China: potência mundial ou submetrópole dependente?

O chinês é um modelo baseado na superexploração e na ditadura, ameaçado pela crise mundial e pelas lutas operárias. Partimos do facto de que o capitalismo foi restaurado na China e a sua economia hoje está totalmente integrada à economia capitalista mundial. E de que a restauração capitalista, iniciada em 1978, deu-se de forma subordinada ao imperialismo.

Basta lembrar que entre as primeiras medidas de “abertura ao mundo ocidental” de Deng Xiaoping estava o estabelecimento de Zonas Económicas Especiais abertas aos investimentos privados estrangeiros, com a supressão do controle estatal do comércio exterior, dando origem ao que ficou conhecido como a “fábrica do mundo”.

Trinta anos depois não houve nenhuma mudança de rumo nesta política de abertura; ao contrário, esta se ampliou a todas as regiões do país. Os investimentos estrangeiros diretos (IED) aumentaram ano a ano, alcançando US$1,05 biliões entre 1982 e 2009.

O afluxo de capital estrangeiro, o roubo do ex-Estado operário promovido pelo Partido Comunista Chinês (PCCh), com a apropriação de empresas estatais por seus membros transformados em novos burgueses, e a superexploração da classe operária fizeram com que o PIB crescesse 10% em média nas últimas três décadas. Este crescimento excecional, no entanto, beneficiou basicamente a burguesia. A participação dos salários no PIB encolheu de 57% em 1983 para 36,7% em 2003.

O desenvolvimento subordinado ao imperialismo beneficiou primeiramente as multinacionais. As estatais reduziram a sua participação na economia para 38% em 2010 (73% em 1988), com participação privada entre 10 e 30% de ações, após a transformação de todas elas em sociedades de capital aberto. Além disso, é cada vez maior o peso de empresas produtoras de bens de alto valor agregado nas quais a participação das multinacionais é dominante.

Estas, segundo Theodore H. Moran (1), da School of Foreign Service, Universidade de Georgetown, em 2006 eram responsáveis pela exportação de 84% dessas mercadorias (contra 45% em 1992). A burguesia chinesa tem presença maioritária na produção de produtos de baixa tecnologia. A “fábrica do mundo” é, portanto, uma base das multinacionais instaladas na China, e as suas maiores beneficiárias, pois o valor das exportações de produtos de alto valor agregado chegou a 67% do total em 2005, um negócio de US$ 500 mil milhões.

Assim, uma “lei de dominação colonial” impõe-se na China: a participação das multinacionais aumenta com o aumento do valor agregado dos produtos fabricados no país dependente. Por exemplo, em 2002 as empresas estrangeiras representavam 39,2% do total de indústrias têxteis do país. Mas na indústria de computadores estes valores sobem a impressionantes 99,4%. Na indústria de telecomunicação, a percentagem de componentes importados é de 91,6%.

Um exemplo interessante mostra a verdadeira rapina efetuada pelas multinacionais em solo chinês: uma pesquisa realizada pela Universidade da Califórnia (2) mostra que do preço de US$299 por um iPod em 2005, “o valor adicionado ao produto através da montagem na China é provavelmente de alguns dólares no máximo”, o resto vai direto para os bolsos dos fornecedores dos componentes importados.

Isso não quer dizer que não exista uma burguesia chinesa que se beneficie dessa rapina, porém como sócios menores e dependentes do imperialismo. Terry Gou, o taiwanês proprietário da Foxconn, onde o iPod é fabricado, tem uma fortuna de US$5,7 mil milhões, mas para isso ele necessita explorar um milhão de trabalhadores em suas fábricas de aluguel às multinacionais.

Obviamente, os dirigentes do PCCh não ficam de fora. Segundo Minki Li (3), “Wen Jiabao, é um dos primeiros-ministros mais ricos do mundo. O seu filho é proprietário da maior empresa privada da China, e a sua esposa controla a indústria de joalharia. A sua fortuna é calculada em US$ 4,65 mil milhões. Estima-se que Jiang Zemin (ex-presidente e secretário geral do PCCh) possua US$ 1,1 mil milhões, e Zhu Rongji (ex-primeiro-ministro) US$ 800 milhões”. Certamente todos eles, dedicados “comunistas” do PCCh, aproveitaram-se das vantagens dos cargos, da influência nas estatais e da corrupção desenfreada (que, segundo Li, pode chegar a movimentar 18% do PIB) para transformarem-se num setor importante da burguesia chinesa.

