É preciso um novo 25 de Abril!

Comemoram-se este ano os 38 anos da mais recente revolução da Europa ocidental, a revolução portuguesa de 1974-75. Mas este não é mais um aniversário. Este é o momento da história em que as conquistas da revolução portuguesa mais estão ameaçadas. Desde os salários às reformas, do emprego ao serviço nacional de saúde, passando pela educação.

E não são só os direitos laborais e sociais que Abril conquistou que são hoje arrasados pela troika e o governo, também os mínimos garantes da democracia estão e causa: o direito à greve perde-se devido à precariedade, à chantagem dos patrões ou à repressão policial, como se viu na passada greve geral. A liberdade de imprensa está também tolhida e mesmo o voto pouco significa, pois é Angela Merkel e a troika quem decide por nossas vidas.

Caminhamos para um cenário semelhante ao que se vivia antes do 25 de Abril. Uma nova revolução social é precisa. Para a fazer é necessário compreender a grande revolução de Abril, apesar de o regime a esconder e de a televisão, os manuais escolares e uma parte da esquerda sempre a ela se referirem como a algo do passado e não como a única solução de futuro.

Golpe ou Revolução?

Na escola levam-nos a crer que não houve uma verdadeira revolução, mas um golpe de estado, feito por militares, que durou um dia, acabou com o fascismo, instaurou a democracia e todos vivemos “felizes para sempre”. Muitos trabalhadores e jovens também acham que não houve uma revolução: olham à sua volta e pensam que “se tivesse havido uma verdadeira revolução não estaríamos assim”. Mas não é assim.

Primeiro, temos de pensar “porque houve um golpe”. O golpe foi fruto da revolução em África, da luta dos povos africanos pela sua libertação. Essa revolução atravessou o oceano na inquietação dos capitães que, para acabar com a guerra, tinham que derrubar o regime. Mas era apenas isso que queriam fazer, tanto que pediram ao povo que ficasse em casa e entregaram o poder a António de Spínola, general do regime.

Mas o povo não quis assim e saiu à rua tornando-se o principal protagonista da vida política. Durante 18, 19 meses, milhões de pessoas saíram à rua e correram com a PIDE, lutaram por eleições, fizeram reforma agrária, derrotaram tentativas de golpe, nacionalizaram a banca, ocuparam empresas, casas e campos e forçaram os governos provisórios, compostos pelo MFA e o PCP, na maior parte das vezes junto com o PS e o PSD, a irem mais longe do que queriam. Só assim, através de uma revolução, foi possível nacionalizar a banca e os principais monopólios, dar terra a muitos camponeses, aumentar os salários, impor o ensino e a saúde públicas e criar um milhão de postos de trabalho. Apenas um golpe não faria nada disto.

Revolução democrática ou anticapitalista?

Outros admitem que houve uma revolução. Mas dizem que esta foi apenas pela democracia. Esta era a tese do PS, PCP e MFA, que por isso se uniram aos “democratas” do PSD e até ao general Spínola nos governos provisórios. A revolução visaria trazer eleições, o fim da guerra colonial e a entrada na CEE. Não é verdade: a revolução visava sobretudo arrancar da pobreza milhões de trabalhadores, dar terra aos camponeses, trazer saúde e educação para todos, instaurar uma democracia dos trabalhadores, que não se resumisse ao voto de quatro em quatro anos.

Foi por isso que os trabalhadores lutaram, principalmente a partir do 11 de Março, quando na rua derrotaram o último golpe apoiado pelos sectores vindos do Estado Novo, entre os quais o próprio Spínola. Se esta fosse apenas uma revolução democrática teria acabado após o 11 de Março, quando estava garantida a derrota do fascismo. Mas, pelo contrário, foi aqui que ela se aprofundou. Foi a partir deste momento, sobretudo no famoso “verão quente”, que tudo foi posto em causa: a banca foi nacionalizada e com ela os principais monopólios. Alguns dos principais capitalistas (os Mello, os Champalimaud, os que ainda hoje mandam no país) foram presos ou tiveram de fugir do país. A reforma agrária aprofundou-se por iniciativa popular. Muitas empresas, abandonadas pelos patrões, foram ocupadas e postas a produzir pelos trabalhadores.

E nos bairros, nos campos, nas empresas e no exército começou a despontar uma nova democracia, a da classe trabalhadora. Surgiram comissões de trabalhadores, de soldados, de camponeses e comissões de bairro. Era através delas que a vida se decidia, não através das decisões de meia dúzia de capitalistas e seus representantes pagos a peso de ouro, como acontece na atual democracia que, por isso, chamamos burguesa. Este cenário de dualidade de poderes – um poder dos trabalhadores que rivalizava com outro, dos capitalistas – fazia lembrar a Revolução Russa e os seus Sovietes (palavra que significa conselhos).

