MAS: uma nova esquerda ou mais do mesmo?

Entrevista de Rui Marçal a Manuel Afonso, ativista e militante do MAS, publicada na Vice, revista de cultura juvenil em http://www.vice.com/pt/read/mas-uma-nova-esquerda-ou-mais-do-mesmo

Para dizer a verdade, a sigla do Movimento de Alternativa Socialista (MAS) não é a melhor de sempre. Quando leio ou digo MAS parece que vou fazer uma piada com a conjunção adversativa. Mas (é disto que estou a falar) vamos dar o desconto, o país está de tal modo que qualquer iniciativa é bem-vinda, mesmo quando se trata de mais uma esquerda. Fui falar com o Manuel Afonso, ativista e precário (não somos todos?) que integra o Movimento de Alternativa Socialista.

VICE: Além do MAS, já conhecemos o PAN, o PCTP/MRPP, o BE, o PCP. Acreditas mesmo que há um espaço político por preencher ou a vossa aposta é ganharem esse mesmo espaço a outros partidos?
Manuel Afonso: De facto eu creio que existe um espaço. O nosso crescimento é sinal disso. Quando vamos para rua e já estamos acima das 4000 assinaturas [para a legalização do partido] e falamos com pessoas que não conhecemos e que nos dão os contactos para vir a reuniões, etc. Isto já é um sinal de que esse espaço existe. Mas esse espaço também vem dos outros partidos. Ou seja, o Bloco e o PC têm cometido muitos erros e muitas pessoas desiludem-se e vão para casa, deixam de lutar e deixam de ser ativistas. A nossa aposta é poder dar oportunidade a essas pessoas, que uma vez que estão desiludidas, que façam uma experiência nova em vez de voltarem para o sofá.

Como aparece o MAS?
O MAS foi criado a 10 de Março e nasce do Bloco de Esquerda. Fazíamos parte de uma tendência que era conhecida como Ruptura/FER e, na sequência de uma visão diferente, foram-se extremando posições no Bloco e foi-nos sendo fechado algum espaço. E decidimos vir cá para fora dizer o que antes dizíamos no Bloco. Por isso foi preciso criar um novo partido.

No MAS os militantes fazem parte de organismos, mas não existem cargos individuais…
A aposta que nós estamos a fazer, e que esta entrevista prova, é precisamente a descentralização. Não ter um porta-voz único. O MAS quer apresentar caras novas ao país, como o André Pestana, a Sofia Rajado, a Raquel Oliveira e eu próprio.

Ideologicamente, o que vos distingue?
O resto da esquerda tem medo de uma mudança efetiva ou não acredita nela. Nós confiamos no povo, nos trabalhadores e na juventude e acreditamos numa nova revolução e num novo 25 de Abril. Não para daqui a 100 anos, mas no nosso tempo de vida, a tempo de salvar o futuro das “gerações à rasca”. E acreditamos que essa revolução não é apenas para pôr lá novos chefes, mas para limpar o país de todos os corruptos, banqueiros e seus lacaios que afundaram o país. Em seu lugar devem governar os trabalhadores, os jovens, o povo. É esse o nosso socialismo, que nada tem a ver com o estalinismo de Cuba, China ou da ex-URSS, mas que não se restringe também a aprovar decretos-lei na Assembleia da República.

Atualmente existem muitos movimentos de jovens precários. De que é que valem, mesmo?
Esses novos movimentos cumprem um bocado esse papel de resgatar para o ativismo aqueles que se desiludiram com a política mais institucional. Porém muitas vezes não chega, porque os movimentos dão resposta parcial a alguns problemas, mas só um partido é que pode dar resposta global a todos os problemas da sociedade. Agora existe uma confusão na cabeça de muitas pessoas. Pensam que todos os partidos devem ser ou são como os que já conhecem. Nós queremos provar que pode haver um partido não institucional, mas que não deixe, por isso, de ser um partido e ter uma resposta para toda a sociedade.

No futuro, o MAS quererá incorporar estes movimentos?
No futuro não. Enquanto partido, a nossa visão principal, embora queiramos legalizar-nos, ir a votos, etc., não é uma visão institucional e é precisamente aí que queremos apostar. Neste momento já estamos a apostar em movimentos como o 15 Outubro, onde alguns dos mais destacados representantes são do MAS; no movimento Sem Emprego; também recentemente participámos em eleições para os sindicatos dos professores e da banca. Estamos presentes em todos os sítios, como movimentos sindicais e como os novos movimentos para tentar juntar quem luta.

Mas a questão de unir a esquerda já foi feita precisamente pelo Bloco de Esquerda quando o Francisco Louçã falou de “unir toda a esquerda”.
Não há nenhuma solução para o país com aqueles que chamaram a troika e que têm feito o mesmo que o PSD. Nós aí fazemos um desafio à esquerda, à esquerda da troika, para que o Bloco, o próprio PCP e todos aqueles que reivindicam a unidade da esquerda passem das palavras aos atos. Porque na verdade, quando chegam as eleições, todos querem a esquerda unida, mas depois esquecem-se e vai cada um na sua bicicleta como disse o Jerónimo de Sousa e como disse também uma camarada do Bloco de Esquerda na última convenção.