As empresas do estado também voltaram a ter importância, com participação maioritária nos ramos de energia, petróleo e gás natural, telecomunicações e armamentos. O governo chinês aproveitou-se da crise económica mundial para fortalecê-las com um generoso financiamento, inclusive com a aquisição de empresas no exterior. No ranking da revista Fortune, entre as 10 maiores empresas em valor de mercado do mundo (isto é, o valor das ações negociadas na Bolsa) em 2010, quatro pertencem ao estado chinês: a China Mobile com sede em Hong Kong, a Petrochina, o Banco Industrial e Comercial da China e o Banco de Construção da China. As outras seis maiores são norte-americanas. Esta poderosa presença chinesa é mais difusa se considerarmos as 50 maiores empresas. Entre elas, 25 são norte-americanas e sete são empresas do estado chinês.

Este fortalecimento pode ter duas causas. A primeira é o aumento geral dos preços das commodities, devido à demanda crescente por matérias primas nos países imperialistas. A segunda é a necessidade da própria China de alimentar a sua fome por energia, de manter o controle ditatorial das comunicações no país e de controlar o capital financeiro, como fonte de crédito e de corrupção. Este é, por sinal, o próximo setor a ser aberto ao capital internacional, devido às exigências feitas pelo imperialismo.

É neste contexto que definimos a China como uma submetrópole. Tal como o Brasil, é um país economicamente dependente do imperialismo, exercendo um papel combinado de semicolónia e de submetrópole “regional”, e não tem como livrar-se dessa dependência, a não ser através de uma guerra de classes sob a direção da classe operária.

Os traços principais desse papel são: as riquezas chinesas são saqueadas pelo imperialismo, não as riquezas naturais, que são uma das principais carências da China, mas a riqueza de sua força de trabalho. A burguesia nacional, formada a partir da restauração, busca expandir-se à sombra e como sócia menor do imperialismo, o que pode levar a choques eventuais com o próprio imperialismo, mas sem questionar seu domínio. Por fim, a China é utilizada como plataforma de exportação, não de commodities, mas de produtos industrializados; e não apenas para os países vizinhos, mas para todo o mundo.

No entanto, a China não tem uma dívida externa impagável. Ao contrário do Brasil, é credora dos EUA. Por isso, é necessário avaliar de perto a relação entre os dois Estados.

Conflitos gerados pela crise económica

Esta relação é descrita na imprensa como sendo simbiótica, isto é, um dependeria do outro para sobreviver. A China beneficia-se do mercado norte-americano para as suas exportações, e os EUA, dos preços baixos dos produtos chineses. Isso mantém uma inflação insignificante nos EUA, que podem praticar juros baixíssimos para alimentar o crédito, e a China é beneficiada com um enorme superavit da balança comercial. O círculo é fechado com o retorno deste superavit aos EUA por meio da compra de títulos do tesouro americano e a realimentação do crédito norte-americano. Além disso, este mecanismo cria uma situação de pleno emprego nos dois países, um no setor industrial e o outro no de serviços. E, assim, os dois países cresceriam indefinidamente, numa espécie de moderno moto-perpétuo económico.

Só não contavam com a crise económica mundial, que transformou o moto-perpétuo no “salve-se quem puder”. Assim, depois da primeira década do novo século recheada de elogios ao “modelo chinês” (4), o governo norte-americano passou a desferir amargas críticas: leis protecionistas para participação de licitações do governo chinês; ameaça militar às instalações dos EUA na Ásia; agigantamento das empresas do estado em detrimento das empresas privadas; apropriação de tecnologia e, finalmente, a manutenção de uma taxa artificial de câmbio e o deficit comercial.(5)

Segundo o Congresso norte-americano, “desde a entrada da China na OMC, o deficit comercial dos EUA chegou a US$ 1,76 biliões. A China adotou medidas para encorajar as empresas estrangeiras a transferir a sua produção, tecnologia e pesquisa em troca de acesso a seu mercado… Em julho de 2008, em resposta à crise financeira global, a China congelou a taxa de câmbio de sua moeda… Até 13 de outubro de 2010, o yuan havia valorizado apenas 2,3%, muito abaixo da desvalorização – estimada pelos órgãos imperialistas – entre 20 e 40%”.

