Todos os dias se sabe uma nova má notícia: é a redução das baixas por doença, o corte nossubsídios de férias e Natal que se prolongará para além de 2014 ou 2015, é a diminuição das indemnizações por despedimento, o fim das reformas antecipadas, enfim, um sufoco! O governo agita todos os espantalhos da crise – desde a insustentabilidade da Segurança Social ou do sistema de saúde até à “desconfiança dos mercados” – para fazer o que lhe apetece; e o que lhe apetece é atacar sempre quem trabalha ou trabalhou e reduzir a pó direitos e conquistas sociais.
Mas não se ouve falar de uma única medida ou lei que toque nos lucros das empresas e da banca, nas mordomias de políticos, deputados e gestores e nos privilégios absurdos dos boys. Para conseguir fazer esta política de vale-tudo sem resistência, tem que justificar o injustificável com algumas mentiras, propaladas quase diariamente.
Mentira nº 1: as medidas de austeridade são necessárias para reduzir a dívida pública. A dívida pública bruta ascendia a 107% do PIB em 2011. Para o ano de 2012, o Instituto Nacional de Estatística (INE) estima uma dívida de 112,5%. Só os juros da dívida custam ao país € 34 mil milhões. Fácil é de concluir que o plano da troika não trouxe nenhuma redução do peso da dívida na economia, bem pelo contrário!
Mentira nº 2: as medidas de austeridade são necessárias porque o país está na bancarrota. Mas quem está na bancarrota são as famílias trabalhadoras atingidas pelo desemprego, pela diminuição dos salários e as reduções nos benefícios sociais; tal como os hospitais, escolas e autarquias, que sofreram cortes nos seus orçamentos; igualmente as pequenas empresas que constituem a maioria do tecido económico do país. Sim, esses estão na bancarrota!
O mesmo não acontece com a banca, que ainda recentemente obteve uma generosa injeção de dinheiro: 54 mil milhões emprestados pelo BCE, a uma taxa de 1% de juro. Com esses milhões, os banqueiros emprestaram à economia produtiva, investiram em fábricas e equipamentos, fizeram rolar a produção e o consumo?Contribuíram para salvar o resto do país da bancarrota? Nada disso. O que fizeram foi ir ao mercado comprar títulos da dívida pública portuguesa, com taxas de remuneração de 5, 6 e 7 % … Que belo negócio! Já dizia Marx: o mercado da dívida torna-se ele próprio uma das fontes de acumulação de capital. As grandes empresas, na bancarrota? Os lucros da PT em 2011 foram de € 339 milhões. A Galp teve uma subida nos seus resultados de 19,5%, a Cimpor de 79%. As receitas das empresas não-financeiras cotadas na bolsa “cresceram globalmente [em 2011], 6,6%, passando de 41,9 para 44, 6 mil milhões de euros”. (Público, 31/3). Em suma, alguém está a ganhar com esta crise… e não é o povo!
Mentira nº 3: as medidas de austeridade são necessárias porque “não há dinheiro”. Esta é a mentira que resume tudo: não há dinheiro. É a justificativa de toda e qualquer medida do Governo PSD-CDS. Para muitos de nós, sempre que alguém diz, “o Governo não pode fazer outra coisa: não há dinheiro!”, até parece que ficamos sem argumentos… Aqui como no resto temos que tentar ser concretos: Não há dinheiro? Então por que razão o BPN continua a receber injeções de dinheiro do Estado, ou seja, provindas dos nossos impostos? Depois de o banco ter sido salvo, desde 2008, com uma verba total de dinheiros públicos “que supera os 5 mil milhões de euro”” (DN, 30/3); depois duma reprivatização em condições altamente benéficas para o comprador (40 milhões foi quanto custou a venda ao BIC de Mira Amaral!), o governo de Passos Coelho não só mantém os apoios estatais a um banco privado (€ 400 milhões por mais 3 anos) como continua seu avalista! “No limite, caso o BIC venha a falhar pagamentos de alguns créditos devidos, serão os contribuintes a entrar com o dinheiro em falta.” (idem). Não há dinheiro? Então por que razão foi aprovado, no Orçamento retificativo de Abril, o pagamento de indemnizações às empresas que apostaram no TGV? Porque foi aprovada a continuação do pagamento das despesas relacionadas com esse sugadouro de dinheiros públicos que são as Parceria Público-Privadas (PPPs)? Com pensionistas e trabalhadores o governo quebra contratos duma vida inteira, tira salário e reforma, espolia o quanto pode. Com os capitalistas, pelo contrário, é bem simpático e generoso! Mas não é essa, afinal, a função dum governo ao serviço do capital?
Ana Paula Amaral e J. António Dias