Mas não é paradoxal criar um novo partido para unir?
Ainda bem que me fazes essa pergunta. Porque de facto, à superfície, parece haver uma contradição. Pretendemos a unidade e começamos por sair de um partido para formar outro. Mas essa contradição é apenas superficial. Nós dentro do Bloco já defendíamos que se fizesse uma proposta ao PCP para procura uma aliança à esquerda. Mas aí falamos para mil, duas mil pessoas e para um auditório que estava a esgotar. Agora decidimos falar para 10 milhões e se desses 10 milhões convencermos alguns é muito provável que a esquerda se venha a unir.

A falta de conteúdos programáticos realmente alternativos é uma das críticas comuns a partidos de protesto. Não fazem falta alternativas realistas?
O MAS tenta construir essa alternativa. Nós dizemos que o que é preciso é um plano de resgate, mas um plano de resgate para os trabalhadores e para o povo. Para isso achamos que é preciso fazer algumas coisas antes. É preciso suspender o pagamento da dívida. Não podemos pagar uma coisa que não sabemos de onde vem e que não fomos nós que criámos. Pegar nesse dinheiro e investir no emprego, na educação, na saúde, na indústria, nas pescas e na agricultura, para voltar a criar emprego. E ao mesmo tempo ir auditando essa dívida, perceber de onde ela vem, responsabilizar e inclusive prender os culpados por termos chegado até aqui. Não tens mais nenhum partido da esquerda a dizer isto.

Mas Portugal tem uma alternativa de financiamento?
Tem e passa precisamente por ir buscar o dinheiro onde ele existe. Por exemplo, os cortes no Ensino Superior nos últimos dois anos são equivalentes ao dinheiro gasto nos submarinos do Paulo Portas, é tão simples quanto isso. Estamos a falar de um negócio com bastantes indícios de corrupção. A venda dos submarinos, nos negócios equivalentes feitos pela mesma empresa, estão em tribunal na Alemanha e na Grécia. Cá também é preciso apurar porque é que esse dinheiro foi para submarinos inúteis e não foi para o ensino superior, para reduzir as propinas e haver mais bolsas. Esse dinheiro de facto existe, mas não está a ser aplicado.

Nos vossos cartazes exigem a “prisão para quem roubou e endividou o país” mas esta posição já tinha sido tomada uns meses antes pela JSD…
O que nós achamos é que essa malta, se não tem cuidado, é vítima da sua própria proposta, não é? A diferença entre o nosso partido e todos os que andam aí é que nós vimos para a rua dizer isso, várias das cidades do país já estão cobertas pelos nossos cartazes que dizem isso a milhares de pessoas e não dizemos isso numa ou outra entrevista por motivos eleitorais.

Também no vosso site dizem que “a entrada na União Europeia empobreceu Portugal”. Para além de antitroika, o MAS também quer ser um partido anti-Europa?
Não, não. Nós somos um partido pela Europa. A UE é que é contra a Europa. A UE está a destruir a Europa e a vida dos europeus. Nós achamos que é preciso uma aliança entre os trabalhadores europeus, mas de outro carácter completamente diferente. Uma aliança entre iguais que invista no emprego, que invista nos serviços públicos, e isso é incompatível com as atuais instituições. Basta ver, o que é a troika? É a comissão europeia, o Banco Central Europeu… esses sim é que estão a destruir a Europa, não somos nós.

Em Portugal os protestos são sempre tão calmos, achas que o descontentamento pode escalar para cenas violentas como o que tem acontecido na Europa? Ou talvez ocupações similares às de Wall Street?
Nós somos a favor de que as pessoas se organizem, venham para a rua e decidam democraticamente os caminhos da sua própria luta. Sim, se milhares e milhares de pessoas decidirem ocupar os arredores de S. Bento como se fez durante a revolução portuguesa, acampar no Terreiro do Paço ou qualquer coisa do género, se for decidido pelas pessoas que estão a lutar democraticamente, nós estaremos lá, não vamos controlar os movimentos.

Mas o MAS ou os seus representantes poderão tomar uma iniciativa nesse sentido, por exemplo, já na próxima manifestação do dia 30 de Junho?
A radicalização da luta é útil. Vejamos o caso do emprego, só as lutas radicais da revolução portuguesa levaram o país a anos de pouco desemprego, porque com medo das revoltas populares o governo foi obrigado a criar um milhão de postos de trabalho, mesmo em contexto de contração económica. Agora, não somos nós que decidimos sobre as pessoas, se os manifestantes tiverem vontade de radicalizar nós estaremos lá para que essa vontade não se canalize para iniciativas individuais ou de pequenos grupos, mas sim para iniciativas de milhares de pessoas. Mas nós não somos “controleiros”, não definimos à priori o que vai suceder nas manifs. Batalhamos é para que nas lutas haja espaços para que quem luta possa decidir o que fazer a seguir, como vimos na grande assembleia popular de 15 de Outubro que juntou milhares em frente ao Parlamento. Nós estávamos lá.

Para que eleições apontam e qual é a vossa ambição?
O MAS quer ser mais do que aquilo que é hoje. Nós, nas próximas legislativas, queremos estar presentes em força e, no mínimo, tornarmo-nos conhecidos para todos os jovens e trabalhadores portugueses.

Anterior

A propósito do manifesto de apoio à Syriza

Próximo

Greve dos médicos em defesa da saúde pública