Quando o imperialismo reclama do “expansionismo e protecionismo” chinês, é para obter ainda mais concessões, não porque haja uma ameaça real à sua hegemonia. Com a retração da economia mundial no próximo período e as perspetivas pouco animadoras nos EUA, não há possibilidade de lucro para todos.

A transferência da mais-valia obtida pelas empresas estrangeiras na China através da compra de títulos do Tesouro não é mais satisfatória para o conjunto da burguesia norte-americana. É necessário, agora, extrair a mais-valia diretamente da classe operária norte-americana, que teve o seu salário rebaixado pelos acordos coletivos assinados pela burocracia sindical e tem uma produtividade muito maior.

A China, por sua vez, não aproveita a sua suposta posição de superioridade. Frente à questão das reservas e do tipo de câmbio dólar-yuan, mantém a compra e venda de títulos, mesmo que num nível menor (6), e volta a valorizar o yuan. Após o rebaixamento da avaliação dos títulos norte-americanos e a queda das bolsas, o Banco Central da China anunciou a valorização do yuan em 0,23% – a maior desde novembro passado -, para “segurar” uma queda dos títulos.

E para deixar claro que não está havendo “protecionismo”, Bai Ming, do Ministério do Comércio, afirmou que “em consonância com o 12º Plano Quinquenal, a China fará mais esforços para melhorar o clima de investimentos e oferecer mais oportunidades de investimentos às empresas estrangeiras”.

A reserva acumulada pela China de US$ 3 biliões, dos quais a metade em títulos do Tesouro dos EUA, não a torna mais forte e independente, mas mais vulnerável e dependente. Bastaria dar a impressão de que vai vender os seus títulos para causar uma corrida de venda pelos demais países, o que provocaria uma enorme desvalorização do dólar; um suicídio financeiro para a China. Isto é assim porque o dólar ainda é a moeda mais forte do mundo. E a sua força é apenas um reflexo monetário do país que a emite.

O PIB é a prova definitiva?

Porém, se a China ainda é dependente dos EUA, existe uma grande polémica em torno ao seu futuro, com uma quantidade enorme de títulos nas livrarias qualificando a China de nova potência mundial (7). Para isso, a grande maioria desses autores utiliza-se do critério do aumento do PIB ou do comércio – o que dá no mesmo, pois o PIB é uma medida do consumo (das pessoas, do capital e do governo) de um determinado país.

O próprio FMI fez a previsão de que em 2016 a China ultrapassará os EUA no valor do PIB (ppc) (8), que em 2010 foi de US$ 10,1 e US$ 14,7 biliões, respetivamente, trabalhando com uma taxa de crescimento constante do PIB de 2,7% para os EUA e 9,5% para a China. O PIB da China, inclusive, já ultrapassou os da Alemanha e do Japão

O crescimento do PIB é, porém, suficiente para determinar a posição relativa de força entre os países? Isto é, o fato de a China ter o segundo maior PIB do mundo torna-a a segunda potência mundial? Por exemplo, a Argentina foi a 5ª economia do mundo na década de 30, a “década infame”, e, no entanto, era uma colónia da Inglaterra. O Brasil foi a oitava economia do mundo durante o “milagre económico” e viveu uma década de “crescimento chinês, com índice médio do PIB de 8,9% entre 1970 e 1980 (9), mas o seu crescimento estava baseado na exportação de capital dos EUA. Os dois países tinham uma posição privilegiada no comércio mundial e a sua industrialização avançava, mas nunca deixaram de ser completamente dependentes e subservientes do imperialismo hegemónico em cada época e nunca questionaram essa hegemonia.

