações já foram conseguidas. A CML acedeu ao pagamento do subsídio noturno na totalidade – 25% sobre o vencimento – que não estava a ser pago corretamente; será efetuado o pagamento dos retroativos desse subsídio desde março deste ano, altura em que houve alterações no pagamento; será pago o trabalho extraordinário realizado em 2011, em dívida aos trabalhadores, por ocasião das Festas da Cidade de Lisboa; e, finalmente, será concluído o concurso para condutores de MPVE, que se encontrava suspenso, através da admissão imediata de 43 trabalhadores.

Falta ainda satisfazer outras reivindicações relativas ao pagamento do subsídio noturno sobre o trabalho extraordinário efetuado e o pagamento de ajudas de custo/apoio à refeição dos trabalhadores da recolha de resíduos sólidos.

Greve na EDP

Depois de 7 anos sem qualquer revisão salarial, os cerca de 800 trabalhadores da Tempo Team, empresa de trabalho temporário (ETT) que presta serviço à EDP, marcaram várias paralisações em junho para reivindicar um aumento salarial de 30 euros e melhores condições de trabalho.

Apesar de realizarem todo o atendimento aos consumidores (avarias, contratos, faturas e reclamações, entre outros serviços), eles ganham menos da metade – 600 euros – do que ganhariam se pertencessem ao quadro da EDP.

As ETTs foram criadas para superexplorar os trabalhadores e proporcionar lucros enormes às empresas que as controlam. A Tempo Team, como em geral todas as ETTs, fica com praticamente 50% do valor pago pela EDP correspondente aos salários.

A todos os trabalhadores e populações em luta, a nossa solidariedade!

Lina Pereira e Cristina Portella

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