Por isso, dizemos que a revolução era mais que democrática, era anticapitalista e socialista, porque, no seu decorrer ela começou a propor um novo regime, em que as decisões políticas e económicas estão nas mãos dos trabalhadores, um regime socialista, portanto. Por não se ter avançado para esse tipo de regime, retrocedeu-se e retrocede-se ainda hoje. Os capitalistas não podiam suportar um regime socialista em Portugal e por isso prepararam mais um golpe, o 25 de Novembro.

Por que é que Abril não vingou?

Então, por que retrocedeu a revolução, por que não avançou para uma sociedade nova, socialista, projeto defendido pela população, de tal forma que ficou inscrito na Constituição? A primeira resposta é: porque os capitalistas não deixaram e preparam um golpe que “normalizou” o exército, de forma a devolver o controlo ao governo. Mas essa resposta, na verdade, não vai à essência da questão, pois se os capitalistas virassem socialistas, e não batalhassem pela derrota da revolução, é que era de estranhar!

Mas, e o PCP, por que não resistiu, organizando trabalhadores e soldados para lutar contra o golpe do 25 de Novembro, e, pelo contrário, acabou por participar da “normalização democrática”, isto é, a estabilização de um regime democrático-burguês, junto com PS, PSD e CDS? Isto aconteceu não porque não houvesse força nem vontade dos trabalhadores para avançar para o socialismo, pelo contrário, essa vontade faltou à esquerda. O PS de socialista tinha apenas o nome, e a União Soviética, à qual o PCP respondia, não pretendia quebrar o status quo e ameaçar a convivência pacífica entre o o “campo socialista” e o “campo capitalista”, tal como fora acordado entre soviéticos e americanos no pós-Segunda Guerra Mundial.

Assim, no campo da esquerda, o PS, então dirigido por Mário Soares, foi o primeiro a conspirar pela derrota da revolução de Abril e, em governos constitucionais do pós-25 de Novembro, começar a atacar as suas conquistas, como a reforma agrária e a banca nacionalizada. Até chegar, com os recentes governos de Sócrates, a assinar o memorando de entendimento com a troika, que consagra a destruição das conquistas de Abril. O PCP preferiu viver acomodado ao conforto da oposição parlamentar e das chefias sindicais e autárquicas, dentro do regime do capital. O resto da esquerda, pequena e fragmentada, não tinha força ou clareza para levar avante a luta pelo socialismo. Faltou um partido revolucionário, com força e determinação para fazer na prática o que os outros apregoavam nos discursos. Essa é a principal lição de Abril.

Por um Novo Abril

A Revolução de 1974-75 demonstra que, ao contrário do que diz a mitologia salazarista que muito se entranhou na nossa cultura, os portugueses não são um “povo de brandos costumes”. A esquerda portuguesa tem sido de brandos costumes, isso sim, mas a culpa disso não deve ser imputada aos trabalhadores, órfãos de uma esquerda combativa. Assim, podemos prever que um novo Abril virá.

O revolucionário russo Leon Trotsky dizia que “todas as revoluções são impossíveis até se tornarem inevitáveis”. Em Portugal é cada vez mais inevitável. O povo não aguentará para sempre a miséria e a austeridade. Se hoje parece difícil imaginar o nosso país em revolução, a verdade é que em 1974, antes do 25 de Abril também era difícil imaginar esse cenário. E temos tido vislumbres da mobilização popular, como vimos há um ano com a “Geração à Rasca” ou antes com as grandes lutas dos professores.

As tarefas que estão hoje levantadas – parar com a sangria da dívida, criar emprego, relançar a economia produtiva, aumentar os salários, acabar com a precariedade – não serão resolvidos pela oposição parlamentar. O próprio capitalismo não o permite. Assim, mais cedo ou mais tarde, veremos as ruas de Portugal encherem-se tal como vimos no Egito ou na Grécia. O que não pode faltar nesse momento é um projeto de ir mais além, de superar o capitalismo e instaurar um regime em que a economia não esteja nas mãos de monopólios e especuladores e em que a política não fique a cargo de “boys” pagos a peso de ouro, mas sim nas mãos dos trabalhadores e do povo. Um regime Socialista, portanto.

Esse projeto não nascerá espontaneamente, mas precisa ser preparado, organizado e discutido junto com os trabalhadores e a juventude. Para participar, ao lado das organizações dos trabalhadores e da juventude que lutam contra este regime, na construção de um novo 25 de Abril e de uma alternativa socialista é que o MAS foi criado.

Manuel Afonso

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