Trotsky também não concordava com a “ditadura do PIB”. Mesmo no caso da jovem URSS, cujo crescimento poderia ameaçar concretamente o imperialismo, por se tratar de um Estado operário (a não ser, é claro, pela política da burocracia soviética), ele dizia em A Revolução Traída: “Quando nos dizem que a URSS ocupará, em 1936, o primeiro lugar na Europa quanto à produção industrial, despreza-se não só a qualidade e o preço de custo, mas ainda o número da população. Ora, o nível de desenvolvimento geral do país e, mais particularmente, a condição material das massas não podem ser determinadas, a não ser em traços gerais, senão dividindo a produção pelo número de consumidores”(10).

Em relação a isso, basta lembrar que o PIB (ppc) per capita dos EUA previsto pelo FMI para 2016 continuaria quatro vezes maior que o da China, enquanto o PIB nominal per capita seria sete vezes maior (em 2010 os números foram 6,3 e 11 vezes, respetivamente).

Mas isso não basta; para Trotsky: “A correlação de forças, hoje, é determinada não pela dinâmica de crescimento, mas, sim, pela contraposição do todo o poderio de ambos os campos de força, expressa na acumulação material, na técnica, na cultura e, sobretudo, na produtividade do trabalho humano”.

Em cada um destes itens – acumulação material, técnica e cultura – a superioridade das atuais potências mundiais, com os EUA à frente, é evidente. Mas a produtividade (11) é o fator determinante, o que nos leva a perguntar qual é a produtividade chinesa em relação aos países avançados.

Segundo Carsten A. Hozl (12), pesquisador da Universidade de Princeton (EUA), “conforme o trabalho é transferido da agricultura de baixa produtividade para os setores de indústria e serviços de alta produtividade, o PIB real por trabalhador, isto é, a produtividade do trabalho, aumenta, somente porque estes trabalhadores que mudaram de setor agora produzem um múltiplo de sua produção anterior”. Este é o caso da China, com mais de 200 milhões de migrantes do campo transferidos para os trabalhos industriais nas grandes cidades. Enquanto esta migração continuar, a produtividade do trabalho na China continuará a aumentar “naturalmente”, mas apenas para alcançar um estágio bastante inferior em relação aos países industrializados.

Segundo Robert E. Scott (13), economista, em 2010 “as empresas estrangeiras empregaram 3% da força de trabalho chinesa, mas geraram 22% de sua produção. Sua produtividade geral era nove vezes maior que as empresas chinesas. Na manufatura, esta relação era de 4:1, sendo responsáveis por cerca de 40% do recente crescimento económico da China”.

Carsten Holz confirma esses números: “a China permaneceu nesta faixa estreita de (baixo) desenvolvimento, com a produtividade do trabalho de apenas 1,2 a 3,4% do nível norte-americano… a taxa de crescimento da produtividade do trabalho foi relativamente alta, de 9%”.

Esta alta taxa de 9%, devido à transferência de trabalhadores do campo para a cidade, tende a ser reduzida quando a produtividade da própria indústria passar a ser preponderante no conjunto da sociedade. Para isso é necessária uma melhoria da técnica, a maior formação do trabalhador, o aumento do ritmo do trabalho, etc. Ao mesmo tempo, a produtividade dos países imperialistas continuará crescendo, devido à pressão da concorrência. Nos EUA, o país com a maior produtividade do mundo, a taxa anual de produtividade industrial foi de 7,3% em 2002 e só foi negativa em 2008 e 2009 (-0,4%), anos que se seguiram à explosão da “bolha” imobiliária.

O crescimento vertiginoso da China nesta década ocorreu devido à sua posição na divisão mundial do trabalho definida pelo imperialismo e de uma forma subordinada ao conjunto da economia mundializada. Dito de outra forma, a condição de submetrópole do imperialismo foi determinada, e não escolhida pelo governo chinês, a partir do momento em que a restauração do capitalismo foi iniciada. O rompimento desta subordinação não se dará por meios puramente económicos, mas pela luta de classes e, certamente, não será realizado pela ditadura chinesa.

A situação da classe trabalhadora chinesa

O que se passa com a classe operária na China? E com os camponeses? O último censo (2010) estimou em 50% a população urbana. Entre esta, um número enorme de pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza. Segundo a Secretaria Nacional de Estatísticas da China, eram entre 20 e 30 milhões de trabalhadores com registo urbano que, somando-se os membros das famílias, chegavam a 40 ou 50 milhões. A estes é necessário adicionar os migrantes. Entre eles, calcula-se que 15 a 20% vivem abaixo da linha de pobreza, gerando um total de até 70 milhões em 2001 (14), e não há motivos para acreditar que estes números tenham sofrido modificações essenciais.

Convém lembrar que existem províncias com o salário mínimo entre US$ 108 e US$ 120, não sendo considerados abaixo da linha de pobreza moderada (renda menor que US$ 60 mensais). Em 2008 havia 278 milhões de trabalhadores urbanos (na indústria e serviços) (15), dos quais 140 milhões eram migrantes. Destes, cerca de 80% não possuíam qualquer tipo de benefício social e 75% recebiam o salário mínimo, que correspondia a 55% do salário médio dos trabalhadores com registo urbano (16).

Entre os camponeses, a situação é ainda pior; a renda média da família camponesa é cerca de três vezes menor que a urbana, e entre os 42% que vivem com menos de dois dólares por dia (540 milhões de pessoas, sendo que 170 milhões vivem com menos de um dólar), a maioria é camponesa. As moradias camponesas são, em geral, de taipa, de cómodo único, com piso de terra batida e apenas algumas cadeiras e uma mesa como mobília (17).

É com base na sua situação material que a classe operária chinesa vive um ascenso continuado há vários anos, atingindo um novo patamar com as greves nas empresas automobilísticas no primeiro semestre de 2010. Antes de 2008 as greves eram defensivas, pelo pagamento de salários atrasados, indemnizações por demissão ou contra as péssimas condições de trabalho e envolviam trabalhadores sem especialização. Ma, em 2010, as greves reivindicavam aumento salarial e envolviam operários especializados, em geral jovens com formação técnica, o que causou uma reação em cadeia em dezenas de fábricas com greves vitoriosas e forçou o governo a decretar um aumento generalizado do salário mínimo para evitar uma convulsão social. O salário mínimo de Guangzhou, capital da província de Guangdong, com uma enorme concentração de fábricas às margens do Rio das Pérolas, passou de US$ 160 em 2010 para US$ 200 em 2011.

Porém, as lutas continuam a crescer ano a ano. Passaram de 10 mil “incidentes de massas” em 1993 para 74 mil em 2004. E, segundo Sun Liping, sociólogo da Universidade de Tsinghua, estes números dobraram entre 2006 e 2010, chegando a impressionantes 180 mil ações do movimento de massas no ano passado (490 por dia!) (18). Isso se dá pelo fato de o crescimento económico aumentar a confiança dos trabalhadores em suas forças e pela formação de uma “nova” classe operária, chamada de “segunda geração de migrantes”, mais exigente, com mais formação técnica e mais consciência de classe.

A ditadura chinesa sabe disso e age com cautela, a evitar o confronto direto com a classe, a fazer concessões económicas parciais, mas impedindo qualquer organização independente dos trabalhadores através da prisão dos líderes, o que envolve maus tratos, tortura, agressão psicológica e até a pena de morte, e do banimento de qualquer organização independente dos trabalhadores.

A sua política é desviar as lutas, com a aprovação de leis trabalhistas e uma forte campanha de “governar de acordo com a lei”, forçando os trabalhadores a recorrer aos tribunais em vez da ação direta. Para iss, o governo conta com o seu braço sindical, a Federação dos Sindicatos da China, a única organização sindical legal da China, totalmente subordinada ao PCCh. A sua burocracia tem laços materiais com a burguesia chinesa, além de ser proprietária de empresas, como hotéis. Foi uma das maiores patrocinadoras da aprovação da Lei do Contrato de Trabalho em 2007, e a sua função é impedir qualquer mobilização de confronto com o governo.

Conclusões

O crescimento da China está apoiado em um tripé: a superexploração da classe trabalhadora, o papel de plataforma de exportação conferido pelo imperialismo, para aproveitar essa mão de obra barata, e a garantia da exploração e dos investimentos estrangeiros dada pela ditadura chinesa.

Com a crise económica mundial, o imperialismo norte-americano quer uma mudança do atual “modelo”: a redução das exportações chinesas e o aumento das importações, através da valorização do yuan. Para isso, o novo Plano Quinquenal da China prevê a orientação da economia chinesa ao mercado interno e a produção de mercadorias de maior valor agregado. Isto abrirá um novo mercado para investimentos nos setores de serviços e financeiro e para exportação de bens de capital à China, a fim de mecanizar as suas fábricas.

Ao mesmo tempo, este movimento dará às empresas instaladas nos EUA melhores condições de concorrência. Duas notícias ilustram bem este fato. Terry Gou declarou que instalará um milhão de robôs em suas fábricas até 2013, para “mover para cima a cadeia de valor”, isto é, para demitir trabalhadores devido ao aumento dos salários e aumentar a produtividade. E um estudo da Boston Consulting Group (BCG) revelou que, se for levado em conta a maior produtividade e a atual precarização do trabalho nos EUA, a diferença de custo salarial entre a China e os estados do sul dos EUA cai para 30%. Aumentos salariais médios da ordem de 17% ao ano na China e a valorização do yuan levariam os custos de produção e transporte a se igualarem em 2015.

De facto, algumas empresas já estão a instalar fábricas em território norte-americano, em vez da China, e até a trazer unidades de volta. A Caterpillar anunciou a expansão de sua fábrica de escavadeiras no Texas; a NCR Corporation está a trazer de volta a produção de suas máquinas ATM para a Geórgia, e até mesmo uma fábrica de brinquedos, a Wham-O Inc, que fechou a produção de 50% de algumas linhas de seus produtos na China para fabricá-los nos EUA. A justificativa não poderia ser mais cínica: “Trabalhadores e sindicatos estão mais recetivos a aceitar concessões para trazer os empregos de volta aos EUA. O apoio do Estado e governos locais pode pender a balança”, disse Michael Zinser, da BCG.

Para manter seus negócios na China, sem sofrer com os aumentos salariais ocorridos nos últimos anos (19), a burguesia está a deslocar as suas fábricas para o interior, a fim de explorar os camponeses expulsos de suas terras (dez milhões foram expulsos nos últimos cinco anos) ou atraídos pela possibilidade de melhoria em suas vidas, sem a necessidade de que estes migrem para as grandes cidades do litoral. A população rural na China ainda é muito grande – 50% (20) – e significa um enorme “exército camponês” de reserva para pressionar os salários para baixo. A mecanização das indústrias também levará à redução dos postos de trabalho e ao aumento do desemprego.

A jovem classe operária chinesa – a segunda geração de migrantes – consolidada em anos de lutas contra a exploração não deixará que suas condições de vida piorem ainda mais, e sempre encontrará pela frente a ditadura militar do PCCh e seu braço sindical, não a débil burguesia chinesa.

O governo chinês também enfrenta múltiplos problemas na condução da economia desde que lançou o pacote de estímulo de US$ 585 mil milhões em 2009. Conseguiu abrandar a crise na China, mas criou várias “bolhas” devido ao crédito fácil, subsídios e incentivos ao consumo.

Na construção civil, tornaram-se famosas as cidades fantasmas; no ramo automobilístico, que está a sofrer retração do consumo com o fim dos subsídios e, principalmente, no ramo financeiro. O aumento dos meios de pagamento ampliados (M2) foi de 64,3% desde 2009, superando em muito o crescimento do M2 nos EUA, de 10,4% no mesmo período. Isto é, uma quantidade incalculável de dinheiro foi jogada no mercado. A explosão dessa bolha terá o mesmo significado para a China que a falência do banco Lehman Brothers teve para os EUA.

A expansão monetária levou ao aumento da inflação, que chegou a 6,5% em junho, superando em muito a meta de 4% (economistas independentes dizem que a inflação real pode chegar ao dobro do divulgado). O governo tem adotado medidas fiscais para combatê-la, como o aumento dos juros e retirada de subsídios. Planeia, também, uma redução do crescimento do PIB para cerca de 7% nos próximos cinco anos, para esfriar a economia.

O recrudescimento da crise nos países imperialistas poderá fazer explodir o tripé do crescimento chinês. Mas para isso será fundamental que a classe operária aponte as suas armas para um ajuste de contas com a ditadura. A luta contra a exploração deve ser combinada com a luta pelas liberdades democráticas, como a liberdade de organização sindical e política e de expressão, para a transformação das greves isoladas numa única luta nacional, unindo os setores oprimidos da cidade e do campo, com o objetivo de derrubar o governo opressor.

Escrito por Marcos Margarido PSTU/Brasil

Fonte: Artigo publicado na Revista Correio Internacional (Terceira Época) n. 06, de setembro de 2011.

1 Testemunho perante a U.S.-China Economic and Security Review Commission do Congresso norte-americano, março de 2010.

2 Greg Linden, Kenneth L, Kraemer, Jason Dedrick, Who Captures Value in a Global Innovation System? The case of Apple’s iPod, University of California, 2007

3 Mink Li, The rise of the working class and the future of the Chinese revolution, Monthly Review, v. 63, junho de 2011.

4 Em agosto de 2005 o Conselho de Negócios EUA-China (USCBC) publicou uma pesquisa entre seus membros. 58% das empresas consideraram a China como prioridade mundial, 74% afirmaram que aumentariam seu compromisso com a China e 67% tiveram seus lucros aumentados.

5 Relatório da comissão sobre as relações económicas e de segurança entre EUA e China (US-China Economic and Security Review Comission) do Congresso norte-americano, 2010.

6 Há alguns economistas que sugerem que a compra pode até ter aumentado através de mercados paralelos, por exemplo, de Londres, porque o superavit comercial chinês continua crescendo.

7 Cito alguns: Gunder Frank, Reorient: global economy in the Asian age; G. Murray, China: the next superpower; E. Timperlake, Red Dragon rising: Communist China’s military threat to America.

8 O PIB-ppc (paridade de poder de compra) visa eliminar a diferença do poder de compra entre os países. Define-se uma “cesta básica” e divide-se os preços encontrados, cujo resultado é um fator que “mede” esta diferença. No caso de EUA e China, o fator era de 3,95 em 2010, isto é, o custo de vida nos EUA era quase quatro vezes maior que na China.

9 Os valores do PIB no Brasil foram de: 1970 – 13,86%; 1971 – 11,4%; 1972 – 11,9%; 1973 – 13,8%; 1874 – 8,2%; 1975 – 5,1%; 1976 – 10,4%; 1977 – 4,8%; 1978 – 5,1%; 1979 – 6,7%; 1980 – 9,1%

10 Leon Trotsky, A Revolução Traída, Editora Sundermann, 2005, pag. 51

11 A produtividade é, grosseiramente, a quantidade de mercadorias produzida num país/setor/fábrica dividida pelo número de horas trabalhadas.

12 Carsten Holz, Chinas economic growth 1978-2025: what we know today about China’s economic growth tomorrow, World Development, v. 36, n. 10, 2008.

13 Robert E. Scott, testemunho perante a U.S. China Economic and Security Review Commission, março 2011.

14 Dorothy J. Solinger, The creation of a new underclass in China and its implications, International Institute for Environment and Development, www.eau.sagepub.com

15 Uma pesquisa do Departamento de Estatística do Trabalho dos EUA estimava em 112 milhões o número de operários industriais em 2006.

16 Qi Dongtao, Chinese working class in predicament, www.eai.nus.edu.sg/Vol2No2_QiDongtao.pdf

17 http://factsanddetails.com/china.php?itemid=155&catid=11&subcatid=70

18 Mink Li, The rise of the working class and the future of the Chinese revolution, Monthly Review, v. 63, junho de 2011. “Incidentes de massas” é uma classificação do governo chinês para todos os tipos de mobilizações no país, desde greves em pequenas fábricas até revoltas de milhares. Estes números deixaram de ser informados oficialmente em 2005.

19 Os aumentos nominais, sem descontar a inflação foram: 4,7% em 2005, 10% em 2006, 6,4% em 2007, 3,2% em 2008, 17% em 2009 e 2010.

20 Este número inclui os migrantes por terem visto de residência no campo. A população rural nos EUA é de 18% e na América Latina é de 